Por Viviane Pistache

Porque Eva costuma ser nascente de arquétipos que serpenteiam imaginários na tradição ocidental, o filme Eve’s Bayou (1997) concebe sua protagonista desde a sociedade escravocrata da Louisiana. De modo espiralar, o primeiro longa-metragem da diretora Kasi Lemmons amálgama Cristianismo e Vodum para construir uma personagem atemporal. Assim, Eve nasce como matriarca de músculo musgo, desaguando na pantanosa ancestralidade da protagonista de dez anos, cujas memórias conduzem o filme.

“A memória é uma seleção de imagens, algumas elusivas, outras impressas indelevelmente no cérebro.”

O diálogo de abertura é narrado por uma Eve adulta, enquanto se projetam em suas infantes pupilas o incidente incitante: a flagrante traição conjugal que desemboca em parricídio.

“No verão em que matei meu pai, eu tinha dez anos. Meu irmão Poe tinha nove e minha irmã Cisely tinha acabado de fazer quatorze.”

Assim que anuncia a tragédia, o filme volta para onde viceja o mito de origem da cidade, projetando num canavial a aparição fugaz de uma mulher negra com trajes de colona:

“A cidade onde morávamos tinha o nome de uma escrava. Diz a história que, quando o general Jean-Paul Batiste foi tomado pela cólera, sua vida foi salva por um poderoso remédio de uma escrava africana chamada Eve. Em retribuição por sua vida, ele a libertou e deu a ela um pedaço de terra perto do pântano. Talvez por gratidão, ela lhe deu dezesseis filhos. Nós somos descendentes de Eve e Jean-Paul Batiste.”

Após um travelling sobre o pântano, com fusões e sobreposições de escombros da escravidão e árvores centenárias, a imagem mítica da matriarca Eve aparece pela última vez, num gesto que abençoa a terra enquanto aponta uma direção. A fotografia, até então em preto e branco, torna-se colorida com a revelação de que Eve Batiste é nome de herança e destino.

Assim, em menos de dois minutos, são estabelecidos alguns pactos: o filme é um flashback que assume a memória como um pântano de imagens turvas, utilizando a fotografia não apenas para indicar diferentes temporalidades, mas também apostando no realismo fantástico, com pitadas de thriller psicológico como elemento da tragédia. Ainda nos créditos de abertura, a câmera flutua sobre o pântano até adentrar um elegante casarão sulista, ao som de C’est pas la peine brailler, de Geno Delafose, revelando um animado baile de pessoas negras de classe média no começo dos anos 60. O casal anfitrião é Roz Batiste (Lynn Whitfield) e Louis Batiste (Samuel L. Jackson), pais da protagonista (Jurnee Smollett).

A sequência do baile revela Eve situada entre a predileção da mãe pelo caçula Poe (Jake Smollett) e o début da primogênita Cisely (Meagan Good), que valsa deslumbrada com seu pai. Para melhorar sua posição nesse pódio afetivo, Eve desenvolve várias artimanhas ao longo da trama para conquistar, ainda que momentaneamente, a prioridade do pai. Até Roz entra na fila dos afetos do marido, pois é preterida publicamente por Metty Mereaux (Lisa Nicole Carson), a amante do grande médico e herói no vilarejo — sobretudo para suas belas pacientes.

Esse investimento libidinal canalizado na figura do pai, médico e marido, respectivamente, abre brechas interpretativas, como o título brasileiro Amores Divididos — uma tradução que acentua o caráter totêmico do personagem Louis Batiste em detrimento da noção de pântano, a metáfora escolhida pela diretora. Considerando que o filme, lançado em 1997, traz uma leitura da classe média negra da Louisiana de 1962, o primado do patriarcado também é alicerce daquela paisagem cotidiana.

Apesar da alusão ao patriarca Jean-Paul Batiste, todos os homens no filme são negros e ofuscados pela figura de Louis Batiste. Se a cidade traz o nome de Eve, uma negra liberta e praticante do vodu, seu herdeiro é o médico mais importante do vilarejo, cujas filhas falam francês, leem Shakespeare e veneram o pai. Trata-se de um melodrama que flerta com a psicanálise, revelando o pulso corajoso da diretora na construção de personagens negras que cutucam estereótipos com a vara curta, tensionando o limite da segurança, mas garantindo multidimensionalidade e ambiguidade.

