Projeto de universidade indígena desafia a lógica colonial e valoriza saberes tradicionais
Delegação de mulheres do AMIMSA apresentam projeto de universidade indígena durante COP30
por Evelyn Neves
A 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP30) encerrou-se na sexta-feira (21/11), deixando como legado a ampla participação dos povos indígenas. A capital paraense recebeu, na Aldeia COP — instalada na Escola de Aplicação da UFPA —, a presença de cerca de três mil indígenas de diferentes regiões do Brasil e da América Latina, e estima-se que, ao todo, cinco mil indígenas tenham circulado por Belém ao longo do evento.
Cruzando fronteiras nacionais e interestaduais, diversos povos e representantes da América Latina chegaram em embarcações. Entre as delegações que se deslocaram de seus territórios esteve a da Associação das Mulheres Indígenas do Médio Solimões e Afluentes (AMIMSA). Segundo a Cacica Rai, liderança Tikuna da associação, o grupo de mulheres enfrentou uma longa viagem até alcançar Belém. Foram três dias de barco entre Tefé e Coari até Manaus, seguidos de mais quatro até a capital da COP30. “Com muitas dificuldades, pouco apoio e poucos recursos, mas, mesmo assim, conseguimos chegar e entregar os nossos projetos”, relata Rai.
Há 15 anos, a AMIMSA atua no fortalecimento das lutas das mulheres indígenas por seus direitos e seus territórios, além de incentivar a geração de renda por meio do artesanato. A associação reúne lideranças dos povos Tikuna, Kambeba, Mayoruna, Apurinã e Madja Kulina.
“Era muito necessário que viéssemos representar o nosso território, os nossos povos, entregar os nossos projetos e, principalmente, buscar e cobrar propostas para as nossas aldeias. Precisamos de bem-estar. Toda a população tem os seus direitos — e nós temos os nossos também”, destaca Rai.

Ao longo das duas semanas de conferências, ficou evidente como os movimentos indígenas se articularam no enfrentamento ao avanço de empreendimentos minerários, hidrelétricos e do agronegócio sobre os territórios tradicionais. Essas iniciativas reforçaram que, diante das urgências climáticas, precisamos assumir um ponto de virada radical: colocar a vida acima do lucro. Para isso, não basta transformar o discurso — são necessárias ações concretas, e muitas das soluções já estão nos territórios.
A marcante participação indígena na COP30 foi resultado da articulação entre o Ministério dos Povos Indígenas, organizações indígenas e o governo federal, mas também da autonomia e força dos diferentes movimentos. Ao celebrar essa participação, é preciso lembrar da importância de ampliá-la e consolidá-la nas próximas conferências, sobretudo nos espaços de decisão climática — que ainda carecem de uma representatividade mais equilibrada de indígenas, afrodescendentes, comunidades tradicionais e mulheres.
“Nós, povos indígenas, somos quem mais sofre com as mudanças climáticas. Nossos territórios são negociados, e sofremos na pele as consequências. Devemos ter direito de fala”, comenta a Cacica Rai.

Aldear as universidades: da verticalização à horizontalização de conhecimentos
A inclusão dos conhecimentos tradicionais no debate climático passa, necessariamente, pela discussão sobre como a Modernidade — e o processo de colonização — estruturou a dominação de corpos, a exploração de recursos e a hierarquização dos saberes. Essa racionalidade colonial, que transformou a natureza em objeto inerte e retirou de muitas sociedades suas próprias condições de existência, produziu desordens profundas nas organizações sociais e nas subjetividades. Um de seus efeitos mais contundentes é o epistemicídio — reiterado toda vez que diferentes saberes tradicionais são silenciados ou não reconhecidos nos espaços científicos e políticos de decisão.
Na luta por uma sociedade verdadeiramente polifônica, capaz de escutar e amplificar vozes diversas, seguem as mulheres da AMIMSA. Entre suas demandas apresentadas na COP30, destaca-se o projeto de criação de uma universidade indígena em Tefé, município do interior do Amazonas. A iniciativa busca garantir a formação de intelectuais indígenas e fortalecer a preservação de seus saberes e línguas, rompendo com a lógica verticalizada da produção de conhecimento e abrindo caminho para uma educação que se constrói com — e não sobre — os povos originários.



