Oscar 2023: o que esperar do melhor diretor?
Uma certeza já temos: o vencedor será um homem, remontando a convencionalidade da categoria que historicamente é carimbada pela falta de representatividade feminina
Por Lenine Guevara
O que esperar da indicação a Melhor Direção no Oscar deste ano? Primeiramente é a certeza de que o vencedor será um homem. A 95ª edição do Oscar remonta a convencionalidade da categoria que historicamente é carimbada pela falta de representatividade feminina, com apenas 7 indicações e 3 vencedoras (Kathryn Bigelow, em 2010, pelo filme “Guerra ao Terror”, Chloé Zhao, em 2021, por “Nomadland” e Jane Campion em 2022 por “Ataque de Cães”). Aparentemente a Academia deve ter sentido já completar a cota da presença feminina nas duas últimas edições do Oscar. Isso não quer dizer que os indicados na categoria sejam produções que não mereçam nomeações, mas que no páreo, havia uma pluralidade de candidatas com filmes qualificados para a competição.
Sem delongar mais, vamos aos 5 candidatos desse ano. E as nomeações foram para: “Tudo em Todo o Lugar ao Mesmo Tempo” de Daniel Kwan e Daniel Scheinert (The Daniels); “Os Fabelmans” de Steven Spielberg; “Tár” de Todd Field; “Os Banshees de Inisherin” de Martin McDonagh; e,“Triângulo da Tristeza” Ruben Östlund. Depois de fazer história na 38ª edição do Film Independent Spirit Awards com 7 premiações “Tudo em Todo o Lugar ao Mesmo Tempo” sai como grande favorito ao Oscar de melhor direção para Daniel Kwan e Daniel Scheinert (The Daniels).
O favoritismo já não era novidade, porque o filme recebeu o maior número de indicações pela Academia na sua 95a edição, com 11 estatuetas. A trajetória bem sucedida do filme se traduz na atualidade feroz do tema do multiverso, mas não somente. O tema não é novidade, existem milhares de produções que criam realidades paralelas através de fendas temporais, entretanto, a simultaneidade de existências no que vem sendo conhecido como multiverso, aproxima a experiência atual com a ficção de “Tudo em Todo o Lugar ao Mesmo Tempo”. A novidade aparece na questão da sobrecarga, que muito pouco ou nada é retratado em filmes com jornadas de heróis e realidades fantásticas, que envolvem a multiplicação do personagem em diversas versões de si mesmo. No filme a imigrante chinesa, Evelyn Wang (Michelle Yeoh) experimenta a ruína no trabalho, no casamento, com a família e com o Estado. A impaciência diante da falência de todas as instituições que cercam sua vida, abrem uma espécie de fenda em um multiverso, no qual a personagem ganha tons de heroína e tem a capacidade de salvar o mundo. No entanto, ela precisa lidar com o aprisionamento nessa jornada multiplicada das variações de si e na busca de seu retorno para a casa.
Ainda que seja favorita, a premiação sempre pode nos surpreender. Mas não apostaria na indicação de Steven Spielberg em “Os Fabelmans”. O queridinho de Hollywood em sua autobiografia homenageia e traça a influência de John Ford e do gênero faroeste em sua produção. Spielberg, ao fazer de seus filmes a própria rota histórica de Hollywood, que se confunde com sua trajetória profissional, dificilmente sai do tapete vermelho e da indicação a melhor direção. A Academia, no entanto, criticada pelo protecionismo de figuras lendárias e carimbadas, por mais ou menos que quisesse render este Oscar a Spielberg, neste contexto atual, se encontra em dificuldade de seguir contemplando o cercado dos escolhidos, o que leva a toda a cena do cinema seguir apostando em “Tudo em Todo o Lugar ao Mesmo Tempo”.
Outro páreo é “Tár” de Todd Field. Na contramão do favorito ao Oscar de Melhor Direção, a produção apresenta uma montagem monocórdica em um investimento temático envolvendo a vida de uma maestrina da Filarmônica de Berlim (Lydia Tár), que se prepara para gravar a Quinta Sinfonia de Mahler com a orquestra.
