Por Lilianna Bernartt

Depois do acolhedor “Tudo que você podia ser” (2023), o diretor Ricardo Alves Jr. volta aos cinemas com “Parque de Diversões”. O filme aborda o cruising, termo em inglês que descreve jogos e atos sexuais gratuitos, consensuais e anônimos praticados em espaços públicos.

Em Belo Horizonte, especificamente, onde o filme se situa, o cruising era praticado no Parque Municipal da cidade, até que foi proibido, apesar de ainda ocorrer em outros espaços. O resgate dessa prática se dá pelo desruptivo, elemento instituído logo no início do filme, traduzido pelo arrombamento dos portões cerrados do Parque, indicando o livramento de quaisquer arramas institucionais, sociais, psíquicas e/ou fisiológicas. Vale tudo, sem qualquer pessoalidade ou psicologização acerca da multiplicidade de corpos e desejos.

O Parque de Diversões é traduzido como um espaço literal e metafórico, que se torna o ponto de encontro entre desejos reprimidos e a liberdade utópica.

O espaço do Parque, marcado pela superficialidade atrativa das luzes e cores, reflete um lugar em que as personagens – e, simbolicamente – o espectador – se veem obrigados a confrontar uma realidade ainda fragmentada.

Por meio de uma narrativa ritmada, o filme convida o público a sentir, a questionar o que está sendo mostrado, mas também a se relacionar com a busca por uma identidade perdida, por uma conexão que pode ser atraente ou repulsiva, dependendo do filtro interior de cada indivíduo/espectador.

E é exatamente aí que reside um dos pontos mais interessantes desta experiência. 

A busca pela exterioridade, pautada pela corporalidade e não psicologização do sexo – a busca pelo lado primitivo humano – desagua inevitavelmente na moralidade sociopolítica convencionada, questionando se é possível exercermos nossa liberdade de fato, ainda que internamente.

Esse é um dos grandes ganhos do filme, que, ao provocar o espectador, oferece uma experiência que transita entre o psicológico e o existencial, trabalhando a mente humana através de corpos, procurando oferecer espaços de liberação do que se esconde por trás das máscaras sociais que usamos.

Se no trabalho de Pina Bausch, citada pelo roteirista Germano Melo como inspiração, dançar é estabelecer uma relação entre o homem e o universo, no caso de “Parque de Diversões”, o sexo adota essa função. O sexo como forma de experenciar, dominar e vivenciar o mundo. O filme não pretende oferecer respostas, mas propor um espaço de reflexão sobre os dilemas internos de cada indivíduo, onde a busca por prazer e conexão são temas predominantes.

“Parque de Diversões” provoca uma constante ambiguidade entre o real e o imaginário. Com uma dinâmica de espelhamento, a fotografia propõe uma brincadeira entre o que é visível e o oculto, que reflete uma sociedade em que a busca por prazer e satisfação imediata é constantemente incentivada, mas ainda esbarra nas convenções sociais. 

Nesse sentido, passado o confronto inicial, o filme perde um pouco o ritmo a partir do momento em que o espectador codifica a proposta. Outro indicativo, talvez, de que ainda estejamos condicionados à busca pela fugacidade da catarse, do gozo – literal ou não.

O filme não traz respostas, mas sem dúvidas levanta muitas questões que fazem com que a experiência se valide. Dentre as dúvidas, a única certeza que se reafirma é a de que precisamos falar sobre sexo. 

Lilianna Bernartt é atriz, diretora, crítica de cinema e comunicadora.