Um preto no topo é, sim, motivo para celebrar, mas precisamos lutar por uma emancipação coletiva
Ter pessoas pretas no topo não significa a ascensão do nosso povo
Eu tenho muitas referências pretas – consigo encher duas mãos, citando a trajetória de cada uma delas -, e me orgulho muito em dizer que são fonte de inspiração diária para mim. Mas ter pessoas pretas no topo, não significa a ascensão do nosso povo. Dentro da comunidade negra temos a péssima concepção do “preto único”, ao pensarmos que só por determinada pessoa estar no topo significa que vencemos. Não é bem por aí. É importante que pessoas pretas consigam ascensão social, mas a luta por uma emancipação coletiva, infelizmente, ainda caminha a passos lentos.
Vivemos numa sociedade, que além de racista, é guiada pelo capitalismo e o povo preto precisa lutar por oportunidades de trabalho digno, que lhe dê status e possa minimizar os efeitos do preconceito diário. De acordo com uma pesquisa do IBGE, sobre Desigualdades Sociais por Cor ou Raça no Brasil, em 2021, a porção da sociedade considerada pobre era composta de 18,6% brancos e praticamente o dobro de pretos (34,5%) e pardos (38,4%).
Óbvio que este cenário tem ligação direta com o abismo social que existe no nosso país, ademais, reflete a falta de oportunidades de ascensão profissional e econômica do povo preto. Outros dados que corroboram para esta análise foram publicados na Síntese de Indicadores Sociais (SIS), também de 2021, mostrando que 25,2% dos jovens brasileiros entre 18 e 24 anos estavam cursando ou já haviam concluído o ensino superior. Dentre estes, brancos representavam 36,1%. Olhando apenas para os jovens negros (pretos ou pardos), o parcela caia pela metade (18,3%).
A falta de emprego, educação e perspectiva de um futuro melhor impactam, inclusive, na saúde mental da população preta. Dados do Ministério da Saúde, de 2022, revelam que o risco de suicídio aumentou 12% entre a população negra nos últimos anos e jovens pretos tem 45% a mais de pretensão de se suicidar do que brancos. A pesquisa revela também que a faixa etária entre 10 a 29 anos é a que mais sofre, principalmente as pessoas do sexo masculino – com chance 50% maior de tirar a vida do que entre brancos da mesma idade.
Tradicionalmente sempre foi permitido que um ou alguns da comunidade preta ocupassem lugares de