Por Rafael Delgado

Geralmente, quando pensamos no Oscar de Melhor Animação, as primeiras obras que vêm à mente são clássicos da Pixar (hoje parte da Disney), como Toy Story, ou sucessos da DreamWorks, como Shrek. Também podemos lembrar das animações japonesas do Studio Ghibli, como A Viagem de Chihiro e Meu Amigo Totoro.

Mas, ao sair desses grandes polos de animação e explorar outras culturas, encontramos produções que, para chegar ao Oscar, tiveram que ralar muito mais.

Agora, imagine um país com menos de 2 milhões de habitantes, conquistando espaço no evento de cinema mais prestigiado do mundo e competindo não em uma, mas em duas categorias.

Essa é a façanha do simpático gatinho preto de Flow, animação da Letônia que surpreendeu no Oscar 2025. O filme narra a jornada de um gato que, após ter seu habitat devastado por uma enchente, luta para sobreviver em uma embarcação ao lado de outros animais.

Mais do que uma história sobre resiliência, Flow  toca em temas profundos: a crise climática, a empatia pelo outro, a importância da cooperação e a necessidade de adaptação diante dos desafios da vida. O próprio título sugere essa reflexão. Flow remete ao estado de aceitação do presente, ao fluxo inevitável da vida. E, como não poderia deixar de ser, a água – cíclica e imprevisível – é um elemento central na trama.

O que torna Flow único entre os concorrentes é a forma como retrata os animais. Diferente das animações tradicionais, os personagens não falam, apenas se comunicam por meio de sons e comportamentos reais de suas espécies. Todos os ruídos foram captados de animais de verdade, incluindo os miados do gato protagonista, gravados diretamente do pet do engenheiro de som do filme. A única exceção foi a capivara, cujo som foi substituído pelo de um filhote de camelo.

Essa escolha cria uma conexão mais orgânica com o público. Sem falas humanas ou dubladores, a narrativa se desenrola de forma universal, permitindo que qualquer espectador, em qualquer país, compreenda a história e sua mensagem.

Outro detalhe intrigante: não há personagens humanos no filme. Ainda que existam vestígios de sua presença, como construções e objetos, os animais estão completamente sozinhos. Por quê? Será que os humanos fugiram da enchente antes dos animais? Já foram extintos? Ou há uma explicação espiritual por trás disso? O diretor deixa essas questões em aberto, incentivando múltiplas interpretações.

Visualmente, Flow impressiona. Sua estética lembra uma pintura em aquarela, enquanto os movimentos e expressões dos animais são incrivelmente realistas. O feito se torna ainda mais notável quando comparamos os orçamentos: enquanto Divertidamente 2, da Disney, custou cerca de 200 milhões de dólares, Flow foi produzido com apenas 3,5 milhões.

Dirigido por Gints Zilbalodis, o filme foi desenvolvido por uma equipe reduzida – menos de dez pessoas – e inteiramente criado no Blender, um software gratuito amplamente utilizado por arquitetos.

Com todo esse impacto, Flow se tornou uma sensação na Letônia. O filme quebrou recordes de bilheteria no país, rendeu honrarias à equipe e até ganhou uma estátua do gatinho na praça central da capital, Riga.

Agora, a animação independente chega forte na disputa pelo Oscar, tendo como principal adversário o gigante Robô Selvagem, da DreamWorks. Será que a Letônia conseguirá um feito ainda maior? Em breve saberemos.

Assista o trailer de FLOW :

Texto produzido em colaboração a partir da Comunidade Cine NINJA. Seu conteúdo não expressa, necessariamente, a opinião oficial da Cine NINJA ou Mídia NINJA.