Puma Camillê: uma corpa travesti preta retinta que tem a capoeira como instrumento tecnológico subversivo
A artista fala sobre como surgiu o coletivo Capoeira Para Todes, que vem inovando ao incluir pessoas LGBTs nesta cultura majoritariamente ocupada por homens héteros cisgêneros
Por Luiz Vieira
Puma Camillê é uma das artistas travestigêneres mais potentes da atualidade. Não somente pela sua arte, mas pelo seu posicionamento como uma pessoa LGBTQIAPN+ que está sempre abrindo os olhos dessa mesma comunidade para algo muito importante: o poder do coletivo. Ao FODA, ela fala sobre como surgiu o coletivo artístico Capoeira Para Todes, que vem inovando ao incluir pessoas LGBTs nesta cultura majoritariamente ocupada por homens héteros cisgêneros. Além disso, também fala sobre sua ancestralidade, a relação com a pauta racial, espiritualidade, além de suas andanças pelo mundo.
Leia com muita atenção. Com vocês, a potente Puma Camillê:
1 – Querida, para darmos início ao nosso papo, queria saber como está sendo essa experiência de levar a sua arte e o seu trabalho para a Europa. É a primeira vez que você leva seus projetos para fora do país? Quais estão sendo os maiores desafios? Quais os aprendizados? O que você está levando para esses territórios e o que você quer trazer de novidade aqui para o Brasil?
Não é a minha primeira tour pela Europa. Já tive essa oportunidade de compartilhar os meus saberes nesse território, na América do Sul, América Central e América do Norte. Ainda não tive a oportunidade de ir para o continente africano. Já estive ali no Oriente Médio, em Israel, já fui na parte da Ásia, da Rússia. Mas essa é a primeira vez que eu caminho sendo uma pessoa trans, consciente, manifestando isso.
Consequentemente, há alguns desafios nítidos com a masculinidade autorizada pelo patriarcado em alguns países, onde isso é manifestado muito mais forte. Então, só de pisar no território, eu sinto o meu corpo contraindo. Eu sinto a minha força social menor.
Não sei explicar, mas a França é um deles. Então, sem dúvidas, esse é um dos desafios que eu tenho sentido muito mais presente, ocupando esse corpo, manifestando isso, sabe? E o que eu tenho aprendido muito nesse território e visto é como essa organização de projetos… o que não é tão novo assim no Brasil, mas como é que funciona numa escala por conta de os países serem mais próximos, numa escala internacional, de forma mais ampla, com consulado, com museus, com grandes lugares, com o saber popular, o saber acadêmico; o consulado, ele pode estar sendo movido através de projetos culturais. Como isso está começando a ganhar caminho na minha cabeça. Como isso está se tornando visível, está ficando tracejado perante os meus olhos.
Então, em muito pouco tempo, eu posso garantir que essa é a última viagem que Puma Camillê faz, essa tour, essa longa trajetória de partilha, não em time presente. Estou com um manager, em alguns países tive um filmmaker e fotógrafo, mas eu digo que, a partir do momento que eu conheço esses caminhos e consigo tracejar na minha cabeça, as próximas movimentações podem ser coletivas a partir do maquinário público que esses países conseguiram me prover a partir desse olhar histórico, social, que essa perspectiva de ser uma pessoa trans me permite enxergar no mundo. Consequentemente, as brechas no mundo também, que a capoeira me faz conseguir enxergar no sistema.
