Para além da dancinha: o significado das comemorações nas Copas do Mundo
Desde protestos por igualdade de gênero até homenagens a personagens importantes do futebol, as comemorações dos gols podem contar grandes histórias
Desde protestos por igualdade de gênero até homenagens a personagens importantes do futebol, as comemorações dos gols podem contar grandes histórias
Por Heloísa Fahl
São 90 minutos (ou mais) de muita luta e técnica para chegar a um objetivo claro: o gol! Sim, é óbvio que o que mais chama a nossa atenção são aquelas jogadas que parecem pinturas e colocam as seleções em vantagem no placar. Mas o momento de celebração e euforia posterior, sejam críticas políticas, sociais ou homenagens carinhosas a figuras importantes, muitas vezes, traz grandes significados com ele.
Vamos começar falando da coreografia após o primeiro gol do jogo de 24/07/23, no qual o Brasil venceu o Panamá por 4 a 0, em sua estreia na Copa do Mundo 2023. Conforme apurado pelo G1 (ver matéria) e pela entrevista das atletas para a CazéTV, Ary Borges, autora do gol, e Kerolin, fizeram a dancinha para uma música criada pelo cantor alagoano Murilo Fernandes, em homenagem à rainha Marta (ver no TikTok). A admiração e o respeito de Ary, em relação à Marta, nunca foram segredo – ela se apresentou à Seleção usando uma camiseta com fotos da nossa incrível camisa 10, no início de julho, em Brasília. Por essa ser a última Copa de Marta e por tudo que ela significa para o esporte e para as mulheres no Brasil, a homenagem é mais que válida.
Já que estamos falando sobre a rainha Marta, não podemos deixar de mencionar a celebração do seu primeiro gol na Copa da França, em 2019, que ocorreu no jogo contra a Austrália, em 13/06/2019, ainda na fase de grupos. Marta levantou a perna, apontando para a chuteira onde não havia nenhum patrocínio, e sim o logo da iniciativa Go Equal, que promove a igualdade de gênero no futebol e que Marta endossa até hoje.
Foi, também, na edição de 2019 que uma comemoração, da norte-americana Alex Morgan, causou bastante controvérsia. O jogo era a acirrada semifinal contra a Inglaterra, na qual os Estados Unidos levaram a melhor. Ao marcar o seu gol, Morgan simulou estar tomando um chá e essa ação gerou inúmeros comentários ao redor do mundo – tanto positivos quanto negativos. Segundo a reportagem “What is the Alex Morgan tea sipping celebration? USWNT & Tottenham star’s goal gesture explained”, do site GOAL, algumas pessoas acharam um ato desrespeitoso com o objetivo de debochar da cultura inglesa, popularmente conhecida pelo seu alto consumo de chá. Outros chegaram a assumir que era uma referência à “Festa do Chá de Boston” (Boston Tea Party, em inglês), um protesto que ocorreu em 1773 e abriu o caminho para a Revolução Americana de 1776, ano em que o país declarou independência da Inglaterra. Alex Morgan, porém, declarou posteriormente que essas interpretações estavam erradas e que em nenhum momento ela teve intenção de ofender a Inglaterra. Em suas redes sociais, disse que estava, apenas, fazendo uma homenagem à atriz Sophie Turner, de Game of Thrones, que usava o termo “That’s the tea” (expressão usada após se contar uma fofoca). Na ocasião, Morgan, também, sinalizou o fato de não existir tanta crítica negativa à forma, muitas vezes imprópria, que os homens comemoram os seus gols.
Outra celebração que trouxe à tona a reflexão sobre como existem padrões diferenciados no julgamento das atitudes de homens e mulheres foi a da jogadora Brandi Chastain, na final vencida pelos Estados Unidos, em 1999. Após converter o pênalti, que deu o título à seleção norte-americana, Chastain teve a ação espontânea de retirar a camisa e girá-la no ar para celebrar o seu gol. A foto daquele momento rodou o mundo e ainda é extremamente simbólica no cenário esportivo. Uma reportagem de Alison Gee da BBC World Service, publicada em 2014, porém, lembra que a jogadora recebeu uma enxurrada de críticas, na época, alegando que ela se aproveitou do momento para desviar a atenção do futebol e do campeonato para si mesma. Vale ressaltar que a jogadora estava com um top da Nike por baixo da camisa, o que chegou, até mesmo, a gerar especulações sobre aquilo ter sido uma ação de marketing, fato que ela negou. Um ano depois, em 2000, tirar a camisa em comemorações de gols tornou-se atitude passível de cartão amarelo, conforme apresentado na reportagem “The Sports Bra Seen Round the World Has New Meaning 20 Years Later”, de Jeré Longman, publicada em 2019 no The New York Times.
Por fim, retornamos à atual edição da Copa do Mundo. Apesar de ainda ter muita bola para rolar e gols para acontecer, uma celebração já chama a atenção: foi a de Sophia Smith, após seu segundo gol, contra o Vietnã, na vitória dos Estados Unidos por 3 a 0. Ela e a sua companheira de time, Naomi Girma, escolheram dedicar essa Copa à Katie Meyer, que também foi companheira de time de ambas, na faculdade de Stanford. Meyer, que faleceu no ano passado, ganhou notoriedade ao celebrar uma de suas defesas (a atleta era goleira), durante a NCAA College Cup de 2019, fazendo o sinal de estar “fechando o zíper” em seus lábios. Foi assim que Smith comemorou o seu gol no jogo do último dia 22/07. Conforme sinalizado na reportagem de Meredith Cash, publicada online no Insider, Smith, Girma e outras atletas da seleção dos Estados Unidos também se juntaram ao movimento “Common Goal”, para dar maior visibilidade às discussões sobre saúde mental dentro do futebol, assunto que envolveu o falecimento de Meyer.
Muita coisa já aconteceu nessa Copa, mas ainda restam bastantes dias para celebrar a maior competição de futebol de mulheres do mundo. Enquanto direcionamos a nossa atenção para o maior palco da modalidade, durante essas próximas semanas, tem muita coisa acontecendo nos bastidores e as “dancinhas”, após o principal ato do espetáculo (o gol), podem também contar grandes histórias.
Texto produzido em cobertura colaborativa da NINJA Esporte Clube