Christopher Rocha, da Ufam, foi preso de forma ilegal durante um protesto contra a palestra de André Lajst, no campus

Foto: reprodução

Por Breendo Cazuza, para a Mídia NINJA

Em um protesto pacífico na Universidade Federal do Amazonas (Ufam), na quinta-feira (10), o estudante da pós-graduação do curso de História, Christopher Rocha, foi detido por agentes do grupo tático de elite da Polícia Federal (PF) dentro do campus. Após a detenção ilegal, a assessoria de imprensa da universidade chegou a afirmar que o estudante teria uma bomba caseira. Essa versão foi desmentida pela própria assessoria quatro horas depois de já ter circulado em massa em grupos bolsonaristas no WhatsApp e Telegram.

Em vídeos, é possível ver o momento em que um fuzil Sig Sauer, do grupamento de elite da PF,  e também utilizado pelo exército israelense, chega a tocar no estudante que protestava contra a palestra de André Lajst.

Fundador da StandWithUs Brasil, think thank conhecido por propagar desinformação acerca do conflito de Israel contra palestinos, principalmente, na Faixa de Gaza, André Lajst foi convidado por alunos da faculdade de Economia para realizar uma palestra no I Simpósio Ajuricaba de Liberdade na Amazônia.

Integrante do Diretório Central dos Estudantes, que convocou o ato de repúdio à presença de André no campus, Christopher falou com a Mídia NINJA após prestar depoimento e ser liberado na tarde de quinta.

“Eu fui arrastado. Eles [policiais de elite] machucaram meus pulsos apertando as algemas, eu nunca tinha imaginado vivenciar isso fora da ditadura militar, nosso governo é democrático e esse tipo de postura não é mais tolerável”, afirmou.

Foto: reprodução

André Lajst é ex-soldado da força aérea israelense, e em 2012 integrou o grupamento de soldados que atacaram a Faixa de Gaza, no que ficou conhecido como “Operação Pilar de Defesa de Israel”. Durante esta ação militar, 174 palestinos foram assassinados, a grande maioria civis desarmados, dentre eles 37 crianças e 14 mulheres. A Human Rights Watch apontou crimes de guerra nesta operação agressiva israelense e em regiões como Cisjordânia e na Faixa de Gaza. Israel está sendo oficialmente investigado pelo Tribunal Penal Internacional por ações deste período.

Para os movimentos, André representa um perigo ao estado democrático por ser “um ávido defensor do apartheid palestino”. O protesto foi apoiado por organizações como a Associação De Pós-Graduandos da Ufam (APG-Ufam), a União Nacional dos Estudantes (UNE) e também a União Estadual dos Estudantes do Amazonas (UEE-AM).

“Me senti coagido, a universidade é um palco das lutas dos estudantes, eu sou do movimento estudantil, a quase dez anos, sou presidente da União da Juventude Socialista no Amazonas, e nunca tinha vivenciado algo assim, sobre tudo dentro da Universidade”, disse Christopher para a Mídia NINJA.

Arma de grosso calibre no Campus

A presença dos agentes foi um pedido feito pela reitoria da universidade para reforçar a segurança, que não sabe explicar o motivo de terem sido enviados policiais do grupo de elite fortemente armados para um protesto pacífico dentro do campus. O reitor da Ufam, Sylvio Pulga, acompanhou o estudante Christopher Rocha até a sede da PF, e gravou um vídeo quase três horas depois da detenção ilegal, ao lado de Christopher. A Ufam ainda não emitiu um comunicado oficial sobre o episódio.

Especialistas em segurança ouvidos pela reportagem afirmam que a Polícia Federal tem jurisdição para atuar dentro do campus universitário,  mas que o armamento utilizado deveria ser de baixo calibre, e não letal, ao contrário do que sugerem as imagens divulgadas sobre o episódio.

Foto: reprodução

Confusão, agressão e fake news sobre bomba

Enquanto o estudante era levado na viatura para o prédio da Superintendência da Polícia Federal no Amazonas, uma estudante, filha da servidora identificada como Carla Santos, acusou uma aluna de tê-la agredido durante o protesto. O que é desmentido por pessoas que estavam no ato.

