Por Fellipe Pigatto

Em premiações internacionais de cinema, a comunidade brasileira vem conquistando um espaço que jamais poderia ter sido imaginado há algumas décadas. Afinal, sempre foram competições produzidas por países ocidentais endinheirados e dominadas, principalmente, por nomes do mundo da língua inglesa.

Costumava ser usual produções brasileiras ficarem de fora do circuito de festivais norte-americanos e europeus, mas graças a grandes nomes artísticos do nosso país, os olhos estrangeiros têm se voltado ao Brasil, exponencialmente, ao longo dos anos.

Em categorias de Melhor Ator ou Atriz, incluir um nome brasileiro parecia muito longe de se tornar realidade. 

Eis que o paradigma é completamente transformado em 1999, quando Fernanda Montenegro alcança o feito, tornando-se a primeira latino-americana a ser indicada ao Oscar de Melhor Atriz por sua performance em Central do Brasil, de Walter Salles.

Montenegro vinha por uma longa caminhada de premiações, desde quando venceu o Urso de Prata pelo mesmo filme, em fevereiro de 1998, no Festival de Berlim. Depois, o National Board of Review e o Los Angeles Film Critics Association. Sua indicação ao Oscar no ano seguinte foi a cereja do bolo e, sem dúvida, inesperada, consolidando um fato verdadeiramente inédito. 

Logo após, durante os anos 2000, outras atrizes da América Latina foram indicadas na mesma categoria pela Academia americana, como Salma Hayek e Yalitza Aparicio do México, Catalina Sandino Moreno da Colômbia e Ana de Armas de Cuba. Uma porta que jamais teria sido aberta, não fosse pela indicação de Montenegro.

E o que uma indicação ao Oscar pode significar? 

No nosso caso, ela cria visibilidade e representatividade no cinema para criadores de culturas marginalizadas. Não que Montenegro seja propriamente marginalizada, mas ela representa uma cultura que é.

Entretanto, uma indicação ao Oscar de um ator latino vai muito além disso, mudando profundamente a percepção e favorecendo oportunidades para culturas do sul global. Culturas que foram suavemente minimizadas pela mídia e imprensa internacional durante décadas do cinema moderno por razões histórico-culturais enraizadas.

Um estudo da Universidade da Califórnia, Los Angeles, de 2024 revelou que hoje a diversidade nas telas emplaca, inclusive, o sucesso de um filme. O que faz a pluralidade cultural no cinema não apenas um ato progressista, mas algo que mantém a cultura cinematográfica viva.

A presença do Brasil em uma categoria na maior premiação do entretenimento hoje transforma diretamente a narrativa racial-cultural no cinema e, principalmente, desafia o status quo.

Agora, quando a filha de Montenegro, Fernanda Torres, é indicada ao Oscar na mesma categoria que a mãe 26 anos depois, críticas ao nepotismo chovem na internet. Quando se trata da desmoralização de Torres, por suas relações profissionais de berço, é preciso observar a questão mais abrangentemente e lembrar de uma luta que representa séculos de desenvolvimento.

Nepo baby ou não, Torres conquistou um espaço no mundo do cinema ainda muito jovem e numa indústria internacional predominantemente branca. Venceu Melhor Atriz em Cannes aos 20 anos de idade, em 1986.

Boas relações profissionais, por si só, não sustentariam essa conquista. O talento e dedicação dela são palpáveis quando observamos suas escolhas de personagens e diretores.

É importante lembrar: ela engloba uma vitória que beneficia o todo e não apenas a si mesma.

Texto produzido em colaboração a partir da Comunidade Cine NINJA. Seu conteúdo não expressa, necessariamente, a opinião oficial da Cine NINJA ou Mídia NINJA.