O Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA) emitiu um alerta contra o Projeto de Lei (PL) 2.159/2021, em tramitação no Congresso Nacional, pouco antes da aprovação do texto no Senado Federal, nesta quarta-feira (21). Segundo nota técnica divulgada nesta semana, o PL representa um grave risco à segurança ambiental e social no país, ao propor uma desestruturação ampla do atual sistema de licenciamento ambiental. Para o ministério, o projeto afronta princípios constitucionais, enfraquece o Sistema Nacional de Meio Ambiente (SISNAMA), ignora a crise climática e pode gerar altos níveis de judicialização, atrasos e conflitos.

O projeto, apresentado sob a justificativa de “modernizar” o licenciamento, tem sido criticado por especialistas e entidades socioambientais por abrir caminho para retrocessos históricos na legislação ambiental brasileira. Entre os principais pontos questionados está a Licença por Adesão e Compromisso (LAC), mecanismo que permitiria a autodeclaração de empreendimentos com médio potencial poluidor — inclusive em áreas sensíveis e comunidades vulneráveis — sem a necessidade de estudos de impacto ambiental ou condicionantes técnicas.

“A LAC, da forma como está proposta, abre espaço para regularização automática de empreendimentos que sequer passaram por qualquer análise técnica. Trata-se de um grave enfraquecimento do licenciamento ambiental”, afirma o MMA. A modalidade também permitiria que obras como a duplicação de rodovias e dragagens fossem aprovadas por meio de autodeclaração, sem fiscalização direta, o que pode agravar conflitos socioambientais e prejudicar populações atingidas.

Outro ponto sensível do projeto é a exclusão da obrigatoriedade de considerar impactos indiretos e sinérgicos nos estudos de impacto ambiental. Essa omissão comprometeria a análise de efeitos cumulativos de grandes empreendimentos, como desmatamento, pressão sobre terras indígenas, contaminação de rios e grilagem. “Sem essa análise, o Estado perde a capacidade de prever, prevenir e mitigar danos ambientais complexos”, alerta a nota.

Enfraquecimento de instituições ambientais

O PL 2.159/2021 também é acusado de desarticular o papel técnico e normativo de órgãos colegiados como o Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA) e os conselhos estaduais e municipais, abrindo margem para uma “concorrência ambiental predatória” entre entes federativos. Na tentativa de atrair investimentos, estados e municípios poderiam flexibilizar regras ambientais, resultando em perda de uniformidade, fragilidade na fiscalização e riscos crescentes de degradação.

O Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) também seria diretamente impactado. Pelo texto do PL, empreendimentos em unidades de conservação não precisariam mais da manifestação obrigatória do órgão gestor. Isso colocaria em risco áreas protegidas, como Parques Nacionais e Estações Ecológicas, que poderiam sofrer intervenções sem o devido controle técnico e ambiental.

Além disso, o projeto propõe que órgãos federais só se manifestem sobre obras em Terras Indígenas homologadas e territórios quilombolas titulados. O Ministério considera essa mudança um atentado aos direitos dessas populações, violando a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), da qual o Brasil é signatário. “O não reconhecimento de comunidades em processo de demarcação fere tratados internacionais e pode gerar novos conflitos e judicializações”, adverte o MMA.

Desmatamento e queimada próxima à Floresta Nacional Bom Futuro, em Porto Velho, Rondônia, em outubro de 2023. © Marizilda Cruppe / Greenpeace

Agricultura e pecuária fora do licenciamento

Outro aspecto criticado pelo ministério é a proposta de dispensar atividades agropecuárias do licenciamento ambiental, desde que inscritas no Cadastro Ambiental Rural (CAR) ou no Programa de Regularização Ambiental (PRA). Segundo o MMA, esses instrumentos não contemplam aspectos como uso excessivo de água, poluição por agrotóxicos, degradação do solo e pressão sobre áreas de preservação permanente, abrindo brechas para danos severos sem análise técnica.

A nota também denuncia o risco de enfraquecimento das condicionantes ambientais — medidas que buscam prevenir, mitigar ou compensar impactos. O PL permitiria que empreendedores questionassem tais exigências alegando ausência de “nexo causal comprovado” ou falta de “poder de polícia” sobre terceiros. A medida pode inviabilizar o cumprimento de obrigações ambientais em casos complexos, como o rompimento da barragem de Fundão, em Mariana (MG), citado como exemplo pelo MMA.

Ausência da crise climática

Além de todas as fragilidades apontadas, o texto do PL ignora por completo a crise climática, não mencionando em nenhum momento a necessidade de considerar os impactos das mudanças do clima no licenciamento ambiental. Para o ministério, essa omissão compromete a capacidade do Brasil de enfrentar um dos maiores desafios do século e de cumprir seus compromissos internacionais.

Caminho para retrocessos

O MMA conclui que o PL 2.159/2021 contraria os princípios da Constituição Federal e da jurisprudência consolidada do Supremo Tribunal Federal, que já reconheceu a inconstitucionalidade da LAC para atividades de médio impacto. Para o ministério, é fundamental que o Legislativo encontre um equilíbrio entre a agilidade desejada pelos setores produtivos e a proteção efetiva do meio ambiente.

“O Brasil precisa de um marco legal moderno e eficaz, que promova o desenvolvimento sustentável com base em critérios técnicos, participação social, transparência e responsabilidade institucional — não de um retrocesso que fragilize conquistas históricas em nome da celeridade”, conclui a nota.