No video em que a NINJA teve acesso é possível ver o momento em que a filha da servidora é tocada por uma outra estudante em um momento de diálogo. Em seguida, a servidora é avisada pela filha que tinha sido vítima de uma agressão. No mesmo momento, a servidora começa a agredir estudantes que estavam ao redor.

Durante a confusão, a servidora acabou ficando ferida no rosto após iniciar as agressões. Em entrevista para a jornalista Ívina Garcia, da Revista Cenarium, a servidora afirma que “apenas defendeu a filha”.

Minutos depois, a assessora de comunicação da Ufam, Carla Santos, divulgou a notícia falsa de que a prisão do estudante havia sido por uma suspeita de bomba caseira, e que havia sido encontrado o artefato. A notícia foi amplamente difundida por meios de comunicação locais, e o monitoramento feito pela NINJA em grupos bolsonaristas no Amazonas apontou o compartilhamento em massa do conteúdo de teor mentiroso.

O conteúdo foi compartilhado por grandes portais de notícias como o Amazonas1, que chegou a apagar a matéria e tirar do ar o link com a desinformação, quatro horas depois de ter sido comunicado que se tratava de uma notícia falsa pela própria assessora Carla Santos.

Foto: reprodução/Amazonas1

Massacre contra palestinos

De acordo com o Alto Comissariado das Nações Unidas, o ataque de Israel contra o campo de refugiados de Jenin, na Cisjorndânia, que ocorreu em janeiro deste ano, deixou 152 pessoas mortas, incluindo crianças. Centenas de pessoas ficaram feridas, no que o grupo de relatores da Organização das Nações Unidas (ONU) classifica de “trajetória de violência” que dá seguimento à tendência alarmante de aumento de ataques.

Para os especialistas, não haveria violência se Israel acabasse imediatamente com o que chamaram de uma “ocupação ilegal que já dura meio século”, como exige a lei internacional. Desde o início de 2021, a ONU estima quase 2 mil palestinos mortos em ataques promovidos por Israel. Do lado de Israel, os dados oficiais apontam 34 mortes de militares homens, enquanto os dados sobre palestinos incluem crianças, mulheres, idosos e homens.

A Federação Árabe Palestina no Brasil (Fepal) pediu a interdição do plenário em que aconteceu a palestra de Adré Lajst.

Relatives of a Leila al-Ghandour, bebê palestino de oito meses morto durante invasão israelense. Foto: AFP / MAHMUD HAMS

“Trata-se de figura que publicamente nega o inegável, isto é, que Israel se realiza como um regime estatal de Apartheid, no qual somente (a partir de 2018, quando aprovada a Lei do Estado Nação Judeu) professantes do judaísmo são cidadão plenos. Sua ação pública tem sido a de detratar o povo palestino e negar-lhe os direitos civis, humanitários e nacionais”, afirmou a Fepal em nota.

Em carta enviada para o reitor Sylvio Pulga, a Fepal vai além, e questiona: “Se não é possível defender o ódio e a intolerância, bem como ideias supremacistas, como o nazismo e o supremacismo branco na África do Sul, ou a escravidão, por que cargas d’água essas ideias seriam válidas e possíveis de transitar na Ufam quando se referem a Palestina? É Apartheid para a África do Sul e não para a Palestina? Há genocídio aplicável aos demais povos, mas não ao povo palestino?”, diz a nota.

Para citar apenas uma organização internacional de direitos humanos que se pronunciou a respeito, a Human Rights Watch apontou crimes de guerra na operação em que André Lajst participou e é um entusiasta, especialmente no ataque à casa de Mohammed Jamal al-Dallu, descrito pela narrativa da ocupação como “terrorista conhecido”, mas que, na verdade, era apenas um oficial de polícia de baixa patente, que resultou na morte de 12 pessoas, toda a sua família.

