Pedro Jorge: o legado do algodão orgânico no semiárido nordestino
Pedro Jorge e seu legado pela luta do algodão agroecológico, agricultura familiar e comércio justo no semiárido nordestino
Respeitado e querido por muitas/os agricultoras/es familiares, o pesquisador Pedro Jorge Ferreira Lima, fundador da ONG Esplar – Centro de Pesquisa e Assessoria, no Ceará, chega aos seus 81 anos com um imenso legado ao movimento agroecológico no semiárido nordestino. Nos últimos 30 anos, ele se dedicou ao trabalho com o Algodão em Consórcios Agroecológicos, que hoje envolve centenas de famílias em sete estados da região, com uma produção que cresce ano a ano. Em março, ele foi homenageado com uma placa num evento, que ocorreu no Assentamento José Marcolino, município da Prata (PB), com a presença de agricultoras/es, representantes de entidades e movimentos sociais, além de empresárias/os e gestoras/es.
“Mais do que a placa, o que mais me emocionou foi o calor humano, proporcionado pelas pessoas presentes, e a surpresa de reencontrar gente querida, vinda de tantos lugares, que eu nunca imaginaria que viria de tão longe para confraternizar comigo”, disse o homenageado.
Natural de Pacoti (CE), graduado em Agronomia pela Universidade Federal do Ceará (UFC) e mestre em Fitotecnia pela Universidade Federal de Viçosa (UFV), Pedro Jorge relembra que, em 1989, após participar de um curso de Introdução à Agroecologia, ministrado no Ceará pelo professor Miguel Altieri, da Universidade da Califórnia, para integrantes da Rede PTA, estava ansioso para colocar em prática parte do que aprendeu no curso. Na mesma época, o agricultor Veríssimo Nascimento, do município de Madalena (CE), procurou o Esplar para ajudá-lo a pesquisar o porquê de, .depois de três anos sem produzir algodão na sua roça, infestada pelo bicudo, inseto praga do algodoeiro, colheu 225 kg de algodão mocó, uma variedade nativa. “Socializei a experiência de Veríssimo com agricultoras/es de outros municípios, desafiando-as/os a se juntarem ao Esplar nessa pesquisa.
Em abril de 1990, começamos a nos encontrar a cada dois meses, técnicos e agricultoras/es, no que se autodenominou Grupo de Pesquisa do Algodão. Enquanto as/os agricultoras/es levantavam informações sobre o contexto do algodão em seus municípios, no Esplar estudávamos resultados de pesquisas sobre o algodoeiro, realizadas pela UFC, a Embrapa e o DNOCS, para fundamentar o debate nesse Grupo”, relembra o pesquisador.
Segundo ele, ao cabo de seis reuniões, o intercâmbio entre experiência empírica e conhecimento técnico científico resultou na formulação de uma nova proposta para o cultivo do algodão em bases ecológicas, a ser experimentada pelo grupo a partir de 1991, fundamentada na conservação do solo e da água, no cultivo consorciado sempre com uma ou mais leguminosas, na eliminação do uso de agrotóxicos. Após dois anos de experimentação em campo, a proposta foi difundida para um número amplo de agricultoras/es em Tauá e Parambu (CE) onde, em 1993, colheram a primeira safra de algodão ecológico organizada e beneficiada pela Associação de Desenvolvimento Educacional e Cultural de Tauá (ADEC), que rendeu 2 toneladas de fibra, vendidas a uma empresa de Jundiaí (SP), para fabricação de camisetas por demanda do Greenpeace. Isso só foi possível porque a ADEC adquiriu uma minidescaroçadeira de algodão graças a uma doação de 3 mil dólares recebida da Manos Unidas, entidade da Igreja Católica da Espanha.
O novo sistema de produção do algodão em bases ecológicas despertou interesse de ONGs, sindicatos de trabalhadores rurais e outras organizações de agricultoras/es familiares do Piauí, Rio Grande do Norte, Paraíba e Pernambuco, além da Embrapa Algodão. Inúmeros grupos de agricultoras/es e técnicas/os visitaram Tauá para conhecer in loco o manejo dos consórcios agroecológicos, o beneficiamento e a comercialização da fibra do algodão e iniciar suas primeiras experiências. Estas tiveram êxito parcial, pois a produção colhida esbarrava no desafio do beneficiamento.
Em 2006, o pesquisador Melchior Batista da Silva, acompanhado de outras/os pesquisadoras/es da Embrapa e um grupo de agricultoras/es da Paraíba, visitaram os consórcios agroecológicos com algodão em Choró (CE), acompanhados pelo Esplar. Na sequência, organizaram em Lagoa Seca (PB) a primeira reunião do que se tornaria a Rede do Algodão Agroecológico do Semiárido, com 70 participantes de cinco Estados, entre agricultoras/es, técnicas/os de ONGs, pesquisadoras/es e empresárias/os. Durante sete anos, ocorreu intenso intercâmbio entre organizações de agricultoras/es/as e empresas do mercado do algodão orgânico e comércio justo, facilitando a socialização de informações sobre práticas de cultivo e beneficiamento. Empresas francesas e uma espanhola, além da Coopnatural (PB) e Justa Trama (RS), aprenderam a negociar diretamente as condições dos contratos de comercialização da pluma iniciando uma efetiva mudança nas formas tradicionais de venda do algodão, sempre desvantajosas para a agricultura familiar.
Parceiro de longa data do pesquisador cearense, Jean Marc von der Weid, ex-integrante do núcleo executivo da ANA e da coordenação da ONG As-PTA, ressalta a importância que Pedro Jorge tem para a agricultura familiar na região. Eles se conheceram por volta de 1983 e, nas décadas seguintes, realizaram diversos projetos juntos promovendo a agroecologia por meio de suas entidades. “Além de inteligente, incansável, persistente, corajoso e criativo”, disse Jean Marc, “Pedro é de uma bondade, bom astral e capacidade intelectual exemplares”.
“Divergia e criticava opiniões com as quais não concordava, sem agredir nem isolar. Sempre foi um agregador. Quando decidiu se concentrar no trabalho com o algodão orgânico, divergi da proposta e achei que sempre ficaria em um gueto de alguns agricultores privilegiados. No entanto, o trabalho de formiguinha foi gerando uma maior densidade de adesões. A orientação de uma assistência técnica (Ater) mais massiva que eu propunha funcionou em algumas experiências. Seria interessante avaliar como funcionaram estas estratégias e o balanço dos seus resultados para aprender os caminhos que podem ser trilhados por outros”, destacou Jean Marc.
O algodão agroecológico no semiárido nos dias de hoje
Atualmente, a iniciativa envolve mais de mil famílias da agricultura familiar espalhadas por 56 municípios em seis estados da região semiárida nordestina. Nas últimas três safras, produziram mais de 136 toneladas de algodão com certificação orgânica participativa e em transição. O projeto Algodão em Consórcios Agroecológicos envolve milhares de agricultoras/es em parceria com entidades acadêmicas, ONGs, setores de governos, apoios internacionais, dentre outros. A iniciativa é coordenada pela Diaconia, ONG que atua na região, e tem como objetivo inserir as famílias agricultoras nos mercados com o selo brasileiro orgânico.
O preço do algodão orgânico certificado, que custava R$14,51 o quilo em 2021, passou a ser R$ 18,14 neste ano, incluindo o valor do ICMS. Se tudo der certo, a expectativa é que sejam vendidas 63 toneladas, parte delas em processo de transição orgânica para certificação, totalizando um valor de R$ 1,5 milhão.