A capoeira é um corpo que aprende a caminhar no desconforto, e nesse desconforto ele encontra caminhos de fluidez, e esses caminhos são as rasteiras, são os lugares onde ele consegue enxergar que o outro corpo consegue pender. E a capoeira é esse instrumento tecnológico subversivo dessa comunidade que consegue, a partir dessa ótica, jogar no sistema. Então, a capoeira, de alguma forma, me ensinou, me transferiu um pouco desse saber. Então, essas brechas no sistema, com esse olhar social que a ballroom me traz muito potente, me ensina como caminhar nesse sistema capitalista com potência, com muita potência, com muita autoconfiança, com muita… Eu não vou dizer “certeza”, mas com muita precisão nos movimentos, e não movimentos de dança, movimentos da vida. É reflexo. Então, adquirindo essa sabedoria com esses caminhos agora tracejados, é muito mais óbvio que as próximas viagens de Puma Camillê serão em time, isso organizadamente dentro de projetos onde envolve uma escala de expressão e comunicação muito maior. Então, estar na Europa me permite acesso à sabedoria de tudo que eles conseguiram roubar do mundo, transformar em matéria confortável para eles conseguirem viver o mundo, perceber que tudo que parecia sonho, tudo que parecia o lugar mais distante a chegar, na verdade, é o ponto de partida de onde a mente e as possibilidades passam a ser na minha cabeça. Estar na Europa, sendo quem eu sou, conseguindo acessar o que estou acessando, e percebendo que isso é o começo do caminho para muita gente, e isso para outras é o final, o sonho a se chegar.
E o que eu tenho trazido para cá, é muito doido que eu trago história. Sabe aqueles documentários antigos de personalidades que caminharam o mundo e o mundo demorou a descobrir que elas estavam caminhando pelo mundo? Sabe aquele filme do Tim Maia que estava acontecendo já? Eu me sinto nesse lugar e eu sinto que a Europa já percebeu isso. Então eu tenho dado material físico de escrevivência, como diria Conceição Evaristo, de um saber popular num corpo preto retinto, trans, de periferia, vivendo em mais de 20 países europeus, compartilhando em museus, em universidades, em quilombos, sendo registrada com câmera de cinema, por jornalistas, por muita gente, enquanto no Brasil, ainda no meu próprio bairro, as pessoas xingam e viram o rosto. Muitas delas abraçam, óbvio. Mas eu coloco esse outro ponto que pessoas que me conhecem ainda não alcançaram o peso dessa história. E aqui eu sinto que eu tenho compartilhado em potência. Consequentemente, quando eu compartilho, eu percebo quem sou eu. Eu tenho oportunidade de me escutar, de me observar, de me analisar. Então, a Europa tem dado essa espiral dentro de mim, de conseguir compartilhar e de retornar a mim esse aprendizado e de aprender com olhares, com feedbacks, com erros, com acertos. Eu tenho vivido, não é a vida, né? Mas ao mesmo tempo, essa oportunidade de ver uma pesquisa que não existe, né?
Cada passo que tem sido dado por esse corpo é o primeiro passo, a primeira vez na história que a capoeira, neste corpo, tem alcançado esses espaços. Então eu percebi que são passos históricos. E ainda mais este corpo falando da capoeira não neste lugar hegemônico, catequizado, embranquecido, patriarcal. Então, trazendo a capoeira, eu estou relembrando que a capoeira não precisa se manifestar em masculinidade corporal. Ela pode trazer outros elementos de potências, de comunidades e de pessoas que não estavam ali dentro, só que são corpos autorizados, na diáspora, a manifestar aquilo.
2 – Como surgiu a ideia de criar o coletivo artístico Capoeira Para Todes?
O Capoeira para Todes é resultado de muita coisa. Eu sou capoeirista desde sempre. A minha irmã já fazia capoeira desde muito nova. Eu me lembro de estar de ponta cabeça, de ser inspirada corporalmente dentro da minha casa. Eu não sabia que, de fato, a capoeira era uma referência corporal para aquilo. Mas com seis, sete anos, a capoeira chegou na escola pelo mesmo mestre que levou a capoeira para minha irmã. Hoje é evangélica, mas de alguma forma saiu da capoeira por conta de um acesso espiritual muito forte, nítido na matéria, no corpo. E minha família ficava muito assustada com o que acontecia. Muito profundo o acesso, muito profundo. E a capoeira chega para mim ali com sete anos. Não dou seguimento, né? Porque, para continuar a capoeira, até então, precisaria ir para a academia do mestre. Tinha acesso aos meus tios, tias que são evangélicos. Então, bem ali naquele princípio, quando eu falo de capoeira, eles falam: “ah, capoeira, legal, mas tem a questão da música, tem isso, tem aquilo”.
