Por Amanda Martins

A repercussão de Ainda Estou Aqui abriu espaço para uma reparação histórica que podemos chamar de justiça. Assim como a certidão de óbito de Rubens Paiva foi retificada, outras 413 vítimas da ditadura militar no Brasil terão seus registros corrigidos para refletir a verdade: “morte não natural, violenta, causada pelo Estado brasileiro no contexto da perseguição sistemática à população identificada como dissidente política do regime ditatorial instaurado em 1964” — medida proposta pelo Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania (MDHC).

Anos depois, as vozes silenciadas por décadas começam a ser ouvidas. Entre tantos nomes, ecoa o de Pedro Fazendeiro.

Quem foi Pedro Fazendeiro?

Foto: André Resende/G1

Pedro Inácio de Araújo, natural de Itabaiana, Paraíba, nasceu em 8 de junho de 1909 e desapareceu em 7 de setembro de 1964 — coincidência ou não, sua morte foi proclamada justamente no Dia da Independência do Brasil.

Conhecido como “Pedro Fazendeiro”, apesar de ser um trabalhador rural, era filiado ao Partido Comunista Brasileiro (PCB) e teve atuação destacada na defesa dos direitos dos trabalhadores do campo. Foi vice-presidente da Liga Camponesa de Sapé (PB) e membro da Federação das Ligas Camponesas, atuando ao lado de João Pedro Teixeira, líder camponês assassinado em 1962.

Antes mesmo do golpe militar, já era alvo de ameaças de latifundiários paraibanos e, em 1962, sobreviveu a um atentado, sendo baleado na perna. Com a instauração da ditadura, foi preso no 15º Regimento de Infantaria do Exército, em João Pessoa (PB), onde foi torturado e permaneceu detido até seu desaparecimento, em setembro de 1964.

Com a intensificação da repressão às Ligas Camponesas, Pedro passou um período na clandestinidade, mantendo pouco contato com a família. Segundo depoimento de sua filha, Neide, decidiu se apresentar às autoridades militares por temer ser vítima de uma injustiça caso se entregasse à Polícia Militar da região, influenciada pelos latifundiários.

Não há registros oficiais que precisem a data exata de sua prisão, mas há confirmação de sua detenção. Em 10 de setembro de 1964, o jornal Correio da Paraíba noticiou a descoberta de dois corpos carbonizados, com sinais de tortura e enforcamento, às margens da estrada que liga Campina Grande a Caruaru, próximo ao distrito de Alcantil, no município de Boqueirão. Os corpos estavam carbonizados e apresentavam sinais de tortura e enforcamento.

O Luto de Neide Araújo, filha de Pedro Fazendeiro

Neide Araújo, filha de Pedro, descreve a dor de ser “órfã de pai vivo”, já que nunca teve a chance de sepultá-lo. Em entrevista à TV Paraíba, compartilhou o impacto dessa ausência em sua família. “A vida da gente é uma lacuna aberta. É um texto que não tem fim”, desabafou, refletindo sobre décadas de sofrimento. Para ela, a retificação das certidões de óbito — incluindo a de seu pai — representa uma “vitória”, não apenas pessoal, mas para todas as famílias marcadas pela ditadura.

Confira a entrevista,

Reparação histórica após Ainda Estou Aqui

Após o sucesso de Ainda Estou Aqui, indicado a três prêmios no Oscar, o Ministério dos Direitos Humanos e a Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos preparam uma cerimônia para um pedido oficial de desculpas à família do ex-deputado Rubens Paiva, morto e desaparecido durante a ditadura militar, e a outras centenas de famílias de políticos desaparecidos no período.

A expectativa é que as solenidades ocorram em abril. Além do pedido de desculpas, o ministério deve apresentar recomendações a órgãos públicos sobre o tema. As informações são da Folha de S. Paulo.

Texto produzido em colaboração a partir da Comunidade Cine NINJA. Seu conteúdo não expressa, necessariamente, a opinião oficial da Cine NINJA ou Mídia NINJA.