
Projetos de lei buscam prevenir novos desastres no RS
Deputados estaduais gaúchos apresentam propostas para evitar tragédias como a ocorrida em maio de 2024
Por Ruan Nascimento e Kerolin Buss
Há pouco mais de um ano, o Rio Grande do Sul viveu a sua maior tragédia climática. Toda a população gaúcha que sobreviveu àquele período se recorda dos horrores vividos em maio de 2024. Em uma enchente jamais registrada, 478 dos 497 municípios do Estado foram afetados de alguma maneira, atingindo mais de 2,4 milhões de pessoas. Destas, mais de 80 mil ficaram em abrigos provisórios, e outras milhares improvisaram refúgio em pontes, praças, viadutos, ou buscaram abrigo em casas de amigos ou familiares. Ao todo, 184 pessoas morreram, e outras 25 continuam desaparecidas.
Desde então, muitas ações foram feitas em todas as esferas para ajudar a população gaúcha, principalmente, aqueles que foram mais afetados. O Governo Federal, por exemplo, destinou mais de R$ 111,6 bilhões ao Estado, em ações como a reparação de rodovias, assistência às famílias desabrigadas ou desalojadas, resgate de moradores, recuperação da economia local, e prevenção de novos desastres. “Não haverá impedimento de burocracia para que a gente recupere a grandiosidade deste estado”, declarou o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) em uma das visitas ao Rio Grande do Sul naquele período.
Diante da ameaça de tragédias como a ocorrida no ano passado, deputados estaduais do Rio Grande do Sul também realizam articulações para a aprovação de projetos de lei voltados à questão ambiental. O objetivo é que, através de diferentes frentes, o Governo do Estado e agentes de diversos setores, possam se mobilizar juntos para um melhor preparo do Estado no enfrentamento a futuras situações de calamidade.
Emergência climática permanente

Projeto do deputado Matheus Gomes está pronto para ser votado em plenário (foto: Divulgação/ALRS)
Em tramitação na Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul desde 2023, o Projeto de Lei nº 23/2023, de autoria do deputado estadual Matheus Gomes (PSOL), trata do reconhecimento do estado de emergência climática permanente em todo o território gaúcho. A iniciativa também propõe ações para a neutralização da emissão de gases causadores do efeito estufa até 2050, contribuindo para minimizar a aceleração das mudanças climáticas.
Este projeto prevê também a criação de um plano de enfrentamento à emergência climática em até um ano, com a garantia da participação da população do Estado. O deputado afirma que, se aprovado, o projeto de lei trata-se de uma iniciativa inédita no Brasil. “Protocolamos a proposta antes de vivenciarmos os piores efeitos da emergência climática no nosso Estado, e mesmo após as enchentes, secas e ondas de calor, não houve uma sensibilização significativa na Casa (Legislativa) para garantirmos a sua aprovação. Além disso, o diálogo com a Casa Civil (do Governo do Estado) tem sido difícil”, explica Gomes. Para ampliar o apoio a este projeto de lei, o deputado lançou em junho uma petição online de apoio pela aprovação da proposta.
Tramitação na Assembleia Legislativa

Presidente da Assembleia Legislativa do RS, Pepe Vargas, concedeu entrevista para a Mídia Ninja (Foto: Lauro Alves/ALRS)
Conforme o regimento interno da Assembleia Legislativa do RS, para que um projeto de lei possa ser votado em plenário, ele precisa ser aprovado pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) e por, pelo menos, uma comissão de mérito, voltada às áreas de atuação da proposta protocolada. Após isso, a proposta precisa ser apresentada em pauta na reunião de líderes de bancadas, que ocorre semanalmente nas terças-feiras. O projeto só vai para o plenário se líderes de bancadas que representem 37 dos 55 deputados estaduais derem o aval para a votação.
“Mesmo que haja a tramitação entre todas as comissões, um projeto de lei só passa para a votação em plenário após a reunião de líderes, e com o apoio de partidos que representam, pelo menos, 37 parlamentares. É um método existente há muitas décadas na Assembleia Legislativa do Estado. Acho mais correto, mais democrático. Não podemos concentrar o poder em uma pessoa só, como ocorre em Brasília, na Câmara dos Deputados e no Senado Federal”, explica o presidente da Assembleia Legislativa do RS, Pepe Vargas (PT), em entrevista para a Mídia Ninja.
No caso do PL do deputado Matheus Gomes, Vargas recorda que a proposta já passou pela aprovação das comissões, e que, desde março, já está incluso para a ordem do dia, como é chamada a lista de projetos que vão para votação dos parlamentares a cada sessão.
“Nestas reuniões semanais de líderes, o próprio deputado Matheus tem pedido para postergar a votação para semana seguinte. Mas por que ele tem feito isso? Ele sabe que não tem os votos suficientes para aprovar neste momento. Se fosse colocado para votação, a maioria poderia rejeitar o projeto, e ele seria arquivado. Com esse adiamento, o projeto continua válido, ele pode continuar fazendo essa discussão na sociedade. Ele está agindo corretamente”, completa.
Ações conjuntas de prevenção