André Lajst recebendo prêmio das Forças Armadas de Israel. Em verde, destaca-se o embaixador israelense no Brasil Yossi Shelley. Foto: Reprodução/Via AND

Os relatores especiais da ONU para a Palestina Michal Lynk, Richard Falk e John Dugard relataram, com detalhes, o assombroso sistema de apartheid que Israel impõe ao povo palestino. Refugiados palestinos são, na atualidade, 6,2 milhões, com seus descendentes, em torno de 40% da população palestina no mundo e quase 30% da população refugiada mundial, mesmo o povo palestino compondo somente 0,17% da população mundial, aponta a ONU.

Onda de solidariedade diante da prisão ilegal

A estudante pernambucana e presidente da União Nacional dos Estudantes (UNE), Manuela Mirella, também se solidarizou com o estudante por meio das suas redes, “O estudante Christopher Rocha, foi detido DENTRO da UFAM [sic] por protestar contra a palestra do sionista, André Lajst, que serviu no exército israelense e é defensor da limpeza étnica em Israel. Não aceitaremos esse ato antidemocrático! Palestina livre!” .

A estudante de jornalismo, e primeira vice-presidente da UEE Amazonas, Milena Monteiro, que presenciou todo o ocorrido também falou. “Primeiro entrei em desespero, muito difícil ver uma pessoa ser presa, por simplesmente ser preta, quando indagamos o motivo da prisão, os policiais não alegavam nada, e continuavam algemando ele como se ele tivesse cometido um crime hediondo, e todo tempo ameaçando jogar bomba na gente, fingiam que iam abrir pra gente se afastar, e ficavam rindo. O mais revoltante é que isso acontece dentro da universidade pública, o espaço mais democrático que buscamos, e quando ocorre ondas de assaltos dentro da universidade, nunca somos ouvidos ou respondidos, agora quando um aluno está em seu direito de manifestar, acontece o ato mais truculento de todos.”

A ativista pelos direitos maternos, das crianças e advogada Alessandrine Silva, entrou no caso para defender o estudante. Segundo ela, a universidade federal foi arena de uma ação truculenta.

“Ontem o que nós vimos é a universidade federal do Amazonas foi arena de uma truculência policial inaceitável. o Christopher Rocha que é mestrando da Universidade Federal do Amazonas, que é um defensor de direitos humanos, foi detido, algemado e arrastado pelos corredores do campus, e também foi alocado no corrô, que é o camburão da Polícia Federal, por mais de duas horas. O Brasil é signatário de diversos tratados que estabelecem a dignidade da pessoa humana como um princípio a ser seguido, e infelizmente tudo que nós não vimos foi o respeito à integridade física, emocional e moral do Christopher”, afirmou Alessandrine Silva, advogada que se voluntariou para defender o estudante.

“Hoje [11], nós advogados estaremos na polícia federal a uma hora [13h de Manaus], para dialogar com o superintendente, para apontar os erros dessa condução e principalmente para buscar a reparação para o Christopher, né, através de outras medidas judiciais. E para além disso é indispensável que a Universidade Federal do Amazonas cesse o compartilhamento de informações não verídicas, está circulando nos portais que ele foi violento, que ele postava bomba caseira, e isso é uma inverdade, e nós também estamos tomando medidas judiciais quanto a isso”, finalizou Alessandrine.

Em nota a Associação dos Docentes da UFAM (ADUA) repudiou a ação da Polícia Federal contra o estudante.

Nota na Íntegra:

A Diretoria da ADUA – Seção Sindical do AN-DES-SN vem publicamente repudiar a atitude truculenta da Polícia Federal na prisão do estudante do
Programa de Pós-graduação em Educação da Universidade Federal do Amazonas (PPGE-Ufam) e membro do Conselho Universitário (Consuni), Chris-topher Souza da Rocha, que, juntamente com outros e outras estudantes, exercia o direito constitucional de livre manifestação política, por ocasião da realização do ” Simpósio Ajuricaba de Liberdade na Amazônia”, no auditório Rio Amazonas da Faculdade de Estudos Sociais (FES), dentro do campus da Ufam em Manaus. Ao mesmo tempo solicitamos ao reitor da Ufam, professor Sylvio Puga, que interceda junto à Polícia Federal pela imediata liberação do estudante. Ousar lutar, ousar vencer”, afirmou.