Brasil, um país que nunca foi: A história que a História não conta
Os livros de história, infelizmente, ainda trazem uma visão muito eurocentrada sobre a história do país e por uma perspectiva dos colonizadores, excluindo religiões de matriz africana e outras que por aqui já existiam
Em 2019, a Estação Primeira de Mangueira entregou um dos enredos mais potentes já vistos na história do Carnaval. Com Histórias para ninar gente grande, criado pelo carnavalesco Leandro Vieira, a escola fez um resgate dos líderes negros que revolucionaram a história do Brasil e foram simplesmente apagados dos livros. Neste mesmo ano, se consagrou campeã do carnaval carioca pela vigésima vez e saiu da Marquês de Sapucaí ovacionada pelo público. E é exatamente daqui que eu parto: de um Brasil que ainda não sabe quem realmente são seus heróis.
Os livros de história, infelizmente, ainda trazem uma visão muito eurocentrada sobre a história do país e, como se não bastasse, por uma perspectiva dos colonizadores, com uma boa dose de cristianismo e exclusão das religiões de matriz africana e outras que por aqui já existiam, como o xamanismo.
Vamos tentar fazer um resgate de algumas coisas para podermos ficar exatamente na mesma página. Em 13 de maio de 1888, a princesa Isabel assinou a Lei Áurea, que determinava que a escravidão estava abolida no país com caráter imediato, mas não foi bem isso que aconteceu, até porque o povo preto ficou totalmente desamparado depois disso e ainda tem quem diga que a tal princesa foi uma grande heroína, uma fada revolucionária. Não foi. Nos versos, a letra diz:
“Brasil, o teu nome é Dandara
E a tua cara é de cariri
Não veio do céu
Nem das mãos de Isabel
A liberdade é um dragão no mar de Aracati”
Nos livros de história, por exemplo, nunca ouvimos falar sequer quem foi Francisco José do Nascimento, o Chico da Matilde, também conhecido como o Dragão do Mar, que em 1800 marcou a história de Canoa Quebrada, Aracati (CE) como símbolo popular abolicionista nas terras de Alencar e lutou contra a elite econômica no Estado. Mas, por outro lado, a história dos colonizadores portugueses cai até mesmo em provas de vestibulares, de tanto que ela é propagada por aí.
Os livros de história também fazem questão de não dar a devida importância a Luís Gama, um dos mais importantes abolicionistas deste país. Luís Gama, autodidata, jornalista e advogado, filho de uma africana livre e um militar português. Gama conquistou sua liberdade através de uma ação judicial em 1847 e mudou-se para São Paulo, onde se tornou um dos mais renomados advogados e abolicionistas do Brasil.
Não se ouviu falar também sobre Dandara dos Palmares, esposa de Zumbi dos Palmares, que foi uma das lideranças do movimento quilombola no Brasil e lutou contra os portugueses e, quando capturada, acabou cometendo suicídio em 1694 para não se curvar ao opressor.
“Desde 1500 tem mais invasão do que descobrimento
Tem sangue retinto pisado
Atrás do herói emoldurado
Mulheres, tamoios, mulatos
Eu quero um país que não está no retrato”
São tantos nomes, tantas histórias apagadas, como a de Luíza Mahin, Teresa de Benguela, Aqualtune, José Carlos do Patrocínio e tantos outros que marcaram a história de um país que não sabe olhar para trás e entender de fato o que realmente aconteceu. Clayton Nascimento, o melhor ator do ano, com seu monólogo Macacos, passeia pela história do Brasil e busca jogar luz sobre os líderes negros que ajudaram e refundar um país que nunca foi. Não há avanço se não sabemos de onde viemos, onde estamos e nem para onde vamos. Um país que não conhece a sua própria história não consegue chegar a lugar nenhum.