Priscilla, a mulher do Rei
O que acontece quando você é a pessoa que está sempre em segundo plano
Aposto que a maior parte das mulheres já fantasiaram em namorar um grande astro. E cada uma pode ter um ideal sobre isso. Você pode ser uma mob wife, uma daquelas mulheres tão perigosas quanto seu marido, mas deixando essa influência entre quatro paredes. Você pode ser uma esposa troféu e só se preocupar em estar bonita ao lado dele. Você pode ser o power couple e ser tão fodona quanto – ou mais na maioria das vezes. Você pode ser anônima e continuar a sua vida e surpreender seus amigos quando traz o namorado para o churrasco de domingo.
Não importa qual a sua fantasia. Priscilla viveu isso de verdade ao lado de Elvis Presley.
Ela foi a adolescente escolhida que viveu o sonho de viajar para passar temporadas com seu namorado astro do rock enquanto terminava o ensino médio. Quase um livro da Thalita Rebouças, não fosse tudo que viria pela frente.
A vida dela que vemos na tela acabou me lembrando um pouco a dinâmica de ser army wife (esposa de militar) ou sport wife (esposa de um esportista) ou mesmo first lady (primeira dama). Em todos esses casos, as mulheres assumem um grande papel de prestígio ao serem oficialmente a parceira romântica e sexual de homens cobiçados, mas com isso ganham uma série de tarefas e desafios que apenas alguém que está ao lado de alguém com grandes “poderes” tem.
A não ser que você seja Taylor Swift, estar nesse papel te reduz a ser a parceira desta pessoa, uma extensão da marca dele. Existem muitas regras não faladas: Não brigar com seu parceiro antes de grandes shows/jogos. Assumir que todos os rumores sobre traição são de fato apenas rumores. Esteja pronta para se mudar a qualquer momento e deixar todas suas conexões para trás. Lide com o vazio da ausência dele e ao mesmo tempo com sua presença esmagadora quando ele está ao seu lado.
O filme apresenta muito bem essa faceta, com seguidas cenas onde Priscila está simplesmente esperando por Elvis. O problema é que também parece que Priscila está à espera de criar uma personalidade própria. Confesso que a minha memória sobre mulheres à sombra de outras pessoas estava ainda tomada por Helena Bonham Carter como princesa Margaret. Ela se recusava a viver uma vida tediosa só porque sua irmã era rainha. Mais que um marido, Margaret tinha uma nação inteira cobrando bom comportamento e isso não a fazia dobrar.
Justamente por isso, ver Priscilla apenas parada ali é um dos momentos que mais tenho dificuldade em ter empatia. Ela apostou desde os 14 anos que um superstar seria um bom marido, mesmo depois de várias provas de que sua atenção sempre seria dividida. Até quando iam comprar roupas juntos, outros 10 homens estavam na sala, aprovando ou desaprovando as escolhas, das quais ela não tinha voz.
E aí está um grande problema. A forma como a história é contada, quase me faz esquecer que Priscila era muito nova pra ser alguém. Assim como Roxane Gay, estava eu me perguntando se sou uma Má Feminista por honestamente não ver nada de tão ruim em ter uma vida boa nos Estados Unidos. Fique pensando sobre como ela poderia aprender línguas, conhecer museus, assistir filmes e ter uma vida relativamente normal, já que ser excluída na escola não é uma experiência exclusiva às jovens namoradas de estrelas. Cada vez que eu via o biquinho que ela fazia quando sentia falta de Elvis não soava apenas como white teen dating a rock star problems. Mas tudo isso é só uma distração instalada pelo machismo plugado em todas nós. Priscila não era a mulher feita que Margareth era quando tomou aquelas decisões. Priscila era menor de idade e legalmente não poderia estar exposta a nada do que ela passou.
Depois disso é fica mais fácil lembrar o que eu, ela e basicamente todas as mulheres temos em comum – um boy lixo passando em nossas vidas. Seja seu pai, chefe, irmão, namorado, marido, cantor, músico ou ator estadunidense, algum homem vai te fazer mulher. E por isso quero dizer que vai te lembrar que nossa própria presença no mundo os incomoda e deve ser controlada. Ok, Priscila não era a garota mais brilhante do grupo, ouso dizer inclusive que foi sua passividade que fez Elvis se atrair por uma pré-adolescente do alto dos seus plenos 24 anos, mas ele a força constantemente a esse papel.
Vivemos o resultado de uma cultura que alia violência ao amor. Todo mundo quer ser a mulher do bandido na trend de TikTok, todo mundo acha que precisa de um gangster do seu lado, todo mundo critica quem soca fofo e espera um soco na costela… Até ser proibida de visitar o espaço de trabalho dele, ouvir que para estarem juntos não pode se apegar a detalhes pequenos como infidelidade, vê-lo negar uma traição e depois assumi-la como se fosse nada, ser chamada de louca, de feia, ser proibida de usar uma roupa, ser ordenada a pintar o cabelo e usar maquiagem do jeito que ele gosta, ser expulsa da sua própria casa e ter uma cadeira arremessada na sua direção, tudo isso enquanto ele nega sexo porque ele quem vai decidir quando é a hora certa para você. A própria Priscilla, a verdadeira e não a encenada, disse que nós conhecemos o produto da Priscila que Elvis moldou, não a própria.
Falando nisso, parabéns para Jacob Elordi, Hollywood pareceu entender que ele é a personificação do homem tóxico e ele de fato desempenha isso muito bem. Eu já tinha ranço do Nate (Euphoria) e agora honestamente não sei quando ele vai conseguir fazer um mocinho na vida. Quanto à atriz principal, Cailee Spaeny, não tenho muito o que dizer – a forma como Priscilla foi apresenta por vezes me fez senti-la como uma personagem desinteressante no geral, e não pareço ser a única, já que, até nos créditos do trailer. a próxima produtora do filme A24 ironicamente coloca seu nome depois do de Jacob.
Independente dos meus sentimentos pela personagem principal, a escritora e diretora vencedora do Oscar, Sofia Coppola entrega um filme de uma delicadeza que apenas uma mulher conseguiria. Sofia sabe o quão agoniante é esperar ser notada por um homem, ao mesmo tempo em que entende o ímpeto de ingerir drogas junto a ele porque isso era uma atividade de casal, ou mesmo de gritar contra ele e chorar por ele. Não que ela tenha vivido todas essas coisas, estas memórias estão na carga genética das mulheres através dos anos.
Priscilla é o símbolo da mulher à espera do homem. Priscilla é o símbolo da mulher que os homens querem que nós sejamos. Priscilla é o símbolo das mulheres que nunca mais seremos. Priscilla é o símbolo do qual Priscilla não quer ser mais.