Por dentro da pequena cidade mineira que sedia a Mostra de Cinema de Fama
Cine NINJA marcou presença na 7ª edição do evento, que aconteceu de 22 a 25 de agosto
Por Maíra Aragão
Imagine uma pequena cidade do interior de Minas Gerais se transformar por alguns dias no tapete vermelho do cinema nacional e mineiro. Esta é Fama, a cidade com pouco mais de 2.500 habitantes, cenário da Mostra de Cinema de Fama.
Localizada às margens da Represa de Furnas, no Sul de Minas Gerais, Fama oferece um cenário único. A cada edição, a pracinha central se transforma em um espaço de celebração do cinema, erguendo-se uma grande tela tendo ao fundo a bela represa, ocupam-se os casarões antigos com oficinas, debates e sempre com a presença de grandes nomes da sétima arte brasileira.
De repente, os moradores se deparam com artistas e diretores de renome do audiovisual passeando pelas ruas de sua cidade. Este ano, a mostra teve como principal homenageado o ator e diretor Fabrício Boliveira, mas também contou com a presença de Mônica Trigo, Julia Katharine, Paula Braun, Anselmo Vasconcellos, Alexandre Barillari, entre outros. Malu Vale, Igor Cotri, Miguel Przewodowsik, Nany People, Othon Bastos e Guilherme Fiuza também são alguns nomes que já marcaram presença em outras edições do evento.
A localidade parece que nasceu para o estrelato. A cidade, que leva o nome do evento, possui uma Calçada da Fama própria. Criada na primeira edição, faz homenagem aos artistas que por ali passaram, deixando suas assinaturas no concreto. Essa iniciativa, inspirada na famosa calçada de Hollywood, reforça como a pequena localidade acolheu a Mostra de Cinema.
Também é importante ressaltar o impacto econômico que o evento tem no município. Nesta edição, dois hotéis foram reabertos somente para receber convidados, totalizando três hotéis com ocupação máxima. Um restaurante adiantou sua inauguração para servir os almoços e jantares para o público, além de uma cafeteria, criada especialmente para o evento.
Mas é no tapete vermelho que está a maior notoriedade desta mostra. Um tapete plural, diverso e democratico. E assim se observa desde a produção, a temática abordada, a curadoria, o júri técnico, os convidados e o público.
Na 7ª Mostra de Cinema de Fama o tema Ancestralidade e a Cultura Afro-brasileira transbordou das telas, sendo vista não somente nos filmes, como também nas apresentações, na oficina e nos bate papos, mas principalmente nas pessoas.
Na abertura, a união da Tenda de Umbanda e Candomblé Maria Baiana de Guiné e da Orquestra Filarmônica de Varginha resultou numa apresentação única e inesquecível, que já anunciava a proposta do evento em confluir e incluir pessoas e culturas.
O bate papo sobre os cinemas negros em Minas Gerais e no Brasil, com Tatiana Carvalho Costa, presidenta da Associação dos Profissionais do Audiovisual Negro (Apan), e atores e diretores da região, provocou debates aprofundados e gerou reflexões importantes sobre a representatividade e a pluralidade do cinema brasileiro.
O homenageado desta 7ª edição, o ator e diretor Fabrício Boliveira, também falou sobre a pluralidade dos cinemas negros durante a Mostra Fama, ressaltando a necessidade da descolonização do olhar. “São cinemas grandiosos, mas que feito e pensado basicamente com pessoas negras, e tem uma diferença nisso que é importante (…) são pessoas que não tiveram muito espaço e nem possibilidade de estar com a câmera na mão ou na frente ou atrás dela ou pensando sobre ou sendo sobre a vida dessas pessoas (…) a gente tem um cinema aí que é o futuro, que é um cinema que a gente ainda não viu e que tá vivendo de lugares e de pessoas que a gente ainda não conhece”.
A exposição em homenagem aos 50 anos de carreira de Anselmo Vasconcellos foi outro destaque, reafirmando o compromisso da mostra em valorizar a história do cinema nacional. Anselmo também ministrou a oficina de criação audiovisual, que reuniu jovens e adultos de várias cidades da região. O ator e diretor convidou todos a revisitar seus medos, compartilhou suas histórias e provocou seus alunos a gravar um curta metragem de forma orgânica, sem roteiro e a todas as mãos, mostrando que todos podem ser diretores da própria história.
Premiação
A 7ª Mostra de Cinema de Fama premiou, na Mostra Fama, o curta “Movimentos Migratórios”, de Rogério Cathalá, como Melhor Filme. A Menção Honrosa foi concedida a “Casulo”, de Aline Flores, enquanto “Buraco de Minhoca”, de Marília Hughes Guerreiro e Cláudio Marques, recebeu o prêmio de Melhor Direção. O júri foi composto por Tatiana Carvalho Costa, Martin Aliaga e o ator Alexandre Barillari.
Na Mostra Mineira, o júri composto por Érika Tobias, Sanantiel Matias e Matheus Rufino selecionou “Nação Comprimido”, de Bruno Tadeu, como o Melhor Filme. “Morro do Cemitério”, de Rodrigo Rezende Meireles, recebeu uma Menção Honrosa, enquanto Caroline Cavalcanti foi premiada com a Melhor Direção por seu trabalho em “Lapso”.
Na Mostra Animação, o júri foi formado por Monica Trigo, Carissa Vieira e Júlia Katharine. O curta “Café”, de Duda Justos, Lincoln Barella e Guilhermo Bucco, foi eleito o Melhor Animação Nacional, e na categoria de Melhor Animação Internacional, o vencedor foi o iraniano “Being Ten”, de Fatemeh Jafari.
Já o Prêmio Cardume foi concedido ao curta “Foguete”, de Ernani Silveira. Selecionado pela equipe de curadoria da Cardume, uma plataforma de streaming dedicada a curtas-metragens brasileiros, o filme recebeu um prêmio em dinheiro como parte do licenciamento da obra.
Na premiação, destacam-se duas produções: “Foguete”, com Prêmio Cardume e “Nação Comprimido”, que levou o Melhor Filme da Mostra Mineira.
O Curta “Foguete”, de Ernani Silveira, Natal – RN, traz em sua sinopse: “Foguete é um jovem negro que reflete sobre os conflitos da vida através da capoeira e do cinema.” mas diz muito mais que isso. O próprio Foguete, Halisson da Silva da Costa, esteve no tapete vermelho de Fama e compartilhou com todos sua trajetória. A história de superação daquele que viu na morte o único caminho, mas que descobriu na arte o sabor de viver. Foguete, que é do Rio Grande do Norte, viajou mais três dias para chegar à Fama. Na bolsa, sua câmera que carinhosamente chama de “caneta”, pois é com ela que ele conta sua história. Um artista singular, que poderia passar despercebido e até mesmo ser anulado, mas que na Mostra de Fama foi ovacionado por todos.
Já o filme “Nação Comprimido”, de Bruno Tadeu, de Belo Horizonte-MG, apresenta um tema muito invisibilizado pela sociedade: Idosos LGBTQIAPN+. Com um elenco de peso, o filme apresenta Dante, um militante gay que se recusa a voltar para o armário e decide criar o primeiro Lar de Idosos LGBTQIAPN+ do Brasil, ignorando os conselhos de sua amiga e lutando contra os preconceitos da sociedade. Uma comédia que dá voz a uma comunidade silenciada, quebrando estigmas.