Por: Rafaela Vargens e Gabrielle Gonçalves

Se antes o Brasil era considerado o país do futebol, hoje ele pode ser reconhecido também como o país do surfe. Desde 2014, quando teve início a famosa Brazilian Storm, sete dos últimos nove títulos disputados ficaram no Brasil. Além disso, o país é o único a levar seis atletas para a competição, disputada em Teahupo’o, na Polinésia Francesa. Mesmo que, no Brasil, 55,5% da população se identifique como preta ou parda, conforme dados do Censo 2022, nenhuma das figuras da elite mundial representa essa realidade. Até na África do Sul, onde 81% das pessoas são negras, os atletas não apresentam características fenotípicas dessa população.

Esse dado não é apenas coincidência. Eles significam um sinal de alerta para a diferença de investimento e oportunidade entre atletas brancos e negros no país e no mundo, bem como para o racismo estrutural que permeia até hoje entre as grandes marcas patrocinadoras.

A última lista de beneficiados pelo Bolsa Atleta, divulgada pelo Ministério do Esporte, mostrou que apenas 1% da amostra era composta por surfistas, destacando que esse é um esporte com pouco investimento financeiro do poder público. Ao mesmo tempo, o atleta brasileiro de surfe com maior número de marcas patrocinadoras nas Olimpíadas de Paris é brasileiro.

De acordo com o Valor Econômico, o surfe nas Olimpíadas está entre as duas modalidades com maior número de patrocínio individual, somando 34 contratos no total. Quem lidera esse ranking é o bi-campeão mundial, natural do Litoral Norte de São Paulo, Filipe Toledo, com 16 marcas patrocinadoras. Gabriel Medina, da mesma região de Toledo, adiciona mais 12 marcas nessa conta. Já é possível observar uma grande diferença no interesse de patrocinadores entre homens e mulheres brancos, porém essa disparidade ganha uma relevância ainda maior ao observar a situação de atletas negros.

A escolha dos nomes patrocinados deve ser encarada de forma crítica e contextualizada, já que, além do apoio financeiro, vem das marcas o poder de influência sobre o mercado como um todo. No surfe, elas também são responsáveis pela invisibilização de atletas negros por décadas. Basta lembrarmos das revistas e filmes que seguiram o estereótipo do “surfista do Havaí”, trazendo para as capas de revistas e para a TV o protagonismo de um padrão estético branco heteronormativo.

Coleção Revista Fluir: mídia imprensa com foco em surf | Foto: Site Enjoei

Essa falta de visibilidade influenciou a desistência de muitos atletas, como Nuala Costa e Érica Prado, ex-profissionais que hoje se dedicam a criar redes seguras e motivadoras para outras pessoas negras no surfe. O projeto TPM (Todas para o Mar) e Surfistas Negras são iniciativas que propõem a mudança dessa realidade.

Nuala revelou ao NEC, em 2022, que uma grande marca de surf lhe disse que ela não conseguia patrocínios porque sua imagem não vendia. No perfil do Instagram, criado por Érica Prado, a jornalista evidencia as conquistas do Time Profissional Surfistas Negras. A iniciativa é composta por 7 mulheres sem patrocínio, como Monik Santos e Diana Cristina, ambas campeãs brasileiras (em 2021 e 2011, respectivamente), e integrantes do circuito da elite nacional de surfe.

Diana Cristina no pódio da terceira etapa do Brasil Surf Pro, em 2011. Foto: Divulgação/Comunique-se.

Outro fator excludente é o custo médio de prática desse esporte. Mesmo com a filosofia de um estilo de vida mais simples e desapegado, o surfe ainda pode ser considerado um esporte elitista, começando pelo material necessário para praticá-lo: a prancha. Através de um levantamento em diversas plataformas de compra e venda, foi possível verificar que o custo médio de uma prancha usada é cerca de 400 a 500 reais. Se for comprada nova, esse valor, no mínimo, triplica, sem contar com os acessórios, que elevam ainda mais o valor. Esse cenário dificulta a situação de um surfista sem patrocínio, comprovando que não se trata de ausência de atletas negros, mas sim de um cenário desmotivador e sem oportunidades reais de progresso.

O próprio campeão mundial e primeiro campeão olímpico de surfe, Ítalo Ferreira, tem sua origem no esporte de maneira humilde. Ele é de Baía Formosa, no Rio Grande do Norte. Filho de pescador, ítalo começou a surfar com uma tampa de isopor do pai. À medida em que foi ganhando os campeonatos e avançando no esporte, as marcas começaram a reconhecer seu talento. Hoje, o surfista possui contratos milionários com patrocinadores nacionais e internacionais. Mesmo assim, é importante ressaltar que ele é a exceção nessa realidade.

Por fim, é importante lembrar que o direito ao esporte está na Constituição Brasileira, e se quisermos pensar em estratégias para reverter esse cenário no surfe, além de uma iniciativa consciente das marcas, que deve trazer visibilidade e apoio financeiro para os atletas negros integrantes do cenário, é imprescindível que as entidades nacionais e internacionais coletem e divulguem dados de autodeclaração de cor e raça por parte dos surfistas. Dessa forma, teremos dimensão do cenário atual e onde estão as principais lacunas.