Nesse sentido, a personagem Cisely é tecida bem no fio da navalha: a adolescente que simultaneamente ama e espezinha sua irmã mais nova e principal interlocutora; a filha que hostiliza a mãe por ser traída, acusando-a de incompetente, enquanto fantasia ocupar seu lugar de esposa. Ela mimetiza suas camisolas, corte de cabelo e comportamentos, como a subserviência ao homem da casa — trazendo-lhe o jornal da leitura matinal, fazendo-lhe massagens após um dia de labuta ou esperando sua chegada tarde da noite, mesmo quando ele exala cheiro de bebidas ou perfumes de outras mulheres. Cisely sempre toma partido do pai em qualquer conflito com a mãe, ainda que ele esteja errado. Assim, a personagem é conduzida até o trauma, numa ambiguidade que confunde um suposto desejo incestuoso da filha com o abuso sexual do pai, catalisando a trama da protagonista na busca de vingança pela mãe, pela irmã e por si própria.

Essa trama começa no baile de abertura do filme, quando a senhorita Mereaux é apresentada dançando fogosamente com seu companheiro Lenny Mereaux (Roger Guenveur Smith), gerando comentários maledicentes, até que decide dobrar a aposta e dançar ainda mais escandalosamente com seu velho amigo Louis Batiste, à vista de todo o salão. Para apaziguar o clima de sedução, Louis tira Cisely para dançar, provocando ciúmes em Eve, que se esconde num depósito onde adormece até flagrar seu pai com Metty Mereaux. O incidente é tão impactante que Eve perde a voz e precisa ser socorrida pelo pai até recobrar o fôlego. Mas, sem forças para confrontá-lo efetivamente, a pequena Eve consegue apenas manifestar seu desejo de ser escolhida pelo pai para dançar aos olhos da sociedade.

Em confidências com a irmã, Eve desaba em prantos ao rememorar o flagrante, mas é consolada por Cisely com um artifício bem explorado no filme: uma personagem adentra as memórias espelhadas de outra e ambas reinterpretam o fato rememorado. Assim, Cisely entra nas memórias de Eve e tenta convencê-la de que viu apenas dois amigos bêbados num depósito — e não dois amantes. Mas Eve possui um repertório psíquico e mental que a irmã nem suspeita. Na mesma noite do baile, manifesta ter herdado o dom da clarividência, assim como sua matriarca mítica Eve e sua tia Mozelle Batiste Delacroix (Debbi Morgan). Eve prevê a morte de seu tio Harry Delacroix (Branford Marsalis), o terceiro marido que Mozelle enterra, realimentando o estigma de Viúva Negra do vilarejo.

Quando Mozelle se encontra em estado de luto, Eve surge como pulsão de vida, chamando a tia para a criação de vínculos, trazendo flores, luz e a retomada do compromisso com o trabalho. Ao testemunhar os atendimentos que a tia faz a uma clientela aflita, Eve conhece melhor o dom que herdou e passa a respeitar o vodu, ainda que desacreditado pelo pai médico. Mozelle torna-se mentora e cúmplice, ajudando Eve a acolher a mãe e a se tornar uma filha mais consciente das falhas de caráter do pai.

Mas o dom espiritual de Eve é significativamente diferente do de sua tia Mozelle, uma clarividente apresentada como respeitável conselheira espiritual do vilarejo, que recebe a clientela em casa com elegância e prestígio. Eve manifesta outros traços que a aproximam de Elzora (Diahann Carroll), uma personagem apresentada como uma aberração de circo, que atende numa barraca de feira, solitária, sem família, moradora do pântano profundo e cujo dom é tão temido quanto estigmatizado. Elzora ressente-se do tratamento social reservado a Mozelle e ainda assume que faz feitiços que evocam o mal e a morte. No entanto, eventualmente, Elzora assume uma faceta de trickster, gargalhando como uma bruxa má, lançando dúvidas sobre se seus feitiços funcionam de fato ou se são apenas troça e manipulação de superstições.

