A niteroiense Flávia Vieira vem se destacando como uma das mais brilhantes roteiristas da atualidade, não apenas pelo seu talento em escrever e contar boas histórias, mas pela urgência de se assumir o controle da narrativa de um presente que pode refletir em um amanhã menos insalubre para a população preta. 

Dentre os seus projetos mais notórios, está a série “Linhas Negras”, atualmente em exibição pelo CineBRASILTV, na qual Flávia assina o roteiro com Marco Borges, e o seu podcast “Se Não Me Falha a Memória”, que resgata e celebra a música preta brasileira. Jornalista de formação e especialista em literatura infanto-juvenil, essa amante da comunicação não poderia deixar de honrar o legado da sua profissão e resgatar obras de artistas pretos, fazendo com que as novas gerações também conheçam os trabalhos de grandes ícones.

Na coluna de hoje, ela fala sobre os seus novos projetos, os avanços da pauta racial dentro do mercado audiovisual e a importância da literatura para as crianças. 

Com a palavra, Flávia Vieira:  

 

André Menezes  Para começarmos o nosso papo, nos conte um pouco como surgiu a sua paixão por escrever roteiros. Foi algo desde criança a paixão pela escrita ou algo desenvolvido com o tempo?  

Flávia Vieira Certamente a paixão por contar histórias nasceu comigo. Eu me lembro que, na casa da minha avó, tinha aquelas estantes com prateleiras repletas de livros na sala, costumava pegar os livros de contos de fadas e ler para os meus primos e para a minha irmã, em voz alta.

O processo de escrita foi desenvolvido com o tempo. Na faculdade de letras, eu consolidei a paixão pelos livros, mas só me senti autorizada a escrever quando fui para o jornalismo, e foi um longo caminho até me reconhecer roteirista. Escrevo contos e estou trabalhando num romance, mas ainda não sei se teria coragem de publicar um livro. 

 

André Menezes Como surgiu a ideia de criar o podcast “Se Não Me Falha a Memória”? 

Flávia Vieira A ideia surgiu de uma necessidade. Eu tinha saído há poucos meses da TV Globo. Naquele momento, eu queria trabalhar com roteiro, não queria voltar para redação. Como não tinha pintado ainda um trabalho como roteirista, chamei o Elismar Braga e ele topou a ideia de criar um podcast. A única condição que eu impus a ele é que o podcast tivesse roteiro para que eu pudesse dizer que eu era roteirista. Deu certo.

Criamos tudo do zero juntos lá em 2019. Agora estamos aqui planejando a temporada 2024. 

 

André Menezes Você gravou um episódio do podcast no Morro da Providência, dentro da Flup deste ano. Qual a importância da literatura para crianças periféricas?

Flávia Vieira A literatura é importante para todas as crianças. Em um mundo com tanto apelo imagético em tantas telas, os livros sem dúvida são o melhor refúgio para o desenvolvimento do imaginário infantil. Quando pensamos em regiões com menos acesso a bens de consumo, é importante pensarmos em estratégias que garantam que os livros cheguem às mãos das crianças por caminhos diversos. Crianças precisam ter oportunidades e serem preparadas para aproveitá-las. 

 

André Menezes Você acha que a pauta racial avançou no Brasil, especialmente no mercado audiovisual?

Flávia Vieira Avançamos muito. Eu reconheço e agradeço a todos que trabalharam para que estes avanços fossem possíveis, mas ainda há muito a ser feito. Nosso trabalho agora é garantir que os profissionais negros ocupem os postos de decisão, tanto nas áreas técnicas quanto nas criativas do audiovisual. Estamos refundando o imaginário imagético do Brasil e vamos naturalizar obras com personagens negros diversos, complexos, que se pareçam mais com a sua audiência. 

 

André Menezes  Quais projetos você tem mais orgulho de ter feito, tanto no jornalismo quanto como roteirista?

Flávia Vieira Nos últimos anos as duas coisas têm se confundido. O “Se Não Me Falha a Memória” é roteiro, mas também é jornalismo, e me orgulho muito do podcast. Eu fui roteirista de uma série que hoje está em exibição no CineBrasil TV, que se chama “Linhas Negras”. Me orgulho muito desse trabalho inédito que apresenta 13 escritores negros de diferentes épocas e regiões do pais para o público. 

 

André Menezes  Qual legado você quer deixar?

Flávia Vieira O meu desejo é que, quando alguém assistir um trabalho meu no futuro, possa pensar: ela contou histórias lá trás que hoje são uma realidade. Essa é a razão de eu escrever roteiros para o audiovisual, o cinema é o lugar onde posso sonhar as mudanças que eu quero ver no mundo.