Povos indígenas bloqueiam balsas do agronegócio no rio Tapajós
Oito barcaças com soja, madeira e carga viva foram interceptadas por indígenas no Baixo Rio Tapajós, no Pará. Esses carregamentos passam por aldeias da região com cada vez mais frequência e as comunidades locais nem sequer foram consultadas antes da estreia da nova rota, em 2014.
No dia 21 de outubro, oito barcaças com soja, madeira e carga viva foram interceptadas por cerca de 30 indígenas no Baixo Rio Tapajós, no Pará. Esses carregamentos passam por aldeias da região com cada vez mais frequência e as comunidades locais nem sequer foram consultadas antes da estreia da nova rota, em 2014, conforme garante a Convenção 169 da OIT.
Atualmente, o transporte de cargas pelos rios da Amazônia são a principal aposta do agronegócio para diminuir custos e aumentar as exportações de grãos. Em protesto, a decisão de barrar as barcaças foi tomada em assembleia no “II Encontro Ancestral no Tapajós” que reuniu cinco povos indígenas (Tupinambá, Arapiun, Borari, Kamaruara e Tapuia) entre os dias 19 e 20 deste mês, no Território Tupinambá. Ornados de jenipapo e urucum, homens, mulheres e crianças se juntaram no protesto em alto-mar pedindo a proteção da biodiversidade da Amazônia e o respeito aos direitos indígenas.
Quem puxou a ação foram os Tupinambás, que em dezembro de 2018 bloquearam um comboio de carga com a mesma intenção de peitar o avanço da rota cargueira na região: como o Baixo Tapajós não suporta navios, são as barcaças que transportam as cargas até o porto de Barbacarena (PA) rumo a terras estrangeiras. “Acusam que somos contra o crescimento, mas que desenvolvimento é esse que afeta a vida de pessoas? Que planeja ferir toda uma cultura?”, questiona a etnocomunicadora Milena Tupi, que acompanhou o ato. Ela, assim como todos os presentes, é contra a construção da Hidrovia Tapajós que prevê a ampliação dessa rota em 1.043km.
Para permitir a total navegabilidade do rio, a Hidrovia Tapajós depende da construção de uma eclusa com obras orçadas em R$ 250 milhões de reais, conforme um relatório do então Ministério do Meio Ambiente. O empreendimento conta com explosões de pedrais e desvios dos leitos dos rios, alagando ou explodindo cachoeiras que são sagradas para os indígenas da região e impactando diretamente seus modos de vida tradicional. Em 2017, uma reportagem da BBC News já alertava para o “atropelamento” dos povos do rio Tapajós pelo corredor logístico que leva soja à China.
A previsão do Instituto Mato-Grossense de Economia Agropecuária (Imea) é que a Amazônia exporte 50% dos grãos produzidos no Brasil nos próximos cinco anos. O estado do Mato Grosso é maior produtor nacional graneleiro, como soja e milho, e a Ásia e a União Europeia estão entre os principais compradores. Em nota, o coletivo Etnomídia Tupinambá também reforçou o simbolismo da interceptação: “essas barcaças representam o modelo de desenvolvimento predatório, genocida que usa o rio Tapajós como rua para escoar commodities que estão sendo lavados com o sangue dos povos indígenas da Amazônia”.