Pesquisa identifica a presença de agrotóxicos em alimentos ultraprocessados
No volume mais recente, foram analisadas as categorias de ultraprocessados mais consumidos no Brasil, além de produtos com apelo infantil e até mesmo ultraprocessados à base de plantas, cujo consumo vem crescendo no país
Por Leila Monnerat
O Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) publicou ontem (21) o terceiro volume do relatório “Tem veneno nesse pacote”. O documento traz o resultado mais recente da análise de resíduos de agrotóxicos em produtos ultraprocessados. Foram pesquisadas 24 amostras de oito categorias de ultraprocessados. De cada uma delas foram selecionados os três produtos mais vendidos. Um exemplar de cada foi analisado através de um teste capaz de detectar resíduos de até 563 agrotóxicos diferentes. Foram encontrados agrotóxicos em metade dos produtos pesquisados, distribuídos em sete das oito categorias avaliadas. O glifosato, agrotóxico mais vendido no mundo – e potencialmente carcinogênico segundo a Organização Mundial de Saúde – foi o mais presente (em sete das 24 amostras).
Os mais vendidos do Brasil
Macarrão instantâneo (marcas Nissim, Adria e Renata), biscoito maisena (marcas Vitarella, Marilan e Triunfo) e presunto (Sadia, Seara e Aurora) foram as categorias de produtos mais consumidos no Brasil de acordo com a Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF) 2017/2018 e por isso foram escolhidos para a análise. O biscoito maisena Marilan e o biscoito maisena Triunfo, cada um com resíduos de quatro agrotóxicos, foram “os campeões do veneno neste volume”, como destacou o Idec. Na marca Triunfo esteve presente também o AMPA, uma substância obtida a partir da quebra das moléculas do glifosato. Já no macarrão instantâneo Nissin e também Renata foram detectados três agrotóxicos: glifosato, glufosinato e pirimifós-metílico.
Aliás, os resultados do biscoito e macarrão instantâneo não são “coincidência”, já que a farinha de trigo continua sendo um ingrediente com alta prevalência de contaminação por agrotóxicos, confirmando hipótese apresentada no “Tem Veneno Nesse Pacote – volume 2”, segundo o Idec.
Nem as crianças escapam
“A indústria de ultraprocessados quer vender produtos como bolinhos prontos, ‘danoninhos’ e achocolatados como boas opções de lanches para as crianças, mesmo que o Guia Alimentar para a População Brasileira seja categórico: crianças não devem consumir ultraprocessados, especialmente antes dos dois anos de idade.”, destaca o documento do Idec. Por esse motivo, foram incluídos nos testes produtos com apelo infantil.
Dentre as categorias analisadas estão o bolo pronto sabor chocolate (marcas Panco, Ana Maria e Seven Boys), o petit suisse sabor morango (marcas Nestlé, Danone e Batavo) e a bebida láctea sabor chocolate (marcas Toddynho, Nescau e Pirakids). Destes, apenas no petit suisse não foram detectados agrotóxicos. Já na bebida láctea Pirakids foi detectado resíduo do fipronil, inseticida frequentemente usado para combater parasitas em animais explorados para a produção de carne, leite e ovos, e também em lavouras.
Segundo o Idec, provavelmente ele estava presente no leite da vaca usado para a produção da bebida láctea. “O Brasil fica atrás de países como Colômbia, Uruguai, Costa Rica, Vietnã e África do Sul, além de toda a União Europeia, que já proibiram o uso do fipronil por completo. Por aqui, apenas dois estados, Goiás e Santa Catarina, restringem seu uso.”
Saudáveis? Só que não.
Além dos itens anteriormente listados, foram incluídos nos testes alguns produtos que estão ganhando adesão por parte de consumidores supostamente em busca de uma alimentação mais saudável: os produtos à base de plantas (os famosos plant-based). “Apesar de não figurarem entre os produtos mais presentes nas mesas brasileiras, os produtos à base de plantas entraram nessa pesquisa por dois motivos: primeiro, porque muitas vezes trazem um apelo de saúde mesmo sendo ultraprocessados; e também porque pesquisas de mercado mostram que há um crescente interesse por esse tipo de produto.”
Foram analisados hambúrgueres e empanados à base de plantas das marcas Sadia, Seara e Fazenda Futuro. No hambúrguer à base de plantas Sadia e Fazenda Futuro foram detectados resíduos de agrotóxicos. Já para os empanados plant-based, foram detectados agrotóxicos nas três marcas analisadas. Dentre as substâncias detectadas, o butóxido de piperonila, que apesar de não ser considerado um agrotóxico pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) é um potencializador dos princípios ativos dos agrotóxicos.
Sobre os produtos à base de plantas o documento do Idec esclarece que “a indústria apresenta essa categoria de produtos para as pessoas consumidoras como a solução para diminuir a demanda por carnes e contribuir positivamente com as questões climáticas. No entanto, uma transição para uma redução no consumo que leve também em consideração a saúde da população deve passar por um maior consumo de leguminosas in natura ou minimamente processadas em preparações culinárias.”
