PM promove despejo sem ordem judicial de comunidade indígena em MS
Considerada ilegal, a ação foi realizada sob comando de fazendeiro, denunciam lideranças locais.
Uma ação forçada da Polícia Militar de Mato Grosso Sul, sem ordem judicial, tentou despejar na tarde de hoje cerca de 500 indígenas do povo Kinikinau, que fizeram pela manhã a retomada do território da Fazenda Água Branca, em Aquidauana, MS. A área é reivindicada pelo Povo Kinikinau há muitos anos e hoje, iniciaram a retomada do território. Entretanto a ação foi surpreendida por dois ônibus e um helicóptero da Polícia Militar, que adentrou à área com violência para a retirada dos indígenas.
Sem ordem judicial, chegaram por trás da sede enquanto os anciões descansavam e as crianças brincavam. Eles chegaram atirando gás lacrimogêneo e uma liderança Kinikinau foi atingida na cabeça. Não houve nenhuma tentativa de diálogo por parte da PM. Segundo relato dos indígenas presentes, “chegaram pra tentar machucar e humilhar o povo.”
O território em disputa é originalmente do povo Kiniknau, segundo estudo antropológico feito pelo antropólogo GIlberto Azanha e já protocolado na Funai. A reivindicação do território é antiga e há procedimentos em tramitação no Ministério Público Federal.
Ainda segundo relatos dos indígenas, a ação policial foi comandada pelo prefeito de Aquidauana Odilon Ribeiro, fazendeiro da região e primo da atual ministra da agricultura Tereza Cristina. Em áudio atribuído ao prefeito e que circula por whatsapp, em grupos de apoio à causa indígena, o homem afirma que a ordem de retirada dos indígenas da fazenda veio de Brasília, e que a orientação é que os policiais os retire “ou por bem ou por mal”. “Já me pediram aqui dois ônibus pra levar 90 policiais militares, e já tem uns 40 lá, então vão tirar ou por bem ou à força”, informa.
A bancada do PSOL protocolou um pedido de informação ao Ministério da Justiça pedindo explicações sobre o ocorrido. No texto assinado pelo deputado Ivan Valente, líder da bancada do partido na Câmara dos Deputados, ele questiona se o Ministério tinha conhecimento da ação. “Considerando que a competência constitucional para qualquer provimento judicial é da polícia federal, gostaríamos de saber se tal presença militar é de conhecimento ou autorizada por este Ministério”, questiona o documento.
Lideranças Kinikinau seguem resistindo ao redor do território na Fazenda Água Branca e convocaram também por meio de áudio as demais lideranças e guerreiros indígenas para auxiliar os parentes na região e prestar solidariedade ao povo Kinikinau.
Histórico
Sobre o histórico da Terra Kinikiwa, Luis Eloy Terena, indígena do povo Terena (MS) e assessor jurídico da APIB – Articulação dos Povos Indígenas do Brasil, explica que povo Kinikinau foi expulso há pelo menos 100 anos, quando o governo da época adotou uma política de confinamento dos povos a partir da criação de reservas e do circunscrição dos indígenas dentro das áreas. “O restante das áreas foram entregues ao agronegócio. No caso do Kinikinau, para eles não foi reservado nenhuma área. Por isso esse processo de retomada é muito significativo. Porque eles foram expulsos dessa terra, mas eles nunca desistiram de seu território tradicional”.
Os indígenas Kinikinau ou Kinikinawa vivem atualmente espalhados por algumas aldeias da porção ocidental do Estado de Mato Grosso do Sul. A maior concentração do grupo habita a aldeia São João, ao sudeste da Reserva Indígena (RI) Kadiwéu, município de Porto Murtinho. Há notícias de membros residindo também em aldeias terena, nos municípios sul-mato-grossenses de Aquidauana (Bananal e Limão Verde), Miranda (Cachoeirinha e Lalima) e Nioaque (Água Branca e Brejão).
Pessoal acabei de receber a ligação aqui do major neds?, o tenente coronel de Akidawana já está em torneis, está negociando a retirada imediata dos índigenas da fazenda, me parece que recebeu uma ordem de Brasília para tirar ou por bem ou por mal, já me pediram aqui dois onibus pra levar 90 policiais militares, e ja tem uns 40, então vão tirar ou por bem ou à força. Isso é um boa noticia, porque o governo precisa se posicionar referente a dar ordem e paz a todos que moram nesse país. É isso que a gente precisa, colocar ordem, chega.
Esse é um território do povo Kiniknau e já tem um estudo antropológico feito pelo antropólogo GIlberto Azanha, que já foi protocolado na Funai e no Ministério Público Federal. A terra não é declarada nem homologada, mas é uma reivindicação antiga do povo Kiniknau e embasando essa retomada deles temos procedimentos no Ministério Público Federal. O mais grave de hoje é a ação da Polícia MIlitar sem nenhum amparo judicial.
Eles fizeram a retomada pela manhã e a polícia foi lá com dois ônibus e efetuou o despejo da comunidade com muita violência e sem ordem judicial.
Segundo informações dos indígenas, o próprio prefeito de Aquidauana Odilon Ribeiro estava na região provocando as lideranças.
A ação foi bem articulada pela polícia e pela tropa de choque. Eles apareceram por tras da sede enquanto os anciões descansavam e as crianças brincavam. Eles chegaram atirando gás lacrimogêneo que acertou a cabeça da liderança Kiniknau. Não teve nenhum diálogo, não teve nenhuma conversa. Chegaram pra tentar machucar e humilhar o povo realmente.
Estamos firmes, o povo continua ao redor do seu território na Fazenda Água Branca e peço para que as lideranças indígenas possam colocar a mão na cabeça. Mais uma vez convoco. Vamos lá em solidariedade ao povo Kiniknau.
De acordo com dados da Comissão da Verdade, iniciativa do governo federal criada para apurar e responsabilizar crimes cometidos durante a ditadura, cerca de 8 mil indígenas morreram em ações do regime. A maior parte dessas violações estaria concentrada nos anos de ditadura militar, quando a Funai esteve à disposição dos interesses de latifundiários, multinacional e dos governos.
Além de deslocamentos forçados, certidões falsas, construção de estradas e hidrelétricas sobre terras indígenas, subsídios para empresas multinacionais se estabelecerem em terras tradicionalmente ocupadas por povos indígenas.
Hoje possuidora do título é a Fundação Bradesco, mas lá na origem não era ela, eram os grupos de fazendeiros locais que foram repassando esses títulos de propriedade. Mas ali na região essa fazenda mesmo foi entregue no século passado quando o governo adotou a política de confinamento dos indígenas. Foram criadas reservas, os indígenas foram confinados dentro áreas e o restante das áreas foram entregues ao agronegócio. No caso do Kiniknau para eles não foi reservado nenhuma área. Então os Kiniknau não tem nem mesmo as reservas que os Terena ou os Guarani Kayowá possuem. Eles vivem de favor na terra alheia. Por isso esse processo de retomada deles é muito sugnificativo. Porque eles foram expulsos dessa terra há pelo menos 100 anos atrás, mas eles nunca desistiram de seu território tradicional”.