Assim, Eve se manifesta em uma intersecção que a constitui como a terceira face da “conjuradora”, conforme sugere Tarshia L. Stanley em seu artigo1, no qual rememora a figura da conjuradora no cinema negro contemporâneo. Segundo a autora, a conjuradora é um arquétipo que, ao longo dos séculos, tem sido “fonte de mistério e desordem, bem como de cura e poder” na tradição oral e na literatura afro-americana, ganhando espaço no discurso fílmico a partir de Eve’s Bayou. Embora frequentemente interpretada como uma bruxa na sociedade estadunidense, a conjuradora é, na verdade, uma espécie de griot, capaz de adivinhar passado e futuro, evocando memórias do misticismo e da magia africana. Embora não tenha um equivalente exato na cultura brasileira, a conjuradora se situa na intersecção entre as figuras da macumbeira, da mãe de santo e da benzedeira2.

No filme, a tia Mozelle é a conjuradora que segue a tradição de possuir o dom da visão para oferecer o alento da resposta imediata, além de encantamentos e talismãs de proteção. Assim, ela conjuga as funções de vidente, curadora espiritual e conselheira. Já Elzora é apresentada como uma conjuradora que, além de vidente, promete vingança e retaliação. No entanto, suas habilidades se sustentam também na manipulação de insinuações e superstições, em que o poder das palavras, combinado com gestos simbólicos, amplia a magia da conjuração. Eve é a confluência dessas facetas ou, nas palavras de Tarshia L. Stanley, “ela reconcilia ambos os aspectos contraditórios da conjuradora. Tem a mesma clarividência que sua tia Mozelle e um desejo pelo lado mais sombrio da conjuração, representado por Elzora, a personagem que usa o dom para se vingar e destruir.”

Aos dez anos de idade, Eve é uma conjuradora em estado de potência recém-desabrochada, mas ainda sem plena consciência do que está evocando. Adentrando as memórias espelhadas dos três maridos da tia Mozelle, aprende diferentes formas pelas quais uma mulher pode ser amada e desejada. Assim, testemunha que, embora Mozelle amargue a tragédia da viuvez compulsória, seus homens a respeitaram — algo bem diferente do que presencia no casamento de seus pais. Eve compreende a vulnerabilidade da mãe traída, pois, além de conhecer algumas pacientes do pai, sabe que tipo de “plantão” ele oferece e até se permite ser sarcástica quando ele performa o papel de médico dedicado ao vilarejo.

Eve estava prestes a se resignar com a infidelidade contumaz do pai quando Cisely, após sua menarca, sofre um colapso nervoso e aceita tratamento em uma clínica de saúde mental. Na véspera da internação, Cisely confidencia à irmã uma experiência de abuso e violência vivida com o pai. Esse é o ponto de virada que motiva a trama da morte do patriarca, seja pelo feitiço encomendado a Elzora, seja pela insinuação da traição de Metty Mereaux a seu marido, Lenny Mereaux. Depois de acionar o poder da morte — seja pelo vodu ou pela fofoca —, Eve tenta voltar atrás. Procura Elzora, que debocha de sua conjuração (in)consequente, e ainda corre até o local do crime para alertar o pai, mas não consegue evitar a tragédia.

O instante da morte de Louis Batiste é a confluência dos traços das três conjuradoras: ainda que Mozelle não tenha percebido de imediato, ela viu fragmentos da morte do irmão em sua visão – a caminhada de um homem sombrio nos trilhos do trem –, que se concretiza na chegada de Lenny Mereaux ao King’s, o clube noturno onde encontra sua esposa Matty e Louis. Mozelle também viu uma criança caindo, sem entender que era a imagem de Eve sendo empurrada pelo pai, numa tentativa de protegê-la da mira de Lenny. A previsão de Elzora para Roz, sobre um soldado que cairia sobre sua própria espada, se realiza quando Louis, acostumado à impunidade, testa pela última vez a paciência do marido traído. Por fim, Eve se revela uma conjuradora habilidosa na arte das palavras, seja ao manipular a psique de Lenny, seja como a boa griot que narra toda a crônica dessa tragédia anunciada.