Enfim, o racismo estrutural religioso agiu na minha vida muito forte. A capoeira chega na minha vida através da igreja católica em 2008, com o grupo Arte Cultural. A capoeira chega na minha vida, nesse processo, desde a vida toda. Em 2016, depois de muito tempo de capoeira, vamos colocar aí, quase dez anos, existe um trabalho, a necessidade, na minha primeira turma, quando eu volto para o Brasil, a necessidade de continuar com a capoeira óbvia, mas com pessoas LGBTs. Eu sinto a necessidade muito grande de me assumir enquanto pessoa gay, na época, que é ainda um tabu muito grande dentro dessa comunidade. Antes de me assumir, senti a necessidade de ensinar outras pessoas, para me sentir inclusa dentro de uma comunidade, sem precisar sair da capoeira. Já existia essa ânsia, sabe? De continuar na capoeira, mas eu precisava da minha comunidade. Então, esse é o desejo que move a Capoeira Para Todes. Aí, em 2019, eu conheço a Comunidade Ballroom, e em 2020, bem no comecinho, rola a pandemia, né? De Covid. Bem naquele momento, a gente continuou indo numa praça, que era o único espaço para manter a distância de máscara, cada um no seu momento. Então, cada um começou a chegar na praça.
Do outro lado, chegava a galera da Ballroom, que é a galera que a gente já estava conhecendo, que ficava distante da capoeira, depois começou a se aproximar, se aproximar, daí os processos da pandemia começaram a abrir, a gente começou a se falar mais, a gente começou a se ver um pouco mais, daí acabavam as aulas de capoeira, já começava todo mundo a dançar junto, na hora que a gente viu, já estava acontecendo uma mescla de culturas, a necessidade de um espaço físico, porque, às vezes, chovia, a gente queria se encontrar, tinha gente que queria saber o horário que a gente se encontrava, daí as coisas começaram a ficar cada vez mais profundas, porque a gente percebia como isso tocava pessoas que estavam com ansiedade, com depressão, elas se curavam, não sei explicar, elas se curavam, é curativo, e a gente começou a perceber o poder de cura que tinham dentro dessas informações, quando juntas. Muito potente o que a Ballroom faz para a autoestima, e muito potente o que a capoeira faz para o corpo, para o saber comunitário, para os saberes em volta que são portas à espiritualidade, entre milhares de outros, mas quando esses saberes se encontram, a gente trazia a pessoa trans para a pessoa mais velha, mais velha de mais idade, eu digo, para conseguir estar na mesma mesa, se falando, se vendo, talvez se reconectando, então isso começou a ser muito profundo. Então, Capoeira Para Todes é esse movimento que surge dessa ânsia de continuar em comunidade, mas seguir falando de capoeira. Então, em 2019, com o encontro dessas duas comunidades, a gente precisa dar nome a um encontro, que era esse encontro dessas comunidades, e a gente chamou de Capoeira Para Todes. Na hora que a gente percebeu, tinha virado um projeto, e isso continua seguindo, e está aí.
3 – Qual a sua relação com os seus e as suas ancestrais?
Hoje, passando por Campinas, por São Paulo, por Salvador, eu percebo também nessa viagem na Europa que o Capoeira para Todes não é um grupo, não é uma marca, ele é uma informação, uma ideia que está dentro dessas duas comunidades que tem tanto egoísmo, mas tem caminhado muito forte nas minhas veias, na minha vivência.
Então, tenho uma certa notoriedade para conseguir compartilhar o saber da capoeira e perceber com profundidade como enxergar Ballroom trazendo um pouco mais de cooperatividade para o que parece competição, trazendo um pouco de uma percepção coletiva para o que parece único. Coisas de capoeira. Eu percebo que existem muitos movimentos em volta do mundo que estão falando da mesma coisa, que já estão próximos a se encontrar. Então, eu sou a ponte entre essas duas comunidades.
