
‘Pequenas Coisas Como Estas’ e o solo de Cillian Murphy pós-Oscar
Baseado em fatos reais, longa chega às telonas no dia 13 de março, trazendo reflexões profundas
Por Lilianna Bernartt
“Pequenas Coisas Como Estas”, adaptação da obra homônima de Claire Keegan, se passa em um cenário de injustiças sociais: uma Irlanda em grave recessão, sob a tutela da Igreja Católica, que detinha o controle de diversos serviços sociais, como escolas e hospitais.
Cillian Murphy retorna às telas em seu primeiro projeto pós-Oscar de Melhor Ator em 2024, pelo filme “Oppenheimer”, para dar vida a Bill Furlong, um homem simples, dono de uma pequena empresa de carvão, que se vê envolvido em uma situação moralmente complexa ao descobrir os segredos perturbadores de um convento local.
O filme foca no escândalo verídico envolvendo a Igreja Católica, através das chamadas “Lavanderias de Madalena”, instituições administradas pela Igreja para abrigar “mulheres descartadas” pela sociedade — jovens grávidas ou que perderam sua virgindade fora do casamento — consideradas maculadas para o tradicionalismo da época. Descobriu-se anos depois que as meninas/mulheres eram, na verdade, submetidas a condições de escravidão e torturas. Existem relatos históricos de mais de 100 corpos femininos encontrados em uma dessas lavanderias.
O filme, que tem como base narrativa a Igreja Católica e a opressão contra regimes institucionalizados, opta por focar no ponto de vista de Furlong. Casado e pai de cinco meninas, ele também é fruto de um passado traumático. Sua mãe engravidou jovem e foi rejeitada pela família, mas foi acolhida por Sra. Wilson, que permaneceu cuidando dele mesmo após a morte repentina de sua mãe, quando ele tinha apenas 12 anos.
Ao fazer uma entrega de carvão em uma dessas instituições, Furlong se depara com o pedido suplicante e desesperado de ajuda de uma das internas. Instruído e até mesmo pressionado socialmente a ignorar o fato, haja vista o controle da Igreja sobre a comunidade, Bill se vê diante do dilema moral de ajudar ou ignorar.
O diretor Tim Mielants centra sua câmera em seu protagonista, o que provoca uma imersão psicológica do espectador, fazendo com que o dilema de Bill se torne mais relevante do que os eventos externos.
A escolha, apesar de ir ao encontro da proposta da própria autora do livro, gera uma desconexão entre a trama principal, mergulhando nas profundezas do psicológico de Bill.
O recorte narrativo, portanto, se resume à análise psicológica da moral de um homem que conseguiu se estabelecer na vida graças à bondade alheia — de uma mulher — e que agora tem a oportunidade de devolver à sociedade a mesma possibilidade que lhe salvou a vida.
O resultado é um relato mais intimista sobre um homem em conflito com suas próprias escolhas do que um estudo incisivo sobre a injustiça que se passa sob seu olhar.
E sim, repito, esse é o recorte proposto pela autora Claire Keegan e não deixa de ser impactante, mas, quando nos deparamos com as atrocidades do fato histórico em si, é inevitável refletir acerca do paradoxo da proposta ao direcionar o foco quase que total para um corpo outsider aos acontecimentos.
Dentro dessa reflexão, temos um personagem também traumatizado, que atua de forma contida e retraída, com traumas bloqueados, e o acesso que nos é garantido às suas memórias acontece em doses homeopáticas, através de flashbacks de sua infância, o que, embora relevante para a compreensão do personagem, acaba permeando de forma rasa a psique do mesmo, nos deixando com vontade de explorar a profundidade da base narrativa: os abusos sistêmicos perpetuados nessas instituições hediondas.
Cillian, por sua vez, absorve a complexidade de seu personagem silencioso de forma potente e cirúrgica, mas ainda assim tem sua entrega prejudicada pela proposta de linguagem que, apesar de possuir diversas possibilidades de perspectivas, acaba por um rebuscamento raso, deixando a sensação de que poderia ter sido algo maior.
O filme não deixa de estabelecer a crítica, mas, infelizmente, não consegue adicionar substância à mesma, falhando por não dar vozes mais contundentes em meio à barbárie do tema.