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Oscar 2025: ‘Wallace & Gromit: Avengança’ e o potencial do stop motion
A animação envolve o público e reflete sobre temas atuais com piadas sutis e linguagem acessível.
Por Hyader Epaminondas
Indicada ao Oscar 2025 na categoria de Melhor Animação, a obra do estúdio Aardman retorna para exaltar o charme do stop motion, enquanto explora temas interessantes com humor na medida certa. O novo capítulo dos amantes de queijo Wallace e Gromit surge inesperadamente como uma narrativa conectada aos dilemas contemporâneos. Com a visão criativa dos diretores Nick Park e Merlin Crossingham, a animação oferece uma reflexão instigante sobre a obsessão tecnológica e suas consequências com uma abordagem lúdica, transformando o avanço que deveria simplificar nossas vidas em um elemento caótico, por vezes perigoso.
A trama se desenvolve em torno da mais nova invenção de Wallace: um gnomo-robô chamado Norbot, projetado para cuidar da jardinagem e limpeza. Como já é habitual nas criações de Wallace, a tecnologia rapidamente foge ao controle. Apesar da aparência inocente e das falas pontuais do gnomo, repletas de comédia situacional, a animação se aprofunda nas armadilhas do uso irresponsável da tecnologia.
Gromit, o fiel cachorro de Wallace, se torna a personificação silenciosa da razão, transmitindo todos os seus pensamentos puramente pelo seu olhar e sua expressão corporal incrivelmente bem animada. Sua desconfiança em relação à automação desenfreada contrasta de forma brilhante com a dependência ingênua de Wallace, criando um equilíbrio cômico perfeito entre prudência e imprudência. Wallace, em sua típica criatividade ilimitada, já havia transformado sua casa em um protótipo de casa inteligente, cheia de invenções fascinantes, mas inevitavelmente imperfeitas e repletas de falhas.
Essas criações, além de refletirem sua personalidade excêntrica, são ilustradas com trocadilhos inteligentes que reforçam o humor característico da série. Ao mesmo tempo, elas pontuam os riscos e as ironias de depender cegamente da tecnologia. Enquanto Wallace representa os excessos de um inventor com imaginação infindável, Gromit traz uma perspectiva crítica sobre os limites da tecnologia moderna e nossa relação com ela.
Outro ponto de destaque é o retorno do vilão Feathers, o pinguim mudo e extremamente expressivo – apesar de seus detalhes simplistas -, que volta à cena para buscar o lendário diamante azul. Sua presença remete aos primeiros curtas da dupla e, assim, traz um humor que transita harmoniosamente entre o diabólico e a fofura cômica.
O contraste entre o comportamento calculista de Feathers e o caos causado pelas invenções de Wallace cria momentos inesquecíveis, intensificando o tom cômico e a tensão da história. A combinação desses três elementos, o vilão de expressão gélida, o cachorro destemido a la Tom Cruise e o inventor trapalhão, traz um equilíbrio que cativa tanto os mais jovens quanto os adultos que cresceram com a franquia.
Por trás das esculturas de massinha
Em paralelo à trama principal, a animação também apresenta uma crítica afiada sobre nossa crescente propensão a abraçar soluções rápidas e aparentemente mágicas. Esse ponto é ilustrado de maneira lúdica, através das invenções e da maneira como as pessoas, em sua busca pela facilidade, se tornam cada vez mais suscetíveis a riscos.
O uso desenfreado da tecnologia tem transformado seu papel de facilitadora da vida humana para um agente que, muitas vezes, complica a existência. Ao invés de melhorar a produtividade, o excesso de dependência da tecnologia torna as pessoas mais distraídas e menos eficientes, criando uma sensação de insegurança em um mundo cada vez mais interconectado e digitalmente vulnerável.
O paradoxo dessa dependência é ilustrado de forma cômica na relação entre a dupla protagonista. A ideia de uma casa inteligente reflete a visão distópica de como a automação, quando mal implementada, pode transformar o cotidiano em um emaranhado de falhas e frustrações, como evidenciado pelas engenhocas de Wallace que nunca funcionam como esperado.
Um bom exemplo disso podemos observar na atual tendência de ceder – em troca de uma recompensa monetária pífia -, dados sensíveis ou nossas próprias retinas, sem questionar para onde essas informações vão ou como serão utilizadas. Estamos vendo acontecer em São Paulo.
Essa discussão sobre a segurança digital, ainda que de forma subliminar, destaca os riscos de uma dependência tecnológica que não se preocupa com as implicações de longo prazo, criando um alerta sobre a vulnerabilidade diante de sistemas digitais cada vez mais complexos. O mais legal desse tópico é que a ferramenta para sintetizar essa discussão é através de uma abordagem lúdica do pinguim Feathers, que invade a conta digital de Wallace por ter colocado uma senha de fácil adivinhação.
Artesanal em cada detalhe
Elogiar a qualidade do stop motion da Aardman é chover no molhado. O estúdio continua em constante evolução onde cada movimento, rápido e detalhado, pulsa com uma fluidez imersa na diversidade proporcionada por cada um dos personagens. As figuras de massinha, ao se movimentarem, transmitem a essência da vida de maneira orgânica, o que é um feito impressionante dada a técnica artesanal envolvida.
Nesse universo encantado de imagens em movimento, as piadas visuais transcendem a simplicidade. Um exemplo brilhante disso é o uso literal do conceito de “reboot” (reiniciar) em uma cena que envolve botas, de maneira tão criativa e cômica que a ideia é transformada em um jogo de palavras visual. Esses detalhes, aparentemente simples, são um toque de genialidade que encapsula o humor afiado que só o estúdio Aardman sabe oferecer.
A magia do stop motion não está apenas no resultado que vemos na tela, mas também no processo criativo por trás dele – onde até mesmo os atalhos criativos para facilitar a fluidez da animação funcionam perfeitamente, transmitindo uma sensação quentinha de esforço coletivo e dedicação que só pode ser alcançada com esse tipo de técnica.
Assistir ao making of dessa animação é como desvendar os segredos de um encantamento: a maneira meticulosa como cada movimento dos bonecos de massinha é planejada, os detalhes minuciosos dos cenários feitos à mão e o cuidado artesanal da equipe técnica revelam um trabalho tão fascinante quanto o filme em si.
Disponível na Netflix, ‘Wallace e Gromit: Avengança’ reafirma o stop motion como uma forma de arte que resiste ao tempo, enquanto questiona sua relação com a tecnologia e até alfineta os estúdios que se tornaram dependentes da animação computadorizada. A animação é uma reflexão sobre a nossa relação com as inovações tecnológicas.
Texto produzido em colaboração a partir da Comunidade Cine NINJA. Seu conteúdo não expressa, necessariamente, a opinião oficial da Cine NINJA ou Mídia NINJA.