O bebê que essas comunidades conseguiram gerar, e eu faço essa ponte entre essas comunidades que, por muito tempo, tiveram um muro cristão que não fazia com que essa pessoa de quebrada e essa travesti se encontrassem na mesma periferia por conta desse fragmento de muro enorme cristão que existe entre as lutas. Que na verdade não percebem. Quem luta por causas climáticas e reproduz racismo não entendeu que ela está mordendo o próprio rabo. Ela está girando em círculos. Ela não entendeu que existe um muro entre o saber dela de luta social e a opressão do lado que é causada pelo mesmo motivo. Está segurando uma barra muito grande esse pilar que ela ataca. Mas existem outros pilares que estão segurando o mesmo sistema de opressão. Capoeira Para Todes tem partilhado isso em Campinas. Tem partilhado isso em São Paulo, em praça pública, em espaços fechados, em workshops pelo interior de São Paulo. E eu nessa figura tenho compartilhado no mundo inteiro percebendo que essa comunidade, no futuro muito próximo, vai estar se ampliando muito, muito, muito mais.
Então, a minha ancestralidade está viva. Hoje é minha mãe, as minhas irmãs que me cuidaram assim. E essa sabedoria de ter extraído muita história do meu pai, história da minha mãe, de onde minha avó veio, quem era mãe dela. Desde muito cedo, eu lembro de tomar muita porrada de folha de senhorinhas de muita idade. Você via que elas tinham ali 103 anos, 90… Eu não entendia o que estava acontecendo. Minha família sempre me trouxe muito para perto. De banho de pipoca, de fumação em casa, sempre. Eu sempre tive em volta essa sabedoria. Que é uma sabedoria que não era bem deles, mas eles acreditavam muito. Hoje sou mais consciente, buscando essa proximidade com essas histórias, entendendo como a minha história se fortalece a partir das histórias que vieram antes de mim.
Então, esse contato espiritual é muito forte para mim, que é o contato real da história. E agora, morando em Salvador, entrando para o Ilê de Oyamatamba, de uma antifa neodara, que é uma yalorixá, ao mesmo tempo pedagoga, com um livro lançado chamado Pedagogia da Desobediência, se não me engano, com um olhar muito peculiar para o mundo, que muito me agrada.
Esse infravermelho que ela usa para o mundo, parece que o meu olho capta e consegue compreender. Só que ela fala de um lugar do Candomblé, que foi um lugar que eu sempre tive dificuldade de entrar, por ser esse corpo que não se adaptava no binário do que é ele ou que é ela. E sempre era uma pauta em público. Ela sempre fala que eu precisava fingir que estava tudo bem, e eu estava falando com alguém de outra dimensão. Então, era muito chato.
Hoje, conscientemente, me coloco no terreiro com outras pessoas trans, numa família tradicional de comunidade de terreiro, estando próxima à musicalidade africana, às línguas Yorubá e Kimbundu, fazendo aulas práticas, voltando agora para a dança de Orixá, então entregando meu corpo para essa dança que vem de outro lugar. Eu estou trazendo ao meu corpo a informação que talvez ele já tenha em outro momento, não linear. Trago para agora essas informações para o meu corpo.
Esse tem sido meu contato muito forte com a minha espiritualidade. Essa consciência no meu Orí, de trazer essa informação e perceber que esse tempo, na verdade, ele não era tão real. Estou me dando isso que já é meu.
4 – Você acha que as pautas raciais e LGBTs avançaram no Brasil?
Eu percebo que pautas raciais e LGBTs seguem em avanço. Ao mesmo tempo, em retrocesso. Daí quando o retrocesso fica aparente, a gente percebe que existe uma onda muito forte de resistência a esses avanços, é nítido, só que não tem como negar os avanços. Só que o triste é que a gente divide racialidade e LGBTs porque, de fato, quando a gente fala de pessoas LGBTs, a gente se refere a pessoas brancas. LGBTs são majoritariamente homens gays. Então, essas pessoas trans não se enxergam muito nessas siglas, a não ser quando, majoritariamente, elas são brancas. E pessoas negras, eu não preciso nem comentar porque a gente, de fato, nunca se enxerga nesses lugares. Então, eu percebo que essa pauta avança, mas não é interseccionada, o que é um problema quando a gente não consegue se enxergar dentro dessa comunidade. E é muito, mais uma vez, muito importante quando eu percebo essa desconexão da comunidade LGBT com pautas raciais, não só com pautas, com afeto, com encontros, com entretenimento, com acesso, com várias outras coisas para além das pautas. Eu estou falando da matéria, da realidade.
