Diretamente da Nave Coletiva, um papo com KL Jay, dos Racionais MC’s
Na entrevista de hoje, KL Jay aborda temas que vão desde a formação do grupo até sua carreira como DJ, explorando também o avanço da pauta racial no país.
Kleber Simões, mais conhecido pelo seu nome artístico KL Jay, é uma das principais referências dentro do movimento Hip Hop e do rap no Brasil. Integrante do disruptivo e revolucionário grupo Racionais MC’s, o DJ é responsável por inúmeras bases que marcaram a carreira do grupo e estão na playlist de inúmeros jovens por aí.
Na entrevista de hoje, ele aborda temas que vão desde a formação do grupo até sua carreira como DJ, explorando também o avanço da pauta racial no país. No entanto, o diálogo vai muito além disso. A conversa foi registrada diretamente na Nave Coletiva, em vídeo e em cores, que já está disponível no Instagram da Mídia NINJA! Não perca a oportunidade de conferir!
Senhoras e senhores, com a palavra, KL Jay:
André Menezes – Cara, para começar o nosso papo, eu queria saber se, durante toda essa trajetória dos Racionais MC’s, houve algum momento, alguma conversa, algum projeto em que você percebeu que aquilo ali, a música, seria algo que daria para viver, que você iria tirar o seu sustento a partir dali e que também o grupo de vocês iria virar o que virou. Se teve algum momento que virou a chave, saca?
KL Jay – Olha, o momento que percebi que dava para trabalhar, que dava para se sustentar fazendo shows, no caso, sustentar por conta da música, foi após uns 5, 6 anos que o Racionais se formou.
Foi por volta de 1994. Porque a gente começou a viajar no meio da semana, viajar quarta-feira, quinta-feira e tipo assim, não ia dar mais para eu ficar no trabalho que eu estava. No começo eu trabalhava, eu, o Edi Rock, todos nós trabalhávamos antes, mesmo já tendo o Racionais. Então eu acredito que foi por aí, 1994. Eu lembro de uma viagem que a gente fez para Curitiba e era no meio da semana, era numa quarta-feira. E eu falei: “putz, não vou conseguir mais ficar dando desculpas lá no trabalho”. E começou a ter mais e mais demanda. Foi então que decidi sair e ficar só com os Racionais e com a minha carreira solo também, que era bem menor do que é hoje.
André Menezes – Falando sobre música, podemos citar várias e várias músicas dos Racionais e as batidas que você colocou nelas, como: Homem na Estrada, Negro Drama, Capítulo 4, Versículo 3. Mas dentre todas essas músicas, tem algum trampo que você fez e que te marcou mais? Que quando você ouve ou quando alguém fala tem um carinho maior?
KL Jay – Antes de tudo, eu quero dizer que o DJ KL Jay não fez todas as bases dos Racionais, fez algumas. Essas mesmo, essas que você citou, Homem na Estrada, Negro Drama, isso tudo é base do Brown. O Brown que produziu. O Brown é um grande produtor, ele não gosta de falar muito e tal, mas ele produz muito bem, ele tem muita noção de beat, de produção.
Bom, eu fiz a Mágico de Oz com o Edi Rock. Eu também fiz com o Brown, a Diário de um Detento, a Capítulo, Jesus Chorou, Qual Mentira vou Acreditar, Tô Ouvindo Alguém Me Chamar, dos discos mais antigos. Agora, tem duas músicas que eu gosto muito. Você falou uma, mas eu vou falar duas: A Jesus Chorou, pelo contexto, pela história, de como a música foi feita. O Brown ter falado comigo antes, eu ter ido comprar o disco, fui à galeria, sampliei o disco, sampliei o trecho, mandei para ele, ele colocou o beat e a letra.
E a segunda é a Capítulo 4, pela construção da música, o jeito que ela foi construída. Nós utilizamos vários samples, o beat, a batida, que é do Tom Scott, o sample, o baixo. Utilizamos também trechos da Sade, do MRN, do DMN. E a Capítulo 4, os três cantam, tem a participação dos quatro mesmo na música, e por ser uma música atemporal também, a Capítulo 4 tem mais força hoje do que ela tinha quando foi lançada, e no decorrer do tempo, ela foi ficando cada vez mais forte. A Capítulo hoje tem tanta força quanto a 157, quanto a Negro Drama, quanto as mais atuais.
André Menezes – Por que você acha que uma música que foi produzida há tanto tempo continua hoje muito atual para quem ouve?
