Por Leila Monnerat

Alergias alimentares, doença celíaca, intolerâncias e sensibilidades diversas fazem com que algumas pessoas não possam consumir certos alimentos. Isso por si só já é algo que demanda planejamento e estratégias no dia a dia, mesmo quando estamos falando de uma vida rotineira e sem tribulações. Porém, tudo fica ainda mais desafiador em um cenário de tragédia coletiva, como o que aconteceu no Rio Grande do Sul durante as chuvas de maio de 2024. Foi nesse contexto que surgiu o projeto SOS Alérgicos do RS. Diante da dificuldade de aquisição de alimentos seguros para pessoas com necessidades alimentares especiais, o projeto iniciou a arrecadação de doações para garantir alimentação segura para milhares de pessoas alérgicas, celíacas, intolerantes ou sensíveis durante as enchentes.

No início das chuvas, a Associação dos Celíacos do Brasil – Seção Rio Grande do Sul (ACELBRA RS) já havia iniciado uma campanha de arrecadação para atender às famílias do Vale do Taquari, historicamente uma das regiões mais atingidas no estado. Em paralelo, a instituição entrou em contato com a Defesa Civil e com o Banco de Alimentos para, assim que surgisse a demanda de pessoas com necessidades alimentares especiais entre os desabrigados, ela fosse acionada para providenciar o envio de alimentos inclusivos (sem glúten, leite, ovo ou soja, por exemplo).

No entanto, com a progressão da tragédia e enchentes afetando também os municípios de Porto Alegre, Canoas, Esteio, Sapucaia, São Leopoldo, Novo Hamburgo e outras cidades do Vale do Rio dos Sinos, o número de pessoas recorrendo ao projeto aumentou consideravelmente. Com a ampliação da demanda, a iniciativa passou a contar com a ajuda de empresas que atuam no ramo da alimentação inclusiva, além de uma clínica especializada em alergias. O projeto elaborou então um formulário eletrônico para cadastramento de pessoas com necessidades alimentares especiais em todo o estado.

De acordo com as restrições informadas no formulário, os voluntários montam os kits com produtos inclusivos. Estes são doados por empresas, e também adquiridos com os recursos arrecadados pelo projeto. Os valores também vinham custeando os serviços de entregas. Só na região de Porto Alegre, o projeto chegou a entregar em média 150 kits semanalmente durante os meses de maio e junho. Também foram incluídas nas entregas, havendo demanda, as fórmulas infantis destinadas às crianças APLV, que não podem consumir leite de vaca, e uma parte dessas fórmulas infantis foi direcionada para o Hospital das Clínicas de Porto Alegre.

No entanto, pela falta de orçamento para continuar custeando os envios por motoentrega, os produtos passaram a ser mantidos nas dependências da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), que vem funcionando como base para o projeto, e os assistidos fazem a retirada dos kits presencialmente mediante agendamento.

Segundo Fabiana Magnabosco, nutricionista e presidente ACELBRA RS, quando a iniciativa surgiu, no início de maio, a equipe não imaginava a dimensão que o projeto tomaria. Atualmente, são atendidas aproximadamente 1100 pessoas, a maioria delas (em torno de 80%) têm doença celíaca e intolerância à lactose. A alergia à proteína do leite de vaca vem em seguida. E um pequeno percentual de pessoas tem outras restrições alimentares. Fabiana destaca que, em alguns casos, há famílias com várias pessoas sendo atendidas pelo projeto.

Magnabosco esclarece que o SOS Alérgicos do RS não recebeu apoio do poder público. A arrecadação financeira e a logística de distribuição foram encabeçadas pelas empresas e entidades envolvidas e tudo só aconteceu graças às doações de pessoas físicas de todo o Brasil que se solidarizaram com a pauta da inclusão alimentar. Os kits continuam sendo distribuídos às pessoas já cadastradas no SOS Alérgicos do RS, e também às que preencheram o formulário recentemente. A cada semana, novas pessoas buscam ajuda. Quem desejar colaborar pode contribuir através do Pix da ACELBRA RS (CNPJ 94594454000181).

Fabiana explica que o projeto – que foi uma iniciativa emergencial – será mantido dentro do ambiente acadêmico, porém ressignificado, agora como “Liga Acadêmica de Restrições Alimentares”. O objetivo será fornecer orientação médica, nutricional e jurídica às pessoas com necessidades alimentares especiais. “Estamos doando os últimos alimentos que ainda temos e, depois, continuaremos o trabalho com oficinas e orientação para as pessoas com restrições alimentares. Como o projeto é multidisciplinar, envolvendo a faculdade de Medicina e a faculdade de Direito, vamos auxiliar as pessoas nessas duas áreas.” A proposta desse novo projeto é ministrar oficinas educativas ensinando como preparar alimentos seguros, livres de alérgenos e de contaminação cruzada, além de propor alternativas caseiras, mais baratas, para quem tem restrições alimentares.