Então, a gente enxerga que esses meios não caminham juntos. É muito seccional, né? Então, avanços, ao mesmo tempo, eu percebo que estão no mesmo lugar, neste lugar dessa intersecção, ou seja, para mim, isso não é avanço; elas avançam enquanto projetos de lei. Eu percebo que existem mais coisas, menos dificuldades para caminhar em certos espaços, outras pessoas se sentem menos autorizadas a manifestar violência pautada no cristianismo em alguns lugares por conta da percepção, por conta da representatividade de pessoas que já estão falando, por conta, enfim, já chegou lá na minha avó, na minha mãe, já chegou em gente que não tem tanto acesso além da realidade cotidiana, ali, ordinária de casa, igreja, televisão. E eu já tenho essas informações. Não que eu acredite tanto na questão da representatividade, mas, de fato, ela muda. Ela muda através da informação, mas é um jogo do sistema. Eu também sei disso. Como ninguém tem o poder de representar ninguém. Mas é a forma que a gente está conseguindo adentrar os espaços agora, através da diversidade. O mundo é diverso. A natureza é plural.
5 – O que você diria para os caretas que querem barrar o casamento LGBTQIAPN+ no nosso país?
Negar o casamento LGBT é negar a pluralidade, é negar as multipossibilidades de existência no mundo. É reforçar que o mundo é seu reflexo e semelhança. É reforçar que você é a única pessoa certa no mundo, pautada no cristianismo. Na aceitação de um homem sem avô e sem neto. De um homem que reproduza a lógica, onde essas pessoas com sabedoria de idade estão numa casa de repouso e de crianças numa creche. Sem a gente aproveitar disso, sem isso estar numa roda, sem isso ter outras possibilidades de correlação, outras possibilidades de família, outras possibilidades de existência. O casamento LGBT, de alguma forma, reflete outras possibilidades de manifestação de afeto.
Você negar isso é você negar a pluralidade. Você vai negar, vai colocar o mundo numa régua, num prédio, que as pessoas não se olham umas para as outras. É reforçar que isso é natural. Isso não é natural. Isso pode estar dando certo, quase definhando. Mas isso não é natural. Não dá pra negar que essas pessoas, mesmo com todos os impedimentos, elas insistem em algo que está sendo negado. Quanta perversidade. Quanta perversidade…
6 – Qual legado você quer deixar com a sua arte?
Existe uma moda no mundo, a estética. Por mais que a gente negue, a estética dita quem vive, quem morre. Eu sempre soube, mas eu não entendia que era a estética de fato. Eu dava nome pra isso. Gênero, cor de pele, etnia, mas era a estética no final das contas.
Então, quando as pessoas conseguem, através dela, perceber que isso é uma arma de batalha pra jogar com o novo óculos de infravermelho no mundo, elas percebem que isso não estava fora, estava mais dentro do que fora. Então, era a forma que você joga com este filme que você está aparentemente vivendo, mas na verdade você está reproduzindo. Você tem a oportunidade de reproduzir esse mundo, entendendo óbvias camadas sociais que são impedimentos, são bugs nesse filminho. Então, espero poder ampliar as possibilidades de olhar do mundo, a partir do que eu tenho deixado, a partir do que eu tenho sugerido, manifestado, agitado em espaços; conseguir fazer com que a medicina, com que a antropologia, a sociologia, as diversas disciplinas consigam perceber que esse saber popular carrega muita sabedoria e ele merece ser interseccionado na base de mudança do mundo, na educação.
Eu sei que a minha existência vai colaborar muito, muito, muito, muito, vou apertar ainda a mão de muita gente. Isso vai alterar o giro do mundo. Existe um legado muito grande pra ser deixado aí, não só nesses lugares acadêmicos e disciplinares, mas eu também estarei em espaços onde o mundo para pra nada de ser dito. Sabe a Copa do Mundo? As Olimpíadas? Esses momentos que param pra gente reproduzir militarismo? Vai existir assim uma passagem, uma passagem dessa existência em comunidade. Então, são passagens de legado, de abertura de caminhos. É isso: o legado de Exu na Terra.