Projeto de Lei que flexibiliza o uso de agrotóxicos poderá gerar ainda mais danos para a saúde e perda de arrecadação, mostra estudo
Na contramão da orientação de especialistas, ambientalistas e estudiosos do tema, o Brasil vai flexibilizar o uso dos agrotóxicos
“Atlas dos agrotóxicos”, da Fundação Heinrich Böll, apresenta dados que alertam para a piora do cenário com a aprovação do PL
Na contramão da orientação de especialistas, ambientalistas e estudiosos do tema, o Brasil vai flexibilizar o uso dos agrotóxicos. O Projeto de Lei 1459/2022, conhecido também como PL do Veneno, acaba de ser aprovado em plenário no Senado. Dados do “Atlas dos Agrotóxicos”, elaborado pela Fundação Heinrich Böll, revelam que o seu uso provoca danos de grandes proporções para a saúde humana. Os incentivos para o setor levam à perda de arrecadação bilionária para os cofres públicos, além do prejuízo incalculável para a perda da biodiversidade do solo.
A publicação mostra que, entre 2010 e 2019, quase 57 mil pessoas foram intoxicadas pelo uso de agrotóxicos no País, uma média de 15 pessoas por dia, sendo que esse número pode ser ainda maior, de acordo com estimativa do próprio Ministério da Saúde. Segundo o “Atlas dos Agrotóxicos”, o impacto do atendimento para esses casos de intoxicação gera um custo de R$45 milhões para o Sistema Único de Saúde (SUS). Isso significa que cada US$1 gasto na compra de agrotóxico pode onerar o SUS em US$1,28.
O estudo revela ainda um recorte de gênero com relação à saúde, mostrando um quadro grave de impacto sobre a saúde das mulheres, e também à infância, já que a ameaça à vida das crianças começa antes mesmo que elas nasçam. Há registros de casos de abortos em função da exposição aos agrotóxicos, bebês gerados com malformação fetal e/ou que apresentam puberdade precoce nos primeiros anos de vida, partos prematuros, e já foi encontrado resíduo de agrotóxico até mesmo no leite materno. Os agrotóxicos também têm sido associados a um risco aumentado de câncer de fígado e de mama, diabetes tipo 2, asma, alergia, obesidade, entre outros distúrbios endócrinos.
Outro ponto que merece destaque no “Atlas dos Agrotóxicos” é com relação aos dados sobre isenção tributária para o setor. A Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco) publicou uma estimativa da perda total de arrecadação para os estados e para a União com os benefícios fiscais concedidos para essa indústria. Considerando a comercialização dos agrotóxicos em 2021, estima-se uma perda de R$12,9 bilhões para os cofres públicos. A constitucionalidade do incentivo está nas mãos do STF que, ainda esse ano, deve decidir sobre o tema.
Embora a justificativa para esses incentivos seja garantir a segurança alimentar da população brasileira, dados do Sindicato Nacional da Indústria de Produtos para Defesa Vegetal mostram que 89% da área total tratada com agrotóxicos em 2022 referia-se a apenas cinco culturas: soja, milho, algodão, cana-de-açúcar e pastagens. Portanto, o maior impacto dos benefícios fiscais para os agrotóxicos encontra-se na produção de commodities, em sua maioria voltadas para exportação e com preço fixado no mercado internacional, e não nos alimentos que de fato chegam à mesa dos brasileiros.
Esses dados revelam que, na verdade, um regime tributário de sobretaxação dos agrotóxicos poderia trazer efeitos positivos para a saúde da população e para o meio ambiente, uma vez que promoveria uma redução do seu uso e no incentivo à busca por práticas agroecológicas de produção de alimentos.
“Um regime tributário de sobretaxação dos agrotóxicos pode servir de estímulo para que as pessoas busquem alimentos mais saudáveis e de qualidade, que se utiliza de práticas agroecológicas para sua produção. Essa busca terá impacto direto na forma como o agronegócio atua, forçando a busca por produções mais sustentáveis”, explica Marcelo Montenegro, coordenador de programas na área de justiça socioambiental da Fundação Heinrich Böll.
Há um consenso de que os agrotóxicos desempenham um papel significativo na perda de biodiversidade, com danos diretos e indiretos. Baseando-se em reportagens publicadas entre 2022 e 2023, o “Atlas dos Agrotóxicos” mostra que o uso desses produtos químicos provocou a morte de mais de 300 milhões de abelhas, ameaçando a polinização natural das plantas e, consequentemente, das plantações.
Como as espécies de plantas selvagens nos campos são fontes importantes de néctar e de pólen, seu declínio como resultado do manejo intensivo com herbicidas também pode gerar um enorme impacto na diversidade e abundância de insetos na paisagem agrícola dominada por terras aráveis.
“A crise climática pode aumentar o uso de agrotóxicos nas plantações, gerando um impacto ainda maior, e mais devastador, para a humanidade”, alerta Montenegro. Ele ressalta que estudos recentes já identificaram que a atividade de insetos em regiões de cultivo aumentará junto com as temperaturas, alterando as populações de pragas e a proporção de pragas para insetos benéficos. E o potencial natural das plantas para resistir a pragas diminui como resultado do estresse relacionado ao clima. “Partes da produção agrícola global são perdidas a cada ano para pragas e patógenos de plantas e os agrotóxicos entram para evitar essas perdas de rendimento, causando uma série de novos problemas”, finaliza Montenegro.
A publicação está disponível através do link.