Os problemas nas nomeações de Melhor Filme Internacional no Oscar
Mudanças pouco expressivas na grande festa do cinema mundial acentuam a falta de objetivos claros na seleção de filmes internacionais
Por Aline Gomes para cobertura colaborativa da Cine NINJA
Para produções que não nasceram diretamente da indústria hollywoodiana, ser indicado ao Oscar pode ter muitos aspectos positivos. A oportunidade de fazer parte dos indicados na categoria Melhor Filme Internacional pode dar visibilidade à produção num dos cenários cinematográficos mais expressivos do mundo. A nomeação ainda pode impulsionar a distribuição nos Estados Unidos, podendo significar um passo importante para qualquer cineasta que deseja fazer filmes no futuro, pois a visibilidade da Academia abre portas para robustos investidores dessa indústria.
A premiação de filmes fora do eixo norte-americano nem sempre existiu no Oscar. Quando a cerimônia foi realizada pela primeira vez em 1929, os filmes internacionais não estavam entre as 12 categorias representadas. Somente em 1957, o Oscar de Melhor Filme em Língua Estrangeira foi concedido para o filme de Federico Fellini, A Estrada da Vida. Desde então, a própria nomenclatura dessa categoria parece refletir a falta de traquejo para lidar com a forma de enxergar nos dias de hoje as produções consideradas estrangeiras. Em abril de 2019, depois de mais de seis décadas de existência, a Academia decide trocar o título do prêmio para “Melhor Filme Internacional”. O novo rótulo ilustra a tentativa em reorientar o modo como a Academia pensa o cinema mundial. Segundo Larry Karaszewski e Diane Weyermann, co-presidentes do Comitê da categoria no Oscar, o termo ‘estrangeira’ está desatualizado na comunidade cinematográfica global”, eles ainda ressaltaram que a troca “representa melhor esta categoria e promove uma visão positiva e inclusiva do cinema e da arte do cinema como uma experiência universal.”
No entanto, mudar o nome parece não resolver os problemas em relação à elegibilidade dos filmes que são submetidos ao prêmio. Uma das regras exige que a obra contenha predominantemente mais de 50% de um idioma ou mais que não seja o inglês. Essa determinação deixa de fora produções de países cujo inglês é o idioma oficial. Não podemos esquecer que a língua inglesa é herança de um período colonial em países africanos. Foi o caso da produção nigeriana, Lionheart (2018), que foi representante do país no Oscar de 2020. O filme foi desqualificado pela Academia porque a trama era principalmente no idioma inglês, que é a língua oficial da Nigéria.
Outro exemplo da ineficiência dessa regra foi o caso do filme egipicio A Banda (2007), também desclassificado em 2008 por usar o idioma inglês. Embora os personagens falassem outros idiomas na narrativa, a língua inglesa era um elemento essencial para a trama, pois contava a história de uma banda composta por músicos egípcios que se perde em uma pequena cidade de Israel. Entre o arabe e o hebraico, o inglês era a única linguagem em que os personagens podiam se comunicar.
Nesses casos como em outros, filmes que apresentam muitas falas em inglês podem ser considerados insuficientemente “internacionais”. Ou seja, por mais que a troca de nomenclatura demonstrasse um esforço para encarar filmes feitos fora das fronteiras americanas, como parte de um cenário cinematográfico mais amplo, a normativa continuava impondo um olhar engessado para essas produções.
Além do idioma, ainda existem outras regras da categoria que também são questionáveis. Em outras situações a Academia desqualificou obras candidatas porque entendeu que um filme não deixou os aspectos criativos suficientemente no controle de talentos locais. Algo que até poderia ser razoável, pois incentivaria a contratação de profissionais da região, aquecendo o mercado cinematográfico do país. No entanto, esse requisito também causa desqualificações pouco sustentáveis. Foi o que aconteceu com o filme de 2008 do diretor taiwanês Ang Lee. Desejo e Perigo não entrou na corrida pelo Oscar na categoria porque alguns dos principais membros da equipe do filme não eram taiwaneses. A Academia disse que o cineasta não provou que “o talento criativo daquele país exercia o controle artístico sobre o filme.”. Ora, parte da equipe do filme era japonesa, pois as filmagens ocorreram no Japão, a contratação de staffs locais certamente pesaria menos no orçamento da produção, fazendo mais sentido financeiramente contratar profissionais do país de locação das filmagens.
Poucos anos depois, em 2011 o mesmo ocorreu com o representante da Albânia. Perdão de Sangue trazia a narrativa em língua albanesa, com grande parte de sua equipe sendo albanesa, no entanto, a Academia sentenciou a inelegibilidade do filme, alegando que vários membros da produção não eram albaneses. Mas a mesma régua parece não servir para todos. Estranhamente, nesse mesmo ano, a Finlândia entrou com o filme de Aki Kaurismäki, O Porto. Filmado na França, com diálogos e elenco francês, o filme não chegou até a lista dos finalistas, mas foi aceito normalmente na corrida entre os candidatos daquele ano.
A relação de cada candidato com um país específico também pode ser um calcanhar de Aquiles na categoria. Mesmo estando entre os mais mais elogiados nas produções estrangeiras, filmes como Diários de Motocicleta (2004) de Walter Salles – uma coprodução internacional que nunca foi apresentada como candidata na categoria por nenhum país – e Fale com Ela (2002) de Pedro Almodóvar, que não conseguiu se candidatar por não ter sido a escolha oficial da Espanha, se obrigam a tentarem a nomeação em outras categorias da Academia, algumas vezes resultando numa premiação de destaque como no caso do diretor espanhol que ganhou o Oscar de Melhor Roteiro Original em 2002.
Ainda existem os casos que conseguiram a dupla nomeação nas categorias Melhor Filme e Melhor Filme Internacional: o épico argelino-francês Z, indicado em 1970; o italiano A vida é Bela, indicado em 1999, o chinês O Tigre e o Dragão, nomeado em 2001; o drama francês Amor, indicado em 2013; e o mexicano Roma concorrendo em 2019. Todos esses cinco títulos têm algo em comum: venceram na categoria de Língua Estrangeira, mas nenhum foi coroado como Melhor Filme. A proeza foi alcançada em 2020 pelo filme coreano de Bong Joon Ho, Parasita.
Todos esses pontos ressaltam que as regras, afinal, são apenas úteis quando servem ao propósito para o qual foram criadas e elas podem ser úteis ou estúpidas. De fato, a mudança do nome não foi suficiente para contemplar e prestigiar de forma honesta filmes tão importantes para a história do cinema. Um avanço real envolve mudanças significativas na Academia, a questão é se essa grande premiação tem objetivos de ser mais proativa na articulação de suas relações com filmes que não saíram da fantástica fábrica hollywoodiana.
Texto produzido em cobertura colaborativa da Cine NINJA – Especial Oscar 2023