Presidente do Ibama pressionou superintendente para derrubar embargo a mineradora
O Intercept trouxe à tona mais um possível caso de tráfico de influência do presidente do órgão, Eduardo Bim
Com acesso a mensagens em texto e áudio de WhatsApp trocadas por alto escalão do Ibama, o Intercept trouxe à tona mais um possível caso de tráfico de influência do presidente do órgão, Eduardo Bim. Vale recordar, em 2021, ao lado de Ricardo Salles foi acusado pela PF de liberar esquema que facilitava a exportação de madeira ilegal. E por esse motivo chegou a ser afastado do cargo. Bim também ficou conhecido por esvaziar setores de fiscalização do órgão e promover política de perseguição contra servidores.
A nova denúncia mostra que dessa vez agiu em defesa de uma grande mineradora, a Gana Gold. Os registros a que o Intercept teve acesso revelam que Bim pressionou o então superintendente do órgão no Pará, Washington Luís Rodrigues, a derrubar embargos contra a mineradora.
Esta, extraiu mais de R$ 1 bilhão em ouro de uma unidade de conservação federal na Amazônia com licença ambiental irregular, até que fosse impedida de operar. Rodrigues, que é um oficial da Polícia Militar de São Paulo alçado ao posto de superintendente por Ricardo Salles, foi exonerado em 24 de março.
À reportagem informou que prestou depoimento voluntário na Polícia Federal em Belém, em 17 de novembro, e que na ocasião relatou a delegados da PF “informações sobre a conduta do presidente do Ibama, Eduardo Bim, após o embargo da Gana Gold”. A mineradora foi embargada pelo Ibama em 9 de setembro do ano passado durante a operação Gold Rush, da Polícia Federal.
Mensagens de áudio divulgadas pelo Intercept revelam a pressão de Bim: “Por quê está no Cofis um embargo de mineração? Foi operação nossa? O que aconteceu? (…) Dá um jeito nesse processo aí, cara”.
Ao Intercept o Ibama não negou os fatos denunciados, apenas citou que a presidência do órgão “pediu celeridade à superintendência estadual”. Mas pelo visto, não foi para garantir a aplicação correta de regras ambientais, atuando pela defesa do meio ambiente, mas sim, para garantir lucro à grande mineradora.
Licença ambiental irregular
“Ô Washington, dá um jeito nesse processo aí, cara, porque parece que tem uma licença estadual que foi expedida no dia do embargo. Eles [fiscais do Ibama] contestaram a licença municipal, mas mesmo que a licença municipal não valha, hoje tem a estadual, então fala pro pessoal analisar isso aí rápido”, disse o presidente do Ibama no áudio.
Conforme pode ser visto na movimentação do Sistema Eletrônico de Informações do Ibama, o SEI, em momento algum o procedimento da Gana Gold passou oficialmente pelo gabinete da presidência. Isso significa que todas as ações do presidente e do seu chefe de gabinete foram extraoficiais.
“À primeira vista, não há nada de incomum em um superior hierárquico solicitar algo a um servidor a ele subordinado. Todavia, os atos administrativos, por força constitucional, não podem prescindir de transparência e impessoalidade. Assim, diante do que se apresenta nesse caso concreto, seria importante investigar a observância desses princípios para avaliar se houve, ou não, alguma forma de privilégio e, até mesmo, tráfico de influência”, me disse Carolina Santana, doutoranda em Direito Constitucional pela UnB, a Universidade de Brasília, e advogada especialista em causas indígenas e ambientais.
Segundo o Intercept, para operar em nível industrial, a Gana Gold precisava de uma licença emitida pela Secretaria Estadual de Meio Ambiente e Sustentabilidade do Pará, a Semas. Além disso, havia uma exigência adicional: como a mina fica na Área de Proteção Ambiental do Tapajós, a secretaria teria de consultar o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade, o ICMBio, órgão responsável por gerenciar e fiscalizar as unidades de conservação do Brasil.
Influência parlamentar
Como indica a reportagem, a Gana Gold passou quase dois anos operando e lucrando sem licença da Semas ou anuência do ICMBio. E, justamente no dia em que a PF e o Ibama bateram à porta da mineradora, a coordenadoria regional de Itaituba da Semas emitiu uma licença ambiental para a empresa. O documento foi registrado às 15h33 da tarde, menos de duas horas após o embargo do Ibama. É a essa licença que Eduardo Bim se refere no áudio que enviou para o superintendente Rodrigues.