O Idec deixa claro que as opções de hambúrgueres e empanados de origem animal definitivamente não são melhores opções se comparadas aos plant-based. “Primeiro, porque hambúrgueres de carne animal e empanados de frango tradicional também são, na maioria das vezes, ultraprocessados. Além disso, nossa pesquisa publicada no ‘Tem Veneno Nesse Pacote – volume 2’ encontrou agrotóxicos em todos os seis produtos das duas categorias.” Fora isso, o documento também reforça que a produção industrial e o consumo excessivo de produtos de origem animal são os principais fatores que levam à emergência climática.
O Instituto também ressalta que devemos evitar o consumo de ultraprocessados, que inclui os hambúrgueres e empanados à base de plantas e também os de origem animal. O bom mesmo é seguir as orientações do Guia Alimentar para a População Brasileira.
“Tem veneno nesse pacote”: um trabalho mais do que necessário
Pela terceira vez a cartilha do Idec nos convida à reflexão urgente sobre a relação perigosa entre ultraprocessados e agrotóxicos, e sobre os impactos deles para a Saúde Pública. O relatório também dá ênfase à necessidade de um delineamento mais firme das regulamentações nacionais e políticas públicas, que hoje são muito permissivas quando falamos de ambos os temas. Sobretudo se comparadas às normas da União Europeia, que já baniu diversos agrotóxicos de sua cadeia produtiva, ainda há um longo caminho a ser percorrido aqui no Brasil.
“Essa publicação é nossa forma de alertar para o perigo duplo de consumir esse tipo de produto: primeiro, porque ultraprocessados são inerentemente nocivos à saúde pelos seus altos teores de açúcares, sódio e gorduras, além da presença de aditivos alimentares, como corantes e aromatizantes; e segundo, porque temos consistentemente encontrado agrotóxicos dentro desses pacotes.”, esclarece o Idec.
O Idec pontua que enxerga o estabelecimento das correlações entre alimentos ultraprocessados e desfechos negativos do uso dos agrotóxicos como o principal desafio a ser enfrentado. “Para nós, essa relação se estabelece de forma estrutural e multifacetada, abrangendo tanto os campos da saúde humana e ambiental quanto do direito à informação.”
O Instituto alerta que a Anvisa ainda não regulamentou os limites máximos de resíduos de agrotóxicos permitidos em ultraprocessados. Atualmente, os limites adotados pelo Programa de Análise de Resíduos de Agrotóxicos em Alimentos (PARA) – que monitora apenas alimentos de origem vegetal in natura – têm sido adotados por analogia pela Anvisa para analisar o ingrediente in natura da composição dos ultraprocessados.
Na RDC n.°4/2012 fica estabelecido no seu Art. 39 que “os alimentos processados adotarão os mesmos Limites Máximos de Resíduos (LMR) estabelecidos para o alimento in natura, excetuados os casos de concentração ou desidratação do alimento, hipótese em que o cálculo se referirá ao alimento preparado para ser consumido seguindo a metodologia preconizada pelo Codex Alimentarius.”
Sendo assim, as Resoluções da Diretoria Colegiada da Anvisa ainda não avançaram em termos de especificidade para os ultraprocessados. O Idec aponta essa lacuna e destaca que mesmo para os produtos analisados pelo PARA, os limites de resíduos de agrotóxicos são altamente permissivos quando comparados com a União Europeia. “Além disso, no caso dos ultraprocessados, não se leva em consideração os potenciais efeitos à saúde decorrentes da combinação de agrotóxicos e aditivos industriais.”
Outra questão levantada pelo Idec sobre as regulamentações é o fato de não serem estabelecidos valores mais rígidos sobre os limites máximos de resíduos para grupos os populacionais vulneráveis (mulheres grávidas, lactantes, lactentes, crianças, idosos e também os trabalhadores e residentes em zonas rurais sujeitos a elevada exposição aos agrotóxicos em longo prazo). Todos esses aspectos precisam ser demandados por especialistas e também a sociedade civil organizada de modo que as regulamentações priorizem a saúde da população.
Carlota Aquino, diretora executiva do Idec, pontua que esse terceiro volume recém-lançado tem outro tom quando comparado aos anteriores. “Se nos dois primeiros estávamos apresentando dados novos com a expectativa de que eles embasassem discussões para a construção de políticas públicas transformadoras do nosso sistema alimentar, agora partimos do pressuposto que governantes e gestores já estão cientes da problemática há três anos e não podem mais continuar omissos.”
E ela complementa de forma certeira: “Estamos falando, sobretudo, da Anvisa, mas também de outros órgãos do Executivo e do Legislativo. E não esqueçamos de responsabilizar também a indústria de alimentos que têm lucrado com a venda de ultraprocessados contendo resíduos de veneno. Todos devem fazer a sua parte.”
Confira a íntegra do relatório abaixo: