Por Ítalo Coelho de Alencar

“Tu quer a paz? Eu quero também. Mas o Estado não tem direito de matar ninguém. Aqui não tem pena de morte, mas segue o pensamento, o desejo de matar de um Capitão Nascimento…”. Marcelo D2 – Desabafo

Mais uma vez assistimos a uma trágica história se repetir. Uma cidadã brasileira, a jovem de 22 anos Mary Ellen Coelho Silva, foi presa no aeroporto de Bangkok, Tailândia, junto de mais duas pessoas, por supostamente transportar em suas malas cerca de 15 quilos de cocaína. O temor dos acusados e da família, que têm apelado às autoridades diplomáticas brasileiras para mediar a situação, sem sucesso, é que possam ser condenados à pena de prisão perpétua ou a máxima que o sistema de justiça daquele país prevê para estes crimes: a morte! A equipe de defesa de Mary Ellen acredita que ela foi usada como “mula”, e que não tinha conhecimento do que transportava. “Mulas do tráfico” são as pessoas arregimentadas pelas organizações criminosas para fazer transporte de pequenas quantidades de drogas.

Infelizmente o medo se justifica, pois histórias como a de Mary Ellen não são raras de ocorrer. Há cerca de 7 anos, um brasileiro foi executado na Indonésia sob a acusação de tráfico de cocaína. O estarrecimento causado pelos casos citados, e sua cobertura na mídia, nos faz ter a impressão que o sistema de justiça asiático, em relação a casos que envolvem venda e drogas, estão distantes do tratamento dispensado, no Brasil, às pessoas acusadas e/ou condenadas pelo crime de tráfico. Na verdade é possível, lamentavelmente, traçar paralelos entre a situação dos dois países.

Um relatório internacional, produzido pela entidade de Redução de Danos The Harm Redution Consortium, publicado em novembro de 2021, com o título Global Drug Policy Index, avaliou 30 países de acordo com sua política de drogas, atribuindo notas de 0 a 100, levando em conta os seguintes critérios:  existência ou não de pena de morte, proporcionalidade do sistema de justiça, resposta do Estado em crimes que envolvem drogas, adoção ou não de política de redução de danos, acesso a tratamentos de saúde com medicamentos para dor e sofrimento etc.

O Brasil figura em último lugar (30º), ostentando o título de país com a pior política de drogas do mundo, somando 26/100 pontos. Um dos problemas apontados é justamente o execução extrajudicial (assassinatos) por agentes da lei em situações que envolvam drogas, aplicado “em grande medida”. Mesmo não tendo pena de morte prevista em nossa Constituição, estas execuções são consideradas um problema endêmico. O Anuário da Segurança Pública, publicado pelo Fórum Brasileiro de Segurança  Pública, aponta que, em 2021, a letalidade policial bateu recorde. Pessoas negras representam 78% destas vítimas.

Outro fator que puxou a nota do Brasil para baixo foi a adoção de política de redução de danos para usuários de drogas, com 9 pontos. Em relação ao Sistema de Justiça, foram avaliados o impacto da intervenção policial sobre grupos étnicos, mulheres e população pobre. O encarceramento de pessoas no Brasil, segundo dados do Departamento Penitenciário Nacional (Depen), por crimes relacionados a tráfico de drogas representa cerca de fatia importante das quase 800 mil pessoas presas. No caso dos homens, chega a 39,42% e das mulheres, 62%. Em sua maioria, negros, pobre e semi alfabetizados.

Por sua vez, a Tailândia está em 24º lugar no ranking. Apesar de terem sido detectadas frequentes violações de direitos humanos e prever penas severas como prisão perpétua e pena de morte, esta pena tem baixa aplicabilidade. Os assassinatos extrajudiciais possuem aplicabilidade moderada. Importante observar que estas medidas extremas apresentam contradição com o tratamento com algumas drogas, como é o caso da maconha com fins medicinais. O país legalizou, em 2018, o uso de óleos e flores da planta, em uma legislação que prevê a venda da planta cultivada pelos cidadãos ao Estado, com a finalidade de estímulo econômico. Já em 2021 o país legalizou, para fins medicinais, uma planta típica da região do sudeste asiático, o kratom, planta com propriedades estimulantes, tal qual as da folha de coca, que originam a cocaína. Por fim, outros dois países que fazem companhia ao Brasil neste macabro pódio são Indonésia e Uganda, respectivamente. Os três primeiros lugares são de Noruega, Nova Zelândia e Portugal, com 74, 71 e 70 pontos, respectivamente. A média dos demais países é de 48 pontos.

O que nivela (por baixo!) Brasil e Tailândia é a ideia retrógrada de empreender uma guerra contra pessoas e populações vulnerabilizadas, com o pretexto de sanear a saúde pública, com o propósito de reduzir a oferta, através da violência, de substâncias proibidas para fins de uso adulto, ou recreativo. A aposta reiterada na fórmula do fracasso fica evidente quando dados comprovam que o consumo, e consequentemente as apreensões de drogas como cocaína ou maconha só tem aumentado, principalmente durante a pandemia. O aumento também é observado em relação a drogas lícitas, como benzodiazepínicos, álcool e tabaco.

Enquanto as contradições se mantém, casos como o de Mary Hellen ou das vítimas das inúmeras chacinas pelo Brasil, como Jacarezinho (RJ), Messejana (CE), Alto Paraíso (GO) etc seguem acontecendo sem cessar, vitimando quase que exclusivamente pessoas pobres, fardadas, usuárias, pequenos varejistas. Já é passada a hora destes países adotarem uma forma mais inteligente de tratar a questão do uso e venda de substância tornadas proibidas, com taxação das fortunas geradas desta indústria, para que possamos financiar políticas de emprego e renda, investimento em Saúde para cuidar das pessoas que fazem uso abusivo e educação para prevenir problemas. Podemos chegar ao topo desta ranking, mas para isso, é preciso reinventar o futuro hoje!

Ítalo Coelho de Alencar é presidente interino do Conselho Estadual de Política de Drogas do Ceará e Diretor da Rede Reforma