Deputada Sofia Cavedon (PT) propõe debates socioambientais pelo Estado (foto: Divulgação/ALRS)
Outra proposta voltada para a prevenção de novos desastres trata-se do Projeto de Lei nº 244/2024, de autoria da deputada estadual Sofia Cavedon (PT). A iniciativa permite a implementação da Semana Estadual de Prevenção aos Desastres Socioambientais no Estado do Rio Grande do Sul, a ser realizada entre os dias 1º a 7 de maio, em lembrança dos piores dias das enchentes de 2024.
De acordo com o Projeto de Lei, o Estado será responsável por promover, em parceria com a sociedade civil e com Municípios, eventos socioambientais, cursos de extensão, e atividades abertas ao público, com o objetivo de debater as mudanças climáticas e propor ações de prevenção de novas enchentes. “Ao elaborar o projeto, pensamos também em cadastramento e banco de dados de voluntários, mapeamento de populações vulneráveis, unidades de serviços públicos e demais estruturas. Envolveria todos, em diferentes dimensões que implicam a emergência climática. Levantamos o projeto com a possibilidade de levar atividades como treinamentos e formações de campo”, salienta a deputada.
Professora de formação, Sofia Cavedon completa que o trabalho educativo com relação ao clima não seria específico apenas para a prevenção de enchentes. “Nesse ano de 2025 vivemos outra emergência climática, com ondas de calor insuportáveis em fevereiro. E nós já vínhamos fazendo o monitoramento da situação das escolas estaduais. Percebemos que a grande maioria das unidades de ensino não têm sistema de climatização. É um problema seríssimo de estrutura elétrica e estrutura física. Já outras escolas até possuem ar condicionado, mas não podem ligar”, aponta.
Dificuldade de diálogo com o Governo do Estado
Para o deputado Pepe Vargas, há uma grande dificuldade de diálogo com o Governo do Estado em se tratando de projetos para debater a crise climática no Estado. O presidente da Assembleia faz oposição ao governador Eduardo Leite (PSD). No Rio Grande do Sul, a presidência da Casa Legislativa é rotativa entre as quatro maiores bancadas eleitas nas últimas eleições, independente de o partido fazer parte da base ou da oposição ao governo estadual.
“Temos uma grande divergência com a condução das questões ligadas ao meio ambiente no Rio Grande do Sul. Achamos um grave erro as mudanças que ocorreram no código ambiental do Estado. O Governo tem a maioria na Assembleia, e conseguiu flexibilizar as legislações, inclusive permitindo o uso de agrotóxicos nas plantações, mesmo aqueles de uso proibido em seus países de origem. Diria que a gestão ambiental do governo Leite é um desastre. Não tem uma regulamentação correta e adequada para isso”, comenta.
A deputada Sofia lembra que os problemas na gestão ambiental do Rio Grande do Sul já eram recorrentes, e que isso tem afetado os trabalhos na proteção das bacias hidrográficas do Estado. “Nos governos do José Ivo Sartori (MDB – 2015-2018) e do Eduardo Leite (PSD – 2019-2022; 2023-presente) houve um desmonte na capacidade de planejamento e atuação técnica. Foram extintas as fundações de pesquisa, de economia, na área ambiental. Os funcionários de carreira foram alocados nas secretarias. Essa destruição da capacidade de pensar o estado continuou. E a articulação impactou o planejamento por bacia hidrográfica, e impactou também na região metropolitana, que foi a mais atingida pela enchente”, lamenta.
Pensando o Estado para o futuro
A catástrofe de maio do ano passado foi grave. Em tempos de mudanças climáticas, nada impede que episódios semelhantes não ocorram novamente no Rio Grande do Sul. Em sua gestão à frente da Assembleia, o deputado Pepe Vargas colocou a sustentabilidade como principal frente de trabalho. Um dos exemplos está na realização do Fórum Democrático, com a realização de debates pelo Estado para tratar de temas como transição energética, cultura, meio ambiente e sociedade, e seminários regionais. Estes encontros são abertos ao público, que pode participar de forma presencial ou virtual.
“Em novembro, pretendemos concluir todo esse processo, produzindo um documento com diretrizes para o crescimento sustentável do Estado, onde obviamente teremos questões que serão de responsabilidade do Governo do Estado, outras do Governo Federal, e outras que poderão ter iniciativa da própria Assembleia. Mas a ideia é ter esse relatório para servir de insumo”, destaca.
A curto prazo, ele ressalta que é a hora de o Estado agir em melhorias no sistema de proteção contra enchentes nas bacias hidrográficas. “O Governo Federal destinou R$ 6,5 bilhões exclusivamente para este fim. O governo gaúcho não elaborou nada até agora, e este dinheiro está rendendo juros. Mas não era para render juros, e sim para se fazer obras.”
Além da contenção das cheias, Pepe Vargas lembra que o Estado também precisa investir em melhorias nas bacias hidrográficas. “A água que chega ao Rio Guaíba, aqui em Porto Alegre, passou por bacias como a dos rios Caí, dos Sinos, Taquari, Gravataí e Jacuí. Tem que discutir por todas as bacias hidrográficas. Tem que fazer um programa de recuperação de solos nas áreas de plantio, para que esse solo retenha a água da chuva, porque aí vai menos água para os rios. Tem que fazer as matas ciliares que precisam ser recuperadas. E tem que ouvir a ciência, as universidades, a Embrapa, a Emater. Não adianta só fazer obra de proteção”, frisa.