Por Juliana Gomes

O Oscar 2025 avança no debate sobre representatividade, mas ainda evidencia as barreiras estruturais da indústria cinematográfica. A histórica indicação de ‘Ainda Estou Aqui’ na categoria de Melhor Filme é um marco para o cinema brasileiro, inserindo o país em uma conversa global sobre memória e resistência. No entanto, a crescente diversidade entre cineastas, roteiristas e atores latino-americanos e negros ainda esbarra em desafios estruturais, tanto no acesso a oportunidades quanto no reconhecimento pela Academia.

A premiação deste ano demonstra um olhar mais atento para questões sociais e políticas, reafirmando o cinema como uma poderosa ferramenta de reflexão. ‘Emilia Pérez’, de Jacques Audiard, exemplifica essa interseção entre arte e ativismo ao abordar temas como identidade de gênero e imigração. No entanto, a produção também levanta questionamentos sobre apropriação e representação, uma vez que, apesar de ambientado no México, o filme foi dirigido por um cineasta francês e tem um elenco majoritariamente não mexicano. Essa escolha expõe uma contradição: ao mesmo tempo em que apresenta uma narrativa relevante, reforça a persistência de olhares estrangeiros sobre histórias latinas, uma prática recorrente na indústria cinematográfica.

Ainda assim, a indicação de Karla Sofía Gascón ao Oscar de Melhor Atriz – a primeira mulher trans a concorrer na categoria – representa um marco histórico, apesar das controvérsias envolvendo antigos tweets da atriz. As declarações ressurgiram durante a temporada de premiações, gerando repercussão negativa e impactando a campanha de divulgação de ‘Emilia Pérez’. Sua presença na disputa sinaliza avanços, mas também evidencia a lentidão da indústria em ampliar oportunidades para artistas trans e não binários, que ainda encontram espaço limitado tanto em papéis protagonistas quanto nos bastidores.

Para o Brasil, esta edição do Oscar tem um significado especial. Fernanda Torres segue os passos de sua mãe, Fernanda Montenegro, tornando-se apenas a segunda brasileira indicada a Melhor Atriz, um feito que ressalta tanto o talento quanto a escassez de representatividade latina na categoria ao longo das décadas. Já ‘Ainda Estou Aqui’ insere o país em uma discussão global ao explorar as marcas do autoritarismo e a necessidade de preservar a memória histórica, um tema que ressoa além das telas.

A premiação também amplia o espaço para narrativas políticas. O documentário ‘Soundtrack to a Coup D’État’, indicado a Melhor Documentário, revisita golpes militares do século XX e suas conexões contemporâneas, reforçando o papel do cinema como espaço de denúncia e questionamento. Filmes como esse provocam o público a repensar a história sob novas perspectivas, algo essencial em tempos de revisionismo e desinformação.

Apesar desses avanços, algumas estruturas permanecem inalteradas. A categoria de Melhor Direção, por exemplo, segue majoritariamente masculina, com Coralie Fargeat (‘A Substância’) como a única mulher indicada. A recorrência desse cenário reforça a necessidade de mudanças no sistema de seleção da Academia e no próprio mercado cinematográfico, onde as oportunidades para diretoras ainda são desproporcionais.

A 97ª edição do Oscar, que acontece em 2 de março, promete debates intensos sobre representatividade e política na sétima arte. Mais do que premiar filmes, a cerimônia se torna um termômetro das transformações – e das resistências – dentro da indústria. Acompanhe nossa cobertura para análises aprofundadas e os destaques da noite.

Texto produzido em colaboração a partir da Comunidade Cine NINJA. Seu conteúdo não expressa, necessariamente, a opinião oficial da Cine NINJA ou Mídia NINJA.