KL Jay – Eu penso que são várias coisas. Uma delas é não fazer a música pensando em dinheiro, pensando em sucesso. Você faz a música ali, com o que você está se sentindo. Outra coisa, tem a época também, a época dos anos 1990, que a gente sampleava muito, a gente estava começando a aprender a fazer música, a produzir, a ter os equipamentos, a ter as MPCs, a ouvir como que eles construíram as músicas e como eles produziram. Então, as músicas se tornam especiais, ela tem aquela coisa, aquele contexto daquela época, aquela época de ouro, que a gente estava crescendo, estava começando a ir para o Brasil, para o mundo inteiro. A letra fala de coisas que aconteceram lá, mas acontecem hoje também. Então, se transforma nessa coisa atemporal.
E a música não morre, a música tem essência, tipo o suco de laranja sem açúcar, sem gelo, o suco de laranja ali mesmo, a música tem essa força de estar sempre atual, cada vez mais atual.
André Menezes – Você acha que a pauta racial avançou no Brasil?
KL Jay – Houve uma melhora, sim. A gente está em outra época, outro mundo. Esse lance das redes sociais difundiu muito as ideias, trouxe muito conhecimento, muita informação pelo celular, por Instagram, por exemplo. Trouxe muito vídeo antigo, muito depoimento. Trouxe muita história que nunca foi contada, que até nós mesmos que somos mais estudiosos não sabíamos.
Muita coisa que eu vejo sobre os pretos no mundo, na diáspora, muita coisa eu não sabia. Então isso cria um ambiente coletivo, uma energia no ar de progresso, de mudança, de atitude, de prática, entendeu? Então, melhorou.
O Hip Hop foi um dos grandes responsáveis por isso. O Hip Hop veio para isso, veio para causar essa transformação dos pretos. Mas ainda tem muita coisa que tem que ser resolvida. Nós ainda somos perseguidos, assassinados, ainda estamos nos piores lugares.
André Menezes – Como você enxerga o impacto dos Racionais hoje? Você se vê como uma grande referência, gosta deste lugar?
KL Jay – Isso é poder. Poder é influência. Nós temos noção da influência que tivemos e temos ainda. E isso é um dever, a gente veio para fazer isso. Se não fizer isso, você não cumpre o que você veio fazer aqui na Terra. Então, a gente tem essa noção, ao mesmo tempo, a gente não quer ter esse peso, esse rótulo de deixar tudo na mão dos Racionais. Não. Cada um tem que ser líder de si.
A gente sabe dessa influência, ao mesmo tempo, não queremos ter esse peso, essa responsabilidade, de só os Racionais. Cabe aos Racionais resolver, decidir, falar, se posicionar e tal. Mas, a gente tem noção disso, sim, e é muita responsabilidade. Tem que ter responsabilidade também com o que fala, com o que faz, com as atitudes do dia a dia. Não somos perfeitos, nenhum de nós aqui somos, temos nossos defeitos, mas a gente vai se lapidando, vai melhorando.
André Menezes – Vamos falar das novidades agora? Quais os projetos futuros do KL Jay?
KL Jay – Os Racionais está com disco novo, tem muita coisa pronta já, acredito que sai no final desse ano ou começo de 2025. Já o DJ KL Jay, eu tenho o meu selo, a KL Música, que é produtora também, que quero continuar lançando artistas, e estou com a 4P lá com o X, estamos crescendo a cada ano, estamos investindo na marca, investindo na qualidade, nos produtos. E eu também estou abrindo negócios, negócios para aumentar o faturamento, contratar pessoas, fazer o dinheiro circular e deixar os negócios para a posteridade, para os filhos, para os amigos e continuar tocando, tudo veio da música.
Todos esses outros negócios, essas outras empresas vieram exclusivamente da música, então eu quero continuar com a música, continuar tocando, fazendo eventos, tocando com o Racionais.
André Menezes – Para finalizar, qual legado você gostaria de deixar?
KL Jay – Eu penso que é meio pretensioso falar de mim mesmo, penso que quem tem que falar são os outros. Mas, eu gostaria de ser lembrado como um exemplo de alguém que de fato fazia as coisas que falava, basicamente é isso. As palavras comovem, mas o que arrasta mesmo, o que influencia mesmo é o exemplo, você fazer e a pessoa falar, vou fazer igual essa pessoa, porque ela faz e dá certo. Tudo o que fiz, o que eu faço hoje, muita coisa foi vendo o exemplo de outras pessoas, a pessoa fazendo na prática aquilo que ela estava falando e eu penso: dá certo, e isso te traz poder, te traz respeito, te traz dignidade, você consegue se olhar no espelho.