Em 1 ano, de 30 de junho de 2022 a 30 de junho de 2023, a Repórteres Sem Fronteiras (RSF) registrou 66 casos de ataques à imprensa nos nove estados que compõem a Amazônia Legal.

A insegurança na região, combinada com pressões políticas e econômicas, cria condições que levam os jornalistas à autocensura.

Esses dados constam no relatório Amazônia: Jornalismo em Chamas, divulgado pelo Repórter sem Fronteiras e consideram como violência agressões físicas, assédio e ameaças.

Novos tempos, velhos problemas

Ainda de acordo com o relatório, um grande desafio para a imprensa local são as oligarquias: na Amazônia Legal, uma em cada cinco retransmissoras de televisão é controlada por políticos e seus parentes. 

Um cenário que chama a atenção é o do estado do Pará, onde a família do governador Helder Barbalho controla duas emissoras de televisão, quatro emissoras de rádio e um jornal impresso. 

Entre junho de 2022 e junho de 2023, mais da metade das violações à liberdade de imprensa na Amazônia Legal estavam ligadas a questões políticas.

Das 66 violações à liberdade de imprensa registradas pela RSF em um ano, 10 estavam diretamente ligadas a reportagens sobre agronegócio, mineração e povos indígenas. 

“Não temos liberdade para falar o que queremos, principalmente quando se trata de denunciar algo que está errado, porque é perigoso. Também procuramos não entrar em conflito com os municípios onde um parente [indígena] trabalha, para evitar que ele sofra retaliações”, explica a comunicadora indígena e produtora de podcast Cláudia Ferraz, do povo wanano.

Imagem: Repórter sem fronteiras

Enquanto os estados do Pará e do Amazonas registram o maior número de violações à liberdade de imprensa em termos absolutos, Roraima tem o maior em relação ao tamanho da população.

A situação é igualmente preocupante no estado de Rondônia.

“Estamos cercados por grileiros, fazendeiros armados, pelas milícias rurais. Temos que ter cuidado com as fontes e com aquilo que escrevemos. Os jornalistas que vivem aqui sabem que são alvos”, analisa o jornalista freelancer Francisco Costa, que trabalha em Porto Velho, metrópole com mais de 460 mil habitantes e capital do estado.

Informação sangrenta

O brutal assassinato do jornalista britânico Dom Phillips e do indigenista brasileiro Bruno Araújo Pereira, em junho de 2022, é um dos episódios mais chocantes já registrados na região e revela a dimensão da violência em áreas de difícil acesso na Amazônia.

Antes de Dom Phillips, dois jornalistas foram assassinados por exercer o jornalismo na Amazônia Legal. 

Diretor de um site de notícias on-line, o Jornal de Rondônia, sediado no estado de Rondônia, Ueliton Bayer Brizon publicava notícias sobre a vida no município de Cacoal e denunciava com frequência irregularidades e casos de corrupção envolvendo políticos locais.

Ele foi morto a tiros em 16 de janeiro de 2018, por indivíduos não identificados.

O outro jornalista assassinado foi Jairo Sousa, apresentador da Rádio Pérola FM, morto em 26 de junho do mesmo ano, em Bragança (PA), após receber uma série de ameaças por denunciar a corrupção na administração pública de municípios do Pará.

Despertando a ira do outro lado: quando informar se torna perigoso

Imagem: Repórter sem fronteiras

Nos últimos dois anos, Marcos Wesley Pedroso também sofreu várias formas de intimidação. Em 2019, foi um dos cofundadores do veículo de comunicação independente Tapajós de Fato. 

Além de administrar o site de notícias, a equipe de 19 pessoas do Tapajós de Fato, com redação  sediada em Santarém, no oeste do estado do Pará, produz boletins informativos e três podcasts semanais destinados a trabalhadores rurais e agricultores familiares da região.

Para o RSF, ele contou que já foi perseguido pelas ruas de Santarém e teve os pneus de seu carro furados como forma de sabotagem, e em uma ocasião encontrou uma cabeça de boi no quintal de casa, com um bilhete intimidatório. 

Integrantes do Tapajós de Fato tiveram seus equipamentos roubados em 2022, no contexto eleitoral, e uma de suas comunicadoras foi atacada com uma faca a poucos metros da redação.

Marcos considera que foram as denúncias sobre empresários que pretendiam se apossar de terras da região que “despertaram a ira do outro lado”. Preocupado com sua segurança, o comunicador teve que deixar Santarém no início de 2023.

Proteger para fortalecer

Foto: Joao LAET / AFP

O relatório finaliza com cinco recomendações para um ambiente mais favorável ao jornalismo na Amazônia brasileira: defender uma informação confiável, independente e plural; desenvolver políticas de prevenção e proteção de jornalistas que trabalham com temas sensíveis na região; promover um ecossistema midiático plural e financeiramente sustentável; fortalecer programas de educação midiática e de combate à desinformação; ampliar o trabalho de monitoramento de ataques contra jornalistas na Amazônia.

Para o RSF, o Estado brasileiro, as organizações internacionais, as agências de cooperação e de desenvolvimento, as fundações filantrópicas e todas as instituições engajadas no enfrentamento da crise climática na Amazônia também devem estar implicadas em melhorar a situação.

Afinal, enquanto a Amazônia vira palco de diversas discussões a nível mundial, os comunicadores que vivem na região sofrem diariamente represálias para que as informações do que se passa na região possam ganhar o mundo. 

Para acessar o relatório completo acesse: https://rsf.org/sites/default/files/medias/file/2023/09/Amaz%C3%B4nia%20-%20Jornalismo%20em%20chamas_v.final_.pdf