A reação de Bim teria vindo exatamente no mesmo dia que Bim recebeu em audiência, o deputado federal paraense Joaquim Passarinho, do PSD, político próximo de garimpeiros da região de Itaituba. À PF o ex-superintendente do Ibama no Pará declarou à PF que Bim teria mencionado em conversa telefônica que “um deputado federal amigo” intercedeu a favor da Gana Gold.
A conversa telefônica não foi gravada, mas, ao depor na PF, Rodrigues também entregou o seu histórico de chamadas aos delegados.
Ao Intercept a assessoria do parlamentar disse que o encontro teria sido sobre exportações de madeira no Pará e que Passarinho nunca teria falado com Bim sobre questões da Gana Gold.
Rodrigues relatou uma nova investida por ligação telefônica de Eduardo Bim em favor da Gana Gold dias depois. Desta vez, o presidente do Ibama teria dito que “metade do Planalto está no meu pé, eu preciso dar uma resposta”.
A resposta encaminhada pela assessoria do Ibama revela um novo personagem nesta história: o deputado federal paulista Marcio Tadeu Anhaia de Lemos, um policial militar que se apresenta como Coronel Tadeu, do partido União Brasil. Bolsonarista de primeira ordem e sem qualquer histórico parlamentar de defesa da mineração, ele fez uma solicitação por telefone à presidência do Ibama sobre o caso Gana Gold.
Além da pressão em gabinetes de Brasília, os advogados da Gana Gold buscaram a Justiça Federal para tentar reverter os embargos aplicados pelo Ibama e pelo ICMBio. O órgão responsável pela gestão de unidades de conservação embargou a mina em 23 de setembro, uma semana após o Intercept revelar as falhas grosseiras no licenciamento da mineradora. Os dois órgãos ambientais federais já emitiram mais de R$ 15 milhões em multas contra a Gana Gold por causa da mina irregular de Itaituba.
Nada disso impediu a empresa de ter vitórias judiciais sobre os dois embargos no mês seguinte. Em outubro, a juíza Lorena Sousa Costa citou em sua decisão liminar a licença de operação 12.999/2021, concedida pela Semas e suspensa por falha processual no dia 21 do mesmo mês. Ou seja, quando a juíza suspendeu o embargo da Gana Gold, a licença que ela usou como justificativa para a decisão estava inválida há 17 dias.
Para a volta da operação, porém, ainda faltava derrubar um segundo embargo, o do ICMBio. A Gana Gold nem precisou esperar muito. Em 28 de outubro, o juiz federal Domingos Daniel Moutinho decidiu liminarmente que a empresa poderia operar sem licença por um prazo de seis meses.
Assim, a Gana Gold estaria livre para voltar a minerar. Porém, em 6 de dezembro, após recurso do Ibama, o desembargador federal Antônio de Souza Prudente, do TRF1, reativou um dos embargos.
Ainda assim, entre dezembro e fevereiro, a empresa já informou a produção de quase 100 kg de ouro puro na mina, mais de R$ 30 milhões na cotação atual do metal.
Imagens de satélite de janeiro deste ano mostram que a empresa está em atividade, com escavadeiras e caminhões ao longo da mina. Além disso, as imagens revelam que a Gana Gold asfaltou em outubro a pista de pouso construída sem permissão da Agência Nacional de Aviação. A estrutura foi utilizada de forma clandestina por quase dois anos, até ser registrada na agência em janeiro deste ano.
Questionada sobre a operação da Gana Gold pela reportagem, a assessoria do Ibama citou apenas agravo de instrumento favorável ao órgão.
Entre outubro e novembro, fiscais da Semas vistoriaram a Gana Gold e constataram diversas irregularidades, que resultaram em 17 autos de infração contra a empresa. No entanto, nenhum embargo foi aplicado. O órgão estadual não respondeu nosso questionamento sobre o motivo de a empresa continuar extraindo ouro sem ter licenciamento ambiental.
Segundo o advogado da empresa, Artur Mendonça Vargas Junior, a Gana Gold não foi notificada da suspensão do embargo dado pela Semas ou da decisão do TRF1. Por “não estar ciente dessas ações”, diz Vargas Junior, a empresa segue operando. Para garantir que ela siga lucrando, padrinhos não faltam.