Extremos climáticos na Amazônia e o desafio do bem viver
Povos e comunidades tradicionais enfrentam impactos do colapso anunciado
Por Mariana Castro
Se um dia o termo emergência climática parecia algo para inglês ver, hoje bate às portas até dos mais desacreditados com água ou fogo, mas infelizmente quem mais sofre com as consequências são aqueles que já viviam empobrecidos e marginalizados pelo atual modelo econômico que é base do sistema capitalista, pautado pela exploração insaciável dos bens comuns da natureza.
Essa é a realidade vivida por povos e comunidades tradicionais da Amazônia, que nos últimos anos vive extremos climáticos marcados por secas e enchentes históricas, a exemplo de Roraima, alcançando recordes de focos de calor e incêndios e, de outro, o Acre, calculando mortos e desabrigados por alagamentos e enchentes de uma proporção nunca antes vista na região.
Outro dia conversei com um indígena Huni Kuin, lá do Acre, e ele me contou que quem trouxe todos esses desastres foram os nawá, que são os não indígenas na sua língua materna. Também foram os indígenas que lembraram, lá em 2023, durante o Acampamento Terra Livre (ATL), em carta aberta a toda a sociedade mundial, que estamos em estado de emergência climática.
Tudo bem que isto não é fato novo, muito menos dito agora, mas com o fogo e a água às nossas portas, tal qual São Tomé que só acredita vendo, percebemos uma movimentação maior em torno de planos e estratégias de reverter, ou pelo menos, minimizar essa situação – e o que mais está por vir.
Apesar do entraves do capitalismo, que nos empurra, cada vez mais, rumo ao colapso climático, entre outras ações, por meio do desmatamento, da mineração ilegal e contaminação de rios e nascentes, muitas iniciativas já estão em curso, em especial aquelas desenvolvidas milenarmente pelos próprios povos do campo, da floresta e das águas, que mais do que ninguém, cultuam e defendem o respeito à natureza e praticam o que chamamos de bem viver, conceito esse que está na contramão daquele modelo de desenvolvimento que enxerga a natureza apenas como fonte de insumos para a produção de mercadorias.
Contamos também com pesquisadores e ativistas qualificados e debruçados sobre a causa, sejam eles academicistas ou da escola da vida, a exemplo do seringueiro acreano Chico Mendes, que nos deixou um imensurável legado em defesa das florestas, mas que hoje tem sua casa estampada em capas de jornal sob o lamento da emergência climática que tanto tentou evitar.
De tão triste, a imagem remete a um pedido de socorro do próprio Chico Mendes, afogado em luta e desafios para ser escutado, compreendido e, enfim, ver alcançada a aliança de todos os povos em defesa da Amazônia.
Como dizem, em dezembro de 1988 Chico, assassinado por grileiros, pagou com a própria vida para que a Amazônia fosse reconhecida como ‘a menina dos olhos mundo’, inclusive título de um livro do também amazônida e defensor histórico do bioma, o poeta Tiago de Melo.
Tiago que em vida, chorou em versos a morte de Chico: “eis que a vida do homem é o que ele faz e fala, escreve e canta. Vives: dás fundamento ao porvir.”
O porvir cantado, versado e até gritado outrora por tantos que tombaram nesta luta chegou. E apesar das tragédias já em curso e do colapso anunciado e assinado por mais de 15 mil cientistas sob a frase marcante de que “infelizmente, o tempo acabou”, estamos diante de novas possibilidades, com a necessidade e urgência de serem compreendidas pela sociedade civil e, acima de tudo, revertidas em políticas públicas que, de fato, garantam não apenas a sobrevivência, mas também o bem viver.
Para que possamos criar o novo, bebemos de fontes do passado, aliadas aos novos frutos de hoje. Uma dessas fontes que também nos deixou muitos ensinamentos foi a querida Ana Primavesi, pioneira da agroecologia no Brasil e referência internacional que, ao longo da vida, apontou que as alterações climáticas podem e devem ser minimizadas com o manejo ecológico.
Inclusive, foi inspirado em Primavesi, Chico, Tiago, Maria, João e tantas outras referências que compartilham saberes, vivências e resistência, sejam eles os povos tradicionais camponeses, assentados, indígenas, ribeirinhos e quilombolas, que o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) lançou em 2020 o Plano Nacional “Plantar Árvores, Produzir Alimentos Saudáveis” com o objetivo de plantar 100 milhões de árvores em 10 anos.
A iniciativa é uma das respostas à crise ambiental sofrida no mundo, por meio de viveiros de mudas espalhados por assentamentos e acampamentos em todas as áreas de atuação do Movimento, onde qualquer pessoa pode fazer parte, atuando na multiplicação do plantio e contribuindo na recuperação ambiental e na produção de alimentos saudáveis.
Desde o lançamento, já foram plantadas 25 milhões de árvores, que consistem na recuperação de cerca de 15 mil hectares de terra nos seis biomas brasileiros, o equivalente a 22 mil campos de futebol.