Por que a ausência de uma ministra de pele escura culminaria no racismo estrutural e na presença de senhores e senhoras de engenho no Brasil

Por Ben Hur Nogueira

No mapa da fome, onde ricos ficam mais ricos e a miséria parece cada vez maior: discrepância.

Trabalho escravo moderno no último país a alforriar seus escravos: reminiscência.

Morte de líderes de religiões de matriz africana no país com a quantidade mais massiva de pessoas de pele escura fora da África: ironia.

Falta de ministros e ministras pretos e pretas no STF: a culminação da Casa-Grande e a normalização do racismo institucional no Brasil.

Não basta ser antirracista e imaginar um país-continente como o Brasil sem pretos em papéis de destaque, assistindo ideias de enfrentamento do racismo cotidiano mas não vislumbrando sua total erradicação. A presença de elementos predecessores do racismo institucional favorecem sua correlação com a realidade brasileira. Existem dois oriundos racismo brasileiros, que devemos, com cautela, analisar e posteriormente entender como chegamos em um debate que deveria ter sido erradicado no fim do século 19, quando correntes foram quebradas, quilombos restituídos e Casa-Grandes queimadas.

Um debate que ainda testa a capacidade cognitiva de uma pessoa preta, coisa pífia que originalmente tem suas raízes no racismo científico dos meados do século 19, onde era proposto que negros e negras não seriam capazes de ocupar lugares de destaque profissionalmente. Existem dois seres oriundos da escravidão no Brasil: os que vêm do privilégio e seus antagônicos e os que nascem da pauta.

Os oriundos do privilégio não são privilegiados por natureza, ou pelo menos originalmente. São oriundos de uma vantagem longínqua. Uma vantagem que não concerne monetários ou até mesmo empregabilidade.

Paradoxalmente, concernem na normalização de um status quo acima de tudo elitista, onde senhores e senhoras de engenho são colocados automaticamente em lugares de destaque. Mérito pessoal? Se isso de fato fosse parâmetro haveriam tido inúmeros ministros de pele preta no STF. Os oriundos do privilégio não dependem do mérito pessoal, mas dependem acima de tudo de um privilégio social, profissional e inconsciente que possuem e que também sabem como utilizar.

Os filhos do privilégio branco veem a normalização de ambientes, onde seus receptores têm a pele mais clara. Eles estão em locais que quando se vê uma pessoa preta, o ambiente logo os brancos o tratam como exótico, de uma forma em que esse exotismo deve ser tratado acima de uma ação piedosa. Para os oriundos do privilégio, a permissão e o acesso de pessoas pretas em determinados locais implica em uma ação reparatória do pretérito escravocrata, não que não seja, mas esta ação é sobretudo oportunista e visa acima de tudo priorizar o acesso para um e limitar para os outros.

Logo, temos um outro paradoxo racial, quem debate as pautas raciais no Brasil são pessoas de pele escura? Ou isso é apenas uma outra desculpa fútil que desfavorece o palco principal que pessoas pretas deveriam ocupar?

A normalização de pessoas brancas em lugar de destaque é tão avassaladora que não permite pessoas pretas debaterem sua causa sem uma categorização do indivíduo da pele escura que levante fatores raciais como um tópico pessoal. Para que viveu sempre aos holofotes, ser sombra da pele escura causa incômodos irreversíveis.

Depois dos oriundos do privilégio, temos outros indivíduos que possuem uma categorização própria. Seria intrigado categorizar tais indivíduos como meros oriundos de algo, sendo que nada lhes foi dado mesmo anos e anos de atividade laboriosa. São, contudo, a consequência de estudos da Casa-Grande, que permeou durante anos sua real definição. Foram durante anos categorizados apenas como sub-humanos ou incapazes de certas capacidades cognitivas. São a consequência de 350 anos de escravidão, são estes os oriundos de uma pauta que nem sequer têm acesso.

Os oriundos da pauta não participam de debates sobre o preconceito racial, mas são quase sempre o material de estudo, nunca os sujeitos responsáveis por seu desenvolvimento, e sim os sujeitos que só opinam com a permissão inconsciente dos oriundos do privilégio branco.

O fato do Brasil ser do tamanho que é, e da idade que tem, e nunca ter tido uma ministra negra mostra que por mais que a sociedade preta seja o objeto de estudo sobre a composição de fatores que estimulam o racismo, nunca são os reais agentes que compõem sua real expurgação. Decerto, é mais útil pra Casa-Grande auto-classificar o que é a luta antirracista e o que é apenas um objeto supostamente pormenor que deve ser erradicado, renunciado e posteriormente banido.

A consequência da escravidão é não termos nem porventura uma hegemonia negra, mas um número considerável de profissionais negros e negras trabalhando em determinados ambientes. A conclusão é um escusado paradoxo racial: Sabem que o racismo é existente, mas impedem suas vítimas de explanar o que sentem originalmente.

Portanto, são estes, nada mais nada menos que perpetuadores do racismo cotidiano disfarçado de uma luta que deveria ser pertencente aos aviltados historicamente, mas os oriundos do privilégio a tornam, sadicamente, algo que nem os pertence, em algo que eles debatem como se fossem reais aviltados. Realizam o que seus antepassados colonizadores fizeram: roubaram tudo que era de povos que eram considerados porventura pífios, disseram que isso era deles, como se decerto os pertencessem originalmente. Os oriundos da pauta, mesmo participando dela, são apenas o resultado dela, nunca os oriundos do estudo da pauta ou oriundos da erradicação da pauta, mas sadicamente, apenas, os oriundos da pauta racial, que nem mesmo conseguem debater.

Por uma Ministra preta no STF

Não sou descendente de escravos, mas de seres que foram escravizados. Falar isso parece um âmago saudosista, mas não é. É sobretudo a minha ânsia de recuperar o trono que antanho fora perdido e roubado.

O futuro é uma hegemonia preta em um país de terceiro mundo latino-americano. O futuro são quilombos como museus nos arredores limítrofes das cidades. O futuro é um homem preto a correr nas ruas sem camisa livremente sem sofrer balas perdidas. O futuro são reis e rainhas de pele escura nas periferias brasileiras longe do crack, epidemias e da violência policial. O futuro é o mapa africano ao invés do mapa europeu nas escolas e o ensino de orixás ao invés dos ensinos de culturas nórdicas.

O futuro pertence aqueles que achavam os quilombos sendo guiados pelas estrelas, cuja memória concernia seus antepassados que antanho foram reis e rainhas em um lugar que de lá foram tirados. Que então, tomemos o lugar que nosso era e provisionalmente fora saqueado.

O futuro é nosso, de babalorixás e ialorixás nas ruas e do sabor fresco de romãs e vinhos nas escadarias principais após uma prolífica oferenda. O futuro concerne um país de terceiro mundo não sendo mais de terceiro mundo, mas se destacando internacionalmente pois depois de farsas hegemônicas, finalmente cedeu à um pedido singelo da população: a nomeação de uma ministra preta no STF. O futuro é uma ministra preta no STF. O futuro é um Brasil-quilombo.

Para meus pais, Márcio e Juthay.
Para Bruno, o primeiro médico preto que conheci.

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