Em 2025, praticamente todo lar brasileiro já conta com internet fixa: cerca de 93% dos domicílios estão conectados. Uma década atrás, em 2015, esse número era de apenas 57%. Ou seja, em dez anos, o país praticamente zerou o abismo digital que separava quem tinha e quem não tinha acesso à banda larga. Os dados foram apresentados no lançamento da Agenda Institucional 2025 da Abrint (Associação Brasileira de Provedores de Internet e Telecomunicações) e reforçam uma meta clara do Estado brasileiro: levar conectividade a cada canto da nação.

Entretanto, apesar dos avanços — que devem ser reconhecidos —, o cenário muda completamente quando o assunto é internet móvel, a que de fato sustenta o dia a dia de boa parte dos cidadãos. Uma parcela significativa da população de baixa renda ainda passa dias, às vezes semanas, totalmente desconectada. Esse dado foi constatado em pesquisa realizada pela Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações), em parceria com o Idec (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor).

Os números falam por si: entre os que ganham até três salários mínimos, 35% ficaram ao menos sete dias sem internet móvel no último mês. E o cenário é ainda mais duro para os mais pobres: 11,6% passaram mais de 15 dias sem acesso — quase seis vezes mais do que entre os mais ricos. O impacto vai muito além do lazer ou das redes sociais. A falta de conexão fecha portas para o básico: 63,8% dos entrevistados deixaram de fazer transações bancárias; mais da metade não acessou serviços públicos; 55% não conseguiram estudar e 52% não puderam usar plataformas de saúde. Em pleno 2025, estar offline significa, na prática, estar fora do sistema.

Há também uma discussão importante sobre conectividade: o limitado pacote de dados da maior parte dos brasileiros é, em grande medida, consumido pela exibição de publicidade em plataformas digitais. A pesquisa da Anatel/Idec mostrou a percepção dos usuários sobre o impacto dos conteúdos publicitários no consumo de dados. Metade dos entrevistados, em todas as faixas de renda, afirmou que vídeos publicitários aparecem com muita frequência (“sempre” ou “muitas vezes”) — o que drena seus dados móveis.

É nesse ponto que entra a discussão sobre o zero-rating, prática em que operadoras de telecomunicações oferecem acesso gratuito a determinados aplicativos e serviços online, sem que haja desconto no pacote de dados dos consumidores.

É uma verdadeira “faixa livre”, que permite ao usuário acessar determinados aplicativos ou sites por meio da internet móvel sem gastar sua franquia de dados. Sua implementação geralmente ocorre por meio de parcerias entre operadoras e fornecedores de serviços — sendo mais comum em planos pré-pagos e de baixo custo —, prática adotada sobretudo em relação a plataformas de streaming e redes sociais.

Apesar dos benefícios que o zero-rating pode proporcionar, o tema é controverso. Há quem argumente que ele viola a neutralidade da rede, prevista no Marco Civil da Internet, e pode gerar concorrência desleal. Também se discutem os riscos de criar uma “internet de segunda classe”, em que o cidadão acessa apenas o que as operadoras decidem liberar.

Vale ressaltar que o zero-rating tem sido amplamente associado a serviços de empresas privadas. Operadoras como Claro, Tim e Vivo adotaram essa estratégia comercial para permitir acesso gratuito a aplicativos como WhatsApp, Facebook, TikTok e Instagram — uma forma de atrair e reter clientes. É importante notar que essas mesmas empresas exibem publicidade aos usuários, o que cria um ciclo de dependência dessas plataformas.

Tendo isso em mente, não faria sentido permitir acesso gratuito a plataformas como o Meu SUS Digital, o Gov.br e outros serviços voltados à educação, à saúde e à segurança, mesmo para quem ficou sem crédito no celular? Afinal, embora a neutralidade da rede seja essencial, há previsão legal que permite discriminação de tráfego em casos legítimos, como o de garantir acesso a serviços públicos essenciais.

A viabilidade é real. Sua implementação pode ocorrer por meio de acordos e parcerias entre governo e operadoras para custear a infraestrutura, ou por subsídios diretos à conexão. O debate deve ainda garantir equidade na participação de todas as operadoras, independentemente de porte ou capacidade financeira, estabelecendo regras transparentes e não discriminatórias.

Defendemos, portanto, que o zero-rating aplicado a serviços digitais essenciais pode assegurar o mínimo de cidadania digital: marcar uma consulta no SUS, emitir documentos, acessar o portal do governo ou estudar online sem precisar de franquia de dados.

O Brasil conseguiu levar fibra óptica a quase todas as casas, mas ainda tropeça no básico: garantir que a conexão móvel — hoje tão essencial quanto água e luz — chegue a todos de forma justa, contínua e segura.

Esta coluna foi escrita em parceria com Fabiana Valgas e Flora Santana, ambas da equipe jurídica do Sleeping Giants Brasil.