Por Leandro Fonseca

Por muitos anos, o cinema brasileiro foi assombrado por afirmações como “não gosto de filme brasileiro porque o som é sempre ruim”, “filme nacional tem muito palavrão!”, “cinema brasileiro só tem aquelas comédias bobas”, “filme brasileiro é só violência e tiroteio” e por aí vai… Rótulos que, mesmo com seu pingo de verdade, não fazem jus à diversidade da produção audiovisual nacional.Os desafios para um filme ser produzido são enormes, e para ele chegar à sala de cinema, maiores ainda. Num contexto pós-pandemia e pós-Bolsonaro, a produção nacional voltou a ter esperança e gás (alguns já falam até em nova retomada), e a popularidade de Ainda Estou Aqui, com suas históricas três indicações ao Oscar 2025, coroa essa nova fase, mostrando que aquelas afirmações que citei no início do texto, além de injustas, estão ultrapassadas. Os filmes nacionais, além de terem muito apuro técnico e artístico, podem, sim, seduzir as grandes massas.

Se até pouco tempo só víamos comédias ou favela movies terem espaço nas salas de cinema por serem “o que o povão gosta”, o sucesso do filme estrelado por Fernanda Torres mostra um novo caminho. Drama sem nenhum alívio cômico, Ainda Estou Aqui é um filme que reconta uma parte da história do nosso país, e que está no subconsciente de todos os brasileiros, através de temas universais como família, amores e amizade. Tem qualidade técnica inquestionável, atuações grandiosas, mas contidas, e zero gritarias; e a violência, mesmo representada, não é mostrada. Há espaço para todos os tipos de filmes nacionais nas salas de cinema; o espaço só precisa existir. Programados para serem lançados em 2025, a gama de gêneros de filmes brasileiros é enorme, indo do musical ao suspense (tem uma lista aqui). A pergunta que fica é: como aproveitar essa empolgação do público com o nosso cinema e estendê-la para os próximos meses e anos?

Em entrevista para a BBC News Brasil, Walter Salles disse: “Não tenho ideia do que poderá acontecer no Oscar, mas sei que o cinema brasileiro depende sobretudo de continuidade. E essa continuidade, por sua vez, depende da regulamentação do streaming…” (veja matéria completa aqui). É muito importante que, com o destaque que está tendo, o cineasta coloque luz em assuntos tão importantes: continuidade e regulamentação. A continuidade é importante para a formação de espectadores que curtam a sétima arte e a evolução de profissionais e técnicos. A regulamentação garante que o mercado, que, num país como o Brasil, é pequeno, possa ter condições mínimas de seguir produzindo e garantir a… continuidade! A regulamentação dos streamings é um ponto essencial para o mercado e que deve ser cobrado dos responsáveis por todos os profissionais, técnicos e, principalmente, artistas. Eles possuem a visibilidade nas mãos e, hoje em dia principalmente, nas redes sociais. A capacidade de “fazer barulho” está aí. (Matéria de 2023 para entender um pouco melhor a regulamentação dos streamings aqui).

Este ano já demos um grande passo: a lei da “cota de tela” entrou em vigor, e, com ela, os cinemas são obrigados a exibirem uma quantidade específica de filmes nacionais em suas salas (saiba mais aqui). Lei importantíssima para que o público continue fiel aos filmes nacionais e a injustiça de concorrer com filmes de grandes estúdios americanos, por exemplo, seja um pouco amenizada. Para além das leis, que são a base de tudo, os ingressos promocionais, “semana do cinema”, “semana do cinema brasileiro”, “dobradinha de segunda a quarta” e outras promoções que barateiam o ingresso precisam continuar surgindo. Cinema não pode ser luxo; precisa ser uma opção viável de lazer para o brasileiro. Precisa se tornar um hábito, parte do cotidiano.

É inegável que o momento é de movimentação, esperança e, espera-se, mudança. Uma possível vitória de Ainda Estou Aqui em pelo menos uma das categorias em que está concorrendo será o ápice da história do nosso cinema até aqui. A expectativa é grande e forte. O clima de Copa do Mundo tá liberado, vamos torcer sim. Mas, se perdermos, é importante lembrar que já está acontecendo. A história já está sendo feita. Já foi feita. O Último Azul ganhar o Urso de Prata no Festival de Berlim no último dia 22 é a prova disso. O longa de Gabriel Mascaro, com Rodrigo Santoro e Denise Weinberg, é um dos lançamentos no cinema neste ano de 2025. Quais vão tirar você de casa, do celular, e levá-lo até o cinema? Lembre-se: todas as afirmações que você já ouviu falar sobre o cinema brasileiro estão ultrapassadas.

Texto produzido em colaboração a partir da Comunidade Cine NINJA. Seu conteúdo não expressa, necessariamente, a opinião oficial da Cine NINJA ou Mídia NINJA.