Lucas Alameda

Por Marcelo Mucida / @planetafoda*

No dia nacional das artes, 12 de agosto, decidi reunir alguns questionamentos que têm me rondado já há certo tempo. Por mais que seja apenas um marco no nosso calendário, achei que poderia ser um bom impulso para compartilhar algumas reflexões. A quem possa interessar, esta data foi estabelecida a partir do decreto de lei nº 82.385, de 05 de outubro de 1978, e da Lei nº 6.533, de 24 de maio de 1978, que regulamentaram a profissão de artista e de outras funções ligadas ao setor.

Posta a introdução, o que podemos pensar sobre a designação de uma possível arte LGBTQIAP+? Trabalhos artísticos com trajetórias tão diversas caberiam dentro de uma mesma rotulação? Este processo de identificação não se torna um pouco limitante?

Não pretendo aqui estabelecer respostas unilaterais, até porque entendo que o mais importante, neste caso, não é chegar necessariamente até respostas, mas sim expor situações e vivências que possam fomentar o surgimento de novas visões, e destacar discussões que já vêm sendo desenvolvidas há anos.

Já com um pouco destas provocações na cabeça, ao acessar as redes sociais na semana passada, me deparei com a foto de uma nota escrita pela cantora, compositora, escritora e ativista Vange Leonel (1963 – 2014) que trazia o título “Essa tal de arte gay”. O texto, publicado em 2003, pontuava dúvidas sobre este possível rótulo, a partir das percepções da época. A quem interessa estabelecer esta definição?

Trecho da nota de Vange Leonel para a Folha de São Paulo, 2003 – Foto de Lucas Alameda

Em 2003, eu tinha apenas 10 anos e mal podia compreender os processos pessoais relacionados à minha sexualidade. De lá pra cá, a nossa comunicação passou por enormes mudanças. Mas agora estou eu, 18 anos depois, propondo um novo texto para falar sobre o mesmo assunto, de certa forma.

Muito do que me faz tentar organizar estes entendimentos está relacionado às entrevistas que desenvolvi para a seção #ArtistaFOdA. #ArtistaFOdA é um espaço semanal criado coletivamente como parte dos conteúdos da Mídia NINJA / FOdA, que surgiu no ano passado com o intuito de gerar diálogos e dar visibilidade aos trabalhos desenvolvidos por artistas LGBTQIAP+ entre diversas linguagens e frentes de atuação.

É fato que poder ouvir um pouco das histórias dessas pessoas e, de alguma forma, contribuir com a difusão dos seus respectivos trabalhos tem sido bastante potente. Este processo de escuta me faz também constatar que muitos destes corpos passaram sim por experiências de preconceito, exclusão e silenciamento por muito tempo. Posso dizer, inclusive, que muitas histórias se entrelaçam em alguns pontos, mas não há o que comemorar neste caso. A meu ver, não podemos permitir que os percursos de injustiça e violência vivenciados por estes e por muitos outros artistas venham a embasar uma categorização generalizada de suas obras. A arte é de uma amplitude maior do que apenas uma categoria. E, antes de tudo, sigo perguntando: por que tentar delimitar a diversidade da criação de pessoas que já são colocadas como parte de grupos minoritários na nossa sociedade?

Em contraponto a esta construção, enquanto produtor e comunicador, percebo que a identidade LGBTQIAP+ precisa sim ser trabalhada entre diferentes instâncias para a garantia de direitos. Hoje existem editais culturais, por exemplo, que destinam todo o orçamento ou parte da verba para realizações desenvolvidas por pessoas LGBTQIAP+. Em um mercado com espaços e oportunidades desiguais, ações como esta são essenciais para a mudança do cenário.

O fator principal a que me proponho a refletir neste texto parte da visão limitada de uma arte tida como LGBTQIAP+, que só pode ocupar determinados lugares, chegar até os mesmos públicos e falar sobre os mesmos assuntos. Apesar de alguns artistas compartilharem vivências similares entre as suas histórias, no caso dos entrevistados do #ArtistaFOdA, é perceptível que cada projeto decide tratar de temáticas diferentes. Enquanto alguns se propõem a abordar e refletir sobre as suas próprias vidas e identidades na arte, além de promover protestos e questionamentos, outros querem imaginar novos mundos, chegar a lugares em que nunca puderam estar, ou que nem sequer existem dentro da nossa percepção coletiva.

Performance BICHA, TEMPO_FESTIVAL, Reduto, 2015 – Caio Riscado – Foto de Francisco Costa.

A valorização dos trabalhos de artistas LGBTQIAP+ e o reconhecimento da multiplicidade que esta produção possui são de suma importância. Precisamos, cada vez mais, desenvolver ações, políticas e plataformas para que estes criadores conquistem espaço no mercado cultural. Para que estas vozes possam ser ouvidas por mais pessoas. É também sobre representatividade. E, neste caso, passei a entender que não se trata apenas de garantir a visibilidade para um grupo pequeno de pessoas, para ocupar um determinado espaço no setor. É necessário que atinjamos quantidade, um amplo volume de artistas expoentes, justamente para poder dar conta da diversidade que a frente LGBTQIAP+ traz.

“Em que lugar você me coloca? É esse lugar de alegoria? Porque se for esse lugar, eu não quero estar nele.” – questiona a artista Véronica Valenttino em um trecho da sua entrevista, ao refletir sobre visibilidade.

Aretha Sadick, compartilhou caminhos por onde não quer mais seguir na sua trajetória: “Eu não quero ser mais obrigada a causar sempre e deixar, principalmente, a branquitude extasiada porque viram algo que é extramundo, porque é isso que eles querem ver de nós.”

Giovani Cidreira também dividiu uma visão bastante interessante sobre como ele entende a criação artística: “Eu vejo a arte como uma forma de você expressar qualquer opinião. De trabalhar ou não trabalhar qualquer coisa. A arte serve para construir e ela pode destruir também as coisas. Eu acho que a arte não precisa ter obrigação. O artista não tem a obrigação de levantar nenhuma bandeira, não tem obrigação de dizer sobre nada além daquilo que ele sente. Mas acho difícil você ser artista e não sentir as coisas, não falar das coisas que atravessam o seu tempo porque o seu corpo vive aqui.”

Somos diversos, podemos nos conectar de muitas formas e é bonito poder visualizar estas trocas estruturadas através de pautas que abordem também a singularidade. Não temos por que nos restringir, ainda mais na arte, que vem justamente para questionar, para propor e abrir novos caminhos.

Recentemente, a artista Linn da Quebrada também compartilhou pensamentos que confluem neste sentido, como parte da campanha de lançamento do seu álbum “Trava Línguas”. Em entrevista concedida à Revista Balaclava, ela cita: “Quando o mercado nos rotula enquanto música LGBT, ele não está rotulando o nosso trabalho, ele não está categorizando a nossa música, ele não tá falando do nosso gênero musical, eles estão categorizando, e marcando mais uma vez os nossos corpos.”

Neste 12 de agosto de 2021, desejo que possamos impulsionar uma arte cada vez mais diversa e que, por esse motivo, deixemos também de estar necessariamente atrelados a rótulos que perduram por décadas da nossa história. É tempo de articulação e resistência. Que possamos seguir ampliando horizontes!

Para saber mais sobre as entrevistas desenvolvidas para a seção #ArtistaFOdA, clique aqui.

*@planetafoda é a página de conteúdos LGBTQIAP+ produzidos pela rede FOdA, da Mídia NINJA, junto a colaboradores em todo o Brasil.

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