O longa de 2h40min já nasce na contravenção temporal das produções fílmicas atuais, que encurtam seus formatos para dar conta da atenção do público. O arco narrativo, bem como a atuação espetacular de Cate Blanchet parecem ser os ingredientes que renderam a Field essa indicação. A presença de uma certa disparidade entre a personagem central e sua própria história deflagra um distanciamento no acompanhamento da protagonista, que endossa a crítica à frivolidade dramática e mesmo do elitismo presente na vida de personalidades destacadas, como uma maestrina de uma das orquestras mais reconhecidas do mundo. Esse distanciamento e pasteurização no entrecruzamento de culturas aparentemente antagônicas como a cena da música clássica e os fenômenos atuais da cultura em rede e mídias sociais, deflagram a globalização da vida virtual, dos temas específicos das redes sociais, como a cultura do cancelamento, sobrepondo até mesmo os movimentos artísticos e culturais que envolvem o oposto à efemeridade: os ofícios de pesquisa, de duração, de perenidade. A personagem, que ondula entre essas duas frequências (fofocas, rapidez e efemeridade das redes sociais x aprodundamento, perenidade da pesquisa musical), acaba se demonstrando alheia e fora dos dois mundos que vão aparecendo, revelando um processo de autismo da personagem, que também está presente na construção narrativa-visual do filme.
A próxima indicação, “Os Banshees de Inisherin” de Martin McDonagh, parece também ter caído nas graças da Academia. Desde de 2018 o diretor vem sendo indicado à categoria de melhor direção, e, com a presença da atuação de Colin Farrel, outro queridinho da américa, o destaque pareceu inevitável. Além desse time bem quisto, outro fator que justifica a presença do filme na indicação é a linguagem do filme que bebe na dramaturgia do que se convencionou chamar teatro do absurdo, englobando referências à temporalidade becketiniana para tratar da história prosaica de dois parceiros Pádraic (Farrell) e Colm (Gleeson), que se tornam inimigos, tendo como contexto a guerra civil irlandesa dos anos de 1920. A narrativa se passa em uma locação ficcional com o mote do isolamento insular, que relembra no pano de fundo as múltiplas citações à cinematografia norte-americana presentes em “Shutter Island”, de Martin Scorsese. Parece que as produções que conseguem sintetizar em si os cânones contemporâneos da linguagem cinematográfica hollywoodiana tem endereço certo nas indicações a melhor direção.
Por fim, temos a presença do diretor sueco Ruben Östlund que fez sucesso em Cannes e no Oscar de 2015 pelo filme “O Turista” e foi agraciado com a Palma de Ouro em 2017 por “The Square: A arte da discórdia”. Seu longa-metragem mais atual “Triângulo da Tristeza” estava sendo aguardado pela crítica e cena da indústria cinematográfica e arrematou novamente a Palma de Ouro em Cannes 2022. Östlund é conhecido por seu humor sarcástico sobre o impacto das elites classistas no mundo, da empáfia e da sensação esvaziada de poder, retratando a monarquia sueca, a elite cultural, a classe média europeia, e, em seu mais novo filme, a elite de super ricos, clichetipicamente representados por personagens com as nacionalidades mais poderosas do globo. A carreira do filme e a coerência da trajetória de Östlund podem surpreender no Oscar.
Surpresa, entretanto, não há com a falta de diretoras nas nomeações deste ano, em que retornam os padrões da Academia. Lembrando Gina Prince-Bythewood, diretora de “A Mulher Rei”, marco aqui meu desagravo com as nomeações da edição. As produções são boas, mas o páreo de filmes dirigidos por mulheres não esteve atrás das nomeações que apresentamos. Este sim seria o tapete vermelho para melhor direção nesta edição:
Texto produzido em cobertura colaborativa da Cine NINJA – Especial Oscar 2023