Após o clímax da trama, a sequência final se desenrola nos desdobramentos da morte de Louis Batiste. No enterro, testemunha-se o choro resignado da viúva Roz, o choro escandaloso de Cisely e o choro doloso de Eve, que começa a estancar na cena de despedida de sua tia Mozelle. A vidente anuncia que irá se casar pela última vez com o pintor Julian Gray Raven (Vondie Curtis-Hall), na esperança de que morrerá ao lado dele, pois se cansou da solidão da viuvez. Como última mensagem, Mozelle transmite a Eve um recado póstumo de Louis: ele não esqueceu que ainda lhe deve uma dança.

Eve então adentra o escritório do pai, inala o cheiro de seu indefectível chapéu e o coloca na cabeça; abre sua maleta de trabalho, encontra o estetoscópio e examina o próprio coração. É nesse momento que descobre a carta que Louis endereçou a Mozelle, onde ele apresenta sua versão sobre o que aconteceu entre ele e Cisely na fatídica noite chuvosa de verão. Na carta, Louis admite que sua maior fraqueza era a necessidade de ser venerado como herói pelas mulheres, incluindo suas filhas. No entanto, ele responsabiliza Cisely pelo beijo que ocorreu naquela noite, sem reconhecer sua própria postura predatória.

A versão de Cisely sobre o episódio foi estarrecedora a ponto de encorajar Eve a tramar a morte do pai. Ainda assim, a carta abala suas convicções. Buscando a verdade definitiva, Eve confronta a irmã. Nesse momento, manifesta-se seu dom de ler mãos, assim como sua tia Mozelle, e as imagens em preto e branco do pântano se sobrepõem às suas visões. O que Eve enxerga sobre o beijo é inconclusivo e confuso. Escolhendo ficar ao lado da irmã, ela utiliza seu poder de conjuradora, que sabe manejar as palavras para o bem, e ajuda Cisely a se curar, afogando a carta do pai no pântano.

O retorno da voice-over de Eve adulta reforça que o filme é um grande flashback, revisitando os eventos daquela noite traumática. A protagonista repete o texto de abertura e, só então, assume que, assim como outras mulheres da família antes dela, também possui o dom da visão. “Mas a verdade muda de cor, dependendo da luz, e amanhã pode ser mais claro do que ontem”, reflete. Ela relembra que as memórias são seleções de imagens, algumas elusivas, outras indelevelmente impressas no cérebro, para concluir que “cada imagem é como uma linha; cada linha, tecida a outra, forma um tecido de textura complexa, e o tecido conta uma história. A história é nosso passado”.

A câmera acompanha bem de perto a última interação entre as irmãs até o momento em que a carta do pai desaparece nas águas do pântano. O plano então se abre gradualmente, até que as duas, de mãos dadas, se apequenam diante da vastidão da paisagem, com suas imagens refletidas no espelho d’água. Essa escolha narrativa, ao explorar as múltiplas dimensões do pântano como reservatório do inconsciente, potencializa os subtextos do filme, seja a delicada trama da circulação do desejo nas relações familiares, seja a jornada do dom da conjuração.

Adentrar o debate do Complexo de Édipo seria um terreno arenoso demais para os propósitos deste texto. Contudo, destaca-se a discordância de Laplanche em relação à concepção freudiana, que atribui à criança a iniciativa do Complexo de Édipo: “Percebe-se que, de certa forma, há um equívoco na atribuição da iniciativa do complexo. O iniciador das mensagens portadoras de sexualidade é o pai ou a mãe (ou o adulto). O incestuoso é potencialmente o adulto.”3 Uma possível citação edipiana no contexto do filme Eve’s Bayou é o elemento da clarividência, uma vez que, no mito, um oráculo profetiza a tragédia que desencadeia os eventos. O filme ousa ao fundir as funções de parricida e oráculo na figura da protagonista.

Outra alusão provável é a de Nanã, a orixá mais antiga, senhora das águas paradas, lamas e pântanos, como inspiração para Eve, a matriarca mítica. A construção de personagens que transitam entre fé e realismo fantástico tem sido um traço recorrente na obra da diretora Kasi Lemmons, como pode ser visto em Harriet, o personagem-título de seu último longa-metragem. Baseado na biografia de Harriet Tubman, o filme propõe uma escravizada fugitiva e abolicionista com o dom da clarividência, sendo capaz de ouvir Deus, assim como Moisés na libertação do povo hebreu da escravidão no Egito, rumo à terra prometida, Canaã.

Eve’s Bayou também remete a experiências anteriores na carreira da diretora. O médico Louis Batista carrega muito da figura do Dr. Hugo, personagem do primeiro curta-metragem de Kasi Lemmons, Dr. Hugo. Nele, um médico de vilarejo, na década de 1950, é especialmente atencioso com jovens e belas pacientes, além de manter um caso com a vizinha negligenciada pelo marido. A experiência de Kasi como atriz em O Silêncio dos Inocentes (1991), onde viveu a estagiária do FBI Ardelia Mapp, colega da protagonista Clarice Starling, certamente aprimorou seu repertório para o uso de elementos de thriller psicológico. Além disso, sua participação em Candyman (1992) estreitou sua percepção sobre o quanto o gênero de terror pode se ancorar nas memórias e lendas geradas pela violência da escravidão.

A análise da obra de Kasi Lemmons, seja como diretora, roteirista ou atriz, revela um começo promissor, mas que parece perder força com o tempo. Eve’s Bayou é uma obra-prima para quem até então havia dirigido apenas um curta-metragem e atuado em duas produções de grande porte. Considerando que um dos dons das conjuradoras é ser griot na diáspora negra, Kasi Lemmons se destaca como uma narradora que introduziu o discurso fílmico na tradição das conjuradoras, ampliando o imaginário sobre essas figuras na sociedade estadunidense. O que, então, teria desacelerado a construção do legado de Kasi Lemmons? Se o cinema é um paraíso para o establishment, ainda permanece um pântano para os outsiders.

Viviane Pistache é preta, mineira, pesquisadora, roteirista, curadora e, de vez em quando, crítica de cinema.

  1. 1 Tarshia L. Stanly. As três faces em Amores divididos: rememorando a conjuradora no cinema contemporâneo negro https://ccbb.com.br/wp-content/uploads/2022/05/CATALOGO-Mulheres-magicas.pdf ↩︎
  2. Nota de Cátia Maringolo que traduziu o texto da Tarshia L. Stanley: Para que possamos compreender a figura da conjure woman e a escolha por traduzir a expressão como “conjuradora”, acreditamos que é preciso ter em mente de que se trata de uma existência de mulher negra nos Estados Unidos e que, como o texto sugere, tem como marco literário a publicação do livro Conjuring Woman por Charles W. Chesnutt, em 1899. Parece-nos, a partir da leitura do artigo e de pesquisas realizadas, que a conjuradora se refere à existência de uma mulher negra da diáspora (mais especificamente afroestadunidense) e que, de acordo com a nossa leitura, parece confluir três imagens, identidades, ou existências negras no Brasil: a macumbeira (que carrega muito de uma percepção social de mulheres negras mágicas, ou encantadas) como aquela que pode trazer ou criar boa ou má sorte; a benzedeira, uma mulher de amplo conhecimento de ervas, mas também de algo de magia; e também uma mãe de santo, a que consegue enxergar além (futuro, passado). A tradução de conjure woman como conjuradora é coerente com o termo em inglês, além de ser utilizada nos poucos artigos em português sobre o assunto, em especial sobre o livro de Chesnutt. Assim, é preciso ter em mente um olhar interseccional para a experiência ou vivência de mulheres negras mágicas, e nesse sentido também como uma oposição, ou um contraponto, às imagens convencionais da bruxa, representadas majoritariamente como mulheres brancas ou a partir de uma perspectiva europeizante. ↩︎
  3. LAPLANCHE, Jean. O gênero, o sexo e o Sexual (2003). In: Sexual: a sexualidade ampliada no sentido freudiano 2000-2006. Porto Alegre: Dublinense, 2015c ↩︎