A Casa da Pesquisa, vinculada ao Centro de Referência e Treinamento DST/AIDS do Estado de São Paulo (CRT-SP), iniciará a participação no estudo internacional para prevenção do HIV.  

O estudo irá testar se o novo medicamento para ser utilizado como PrEP, administrado em uma única dose oral mensal, é capaz de prevenir o HIV com a mesma eficiência da PrEP oral diária já oferecida pelo Sistema Único de Saúde (SUS), composta por emtricitabina e fumarato de tenofovir disoproxil (FTC/TDF).

Como o novo medicamento funciona

O novo comprimido pertence a uma nova classe de medicamentos chamada inibidores da translocação da transcriptase reversa de nucleosídeos (NRTTI). Essa classe age bloqueando uma das etapas mais importantes  do ciclo de replicação do HIV dentro do corpo.

Quando o HIV entra na célula humana, ele precisa converter seu material genético (RNA) em DNA por meio de uma enzima chamada transcriptase reversa. A nova medicação atua justamente nessa fase, impedindo que o vírus consiga fazer essa cópia genética. Assim, ele bloqueia o ciclo de replicação e evita que a infecção se estabeleça.

Esse tipo de ação inovadora pode permitir o uso de doses menores e intervalos mais longos entre as tomadas, como neste caso, em que 01 comprimido por mês (a cada 30 dias) possa ser suficiente para garantir proteção contínua contra a infecção pelo HIV.

Como o estudo é realizado

O estudo clínico é randomizado, controlado e duplo cego, o que significa que as pessoas participantes são distribuídas de forma aleatória em dois grupos, chamados Grupo A e Grupo B, garantindo que os resultados sejam analisados de maneira justa, sem interferências externas.

Todas as pessoas participantes receberão dois tipos de medicamento: o Truvada, que é a PrEP oral diária já utilizada e disponibilizada gratuitamente pelo SUS, composta por emtricitabina/fumarato de tenofovir disoproxil (FTC/TDF), e o novo comprimido a ser estudado, de uso mensal.

Entretanto, apenas um dos dois medicamentos será ativo, enquanto o outro será um placebo, isto é, um comprimido sem substância medicinal. Essa metodologia é essencial para garantir o rigor científico da pesquisa, permitindo que os pesquisadores comparem de forma precisa os resultados de eficácia e segurança entre as duas estratégias de prevenção ao HIV.

Durante a fase inicial do estudo, nem os pesquisadores e nem as pessoas participantes saberão qual medicamento ativo estão recebendo. Esse procedimento, conhecido como duplo-cego, é amplamente utilizado em pesquisas clínicas e tem como objetivo evitar que expectativas pessoais influenciem as observações dos pesquisadores e os resultados do estudo.

As consultas ocorrerão uma vez ao mês, durante aproximadamente dois anos e meio, com acompanhamento médico especializado, exames laboratoriais regulares e fornecimento gratuito de todas as medicações necessárias.

O estudo da Nova PrEP está sendo realizado em 16 países e recrutará cerca de 4.390 pessoas sexualmente ativas que podem se beneficiar da PrEP oral mensal. No Brasil, a Casa da Pesquisa do CRT-SP, localizada na Unidade Santa Cruz, é um dos centros de pesquisa participantes.

Importância clínica e científica

O Dr. José Valdez Ramalho Madruga, médico infectologista, diretor e principal investigador da Casa da Pesquisa do CRT-DST/AIDS-SP e coordenador do Comitê de AIDS da Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI), destaca o impacto clínico deste estudo:

“… Este novo estudo representa um avanço significativo nas estratégias de prevenção combinada ao HIV. A possibilidade de uma PrEP oral de uso mensal oferece mais comodidade, o que pode aumentar a adesão e facilitar o acesso à prevenção. Nosso papel é avaliar, com todo o rigor científico, a eficácia e a segurança desse novo medicamento. Se os resultados forem positivos, essa poderá ser uma nova ferramenta no enfrentamento à epidemia de HIV….”

A importância da participação comunitária

Para Vinicius Francisco, Coordenador de Comunicação da Casa da Pesquisa do CRT-SP, o envolvimento da população é essencial para o desenvolvimento de novas tecnologias em saúde:

“…As opções de prevenção que temos hoje, como a PrEP e a PEP, só existem porque a comunidade participou dos estudos clínicos anteriores. Cada pessoa voluntária que se inscreve ajuda a construir o futuro da saúde pública e da prevenção ao HIV em âmbito mundial. Participar de um estudo como este é um ato de cidadania. É um gesto de cuidado, que transforma o conhecimento em acesso e salva vidas….” 

Quem pode participar

O estudo está aberto para pessoas maiores de 16 anos, sexualmente ativas e que não vivem com HIV, pertencentes a um ou mais dos seguintes grupos:

• Mulheres trans e travestis

• Homens cisgêneros que fazem sexo com homens cisgêneros e/ou mulheres trans

• Homens trans que fazem sexo anal

• Pessoas de gênero não binário que fazem sexo anal

Para participar, é necessário não estar em um relacionamento monogâmico mútuo e ter tido relações sexuais anais receptivas sem preservativo nos últimos 12 meses, além de atender a pelo menos um dos critérios abaixo:

• Ter praticado sexo anal receptivo com dois ou mais parceiros nos 3 meses anteriores à triagem, independentemente do uso de preservativo;

• Ter recebido diagnóstico de gonorreia, clamídia retal ou uretral, ou sífilis nos 6 meses anteriores à triagem;

• Ter feito uso de medicamentos estimulantes durante relações sexuais nos 3 meses anteriores à triagem.

A participação é voluntária, gratuita e sigilosa, seguindo todas as normas éticas nacionais e internacionais. As pessoas participantes recebem acompanhamento médico especializado, exames laboratoriais regulares e medicação gratuita durante todo o período do estudo.