Por Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida e Terra de Direitos

No último dia 14, a Lei 14.785/2023, conhecida como “Pacote do Veneno”, foi alvo de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) protocolada no Supremo Tribunal Federal (STF). A ação foi movida por partidos políticos como PSOL, Rede Sustentabilidade e PT, além de entidades como a CUT e a Contar, com o apoio técnico e jurídico de organizações sociais e movimentos populares, como a Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida.

Os proponentes da ADI argumentam que a lei viola princípios constitucionais fundamentais, como legalidade e eficiência na administração pública, e atenta contra direitos essenciais, incluindo o direito a um meio ambiente ecologicamente equilibrado, à saúde, e à vida digna, especialmente no contexto de povos indígenas e tradicionais, consumidores, crianças e adolescentes. Diante dos graves impactos ambientais e à saúde pública que a legislação pode ocasionar, os autores da ação solicitam a concessão de uma medida cautelar para suspender os efeitos da lei até que o mérito da inconstitucionalidade seja julgado.

Foto: divulgação

Flexibilização Prejudicial

Jakeline Pivato, representante da Campanha Permanente contra os Agrotóxicos e Pela Vida, critica a nova legislação, afirmando que ela vai na contramão das necessidades reais de saúde e proteção ambiental historicamente defendidas pela sociedade civil organizada. “Flexibilizar uma lei que deveria proteger o ser humano e o meio ambiente é, na prática, incentivar a morte. A Lei do Pacote do Veneno agrava uma realidade já trágica, introduzindo produtos ainda mais perigosos e limitando a atuação de órgãos reguladores como a Anvisa e o Ibama. Essa lei fere o direito à alimentação saudável, ao meio ambiente sustentável e à saúde da população brasileira. Por isso, continuamos na luta, afirmando sua inconstitucionalidade”, destaca Pivato.

Contexto Político

Foto: Futura Press/Folhapress

O projeto de lei, de autoria do ex-senador Blairo Maggi (PP-MT), conhecido como “rei da soja”, foi impulsionado por um intenso lobby do agronegócio, apoiado pela Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA). Atualmente, a FPA conta com 47 dos 81 senadores e 300 dos 513 deputados na Câmara, constituindo uma força majoritária no Congresso Nacional.

O texto final aprovado alterou profundamente a legislação anterior, a Lei 7.802/1989. O principal argumento utilizado pela bancada do agronegócio era a necessidade de atualização da normativa para facilitar a aprovação de novos registros. Entretanto, o Brasil já vinha registrando um aumento significativo nas liberações de agrotóxicos nos últimos anos. Em 2023, ano da aprovação do “Pacote do Veneno”, foram concedidos 555 novos registros, número próximo à média anual durante o governo Bolsonaro, que registrou um total recorde de 2.182 liberações entre 2019 e 2022.

Retrocesso Ambiental e Sanitário

Uma das mudanças mais controversas trazidas pela nova lei foi a centralização da autorização de registros de agrotóxicos no Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa), sob forte influência do agronegócio. Anteriormente, a liberação dependia de uma avaliação conjunta entre o Mapa, a Anvisa e o Ibama, baseada em critérios técnicos e científicos. Agora, a decisão cabe exclusivamente ao Mapa, com os demais órgãos atuando apenas de forma complementar, se requisitados. Esta centralização foi inicialmente vetada pelo presidente Lula, mas o Congresso derrubou os vetos em maio deste ano.

Além da centralização, a nova legislação apresenta outros retrocessos, como uma definição mais vaga para o veto de agrotóxicos altamente tóxicos, a revogação de regras sobre pagamento de taxas ambientais, e a dispensa de registro para agrotóxicos destinados à exportação.

Impactos à Saúde e ao Meio Ambiente

Diversas entidades, incluindo a Anvisa e o Ibama, alertaram sobre os riscos da nova legislação. A Anvisa afirmou que a lei “põe vidas brasileiras em risco”, enquanto o Ibama classificou-a como um “flagrante retrocesso socioambiental”. A proposta foi amplamente repudiada por Relatorias Especiais da ONU, pelo Conselho Nacional de Direitos e pelo Instituto Nacional do Câncer (Inca), além de outras autoridades nacionais e internacionais.

Desde 2011, o Brasil lidera o ranking mundial de uso de agrotóxicos. Em 2022, o país aplicou 800 mil toneladas dessas substâncias, mais do que a soma de Estados Unidos e China, segundo dados da FAO/ONU. Entre 2010 e 2019, o Ministério da Saúde registrou 56.870 casos de intoxicação por agrotóxicos, número que pode ser muito maior devido à subnotificação, estimada na ordem de 1 para 50. Cada dólar gasto em agrotóxicos no Brasil gera um custo de $1,08 para o SUS em tratamentos de intoxicação.

A ADI também ressalta que o uso intensivo de agrotóxicos está voltado principalmente para a produção de commodities, como soja e milho, e não para a produção de alimentos, como argumenta o agronegócio. Além disso, a produção agropecuária intensiva é apontada como um dos principais motores do desmatamento e das emissões de gases de efeito estufa no Brasil.

Por fim, os autores da ação destacam que a nova lei fere princípios da administração pública, como legalidade e moralidade, citando a decisão da ministra Carmen Lúcia na ADPF 760, que reforça o dever do Poder Público de observar os princípios de prevenção e precaução em legislações que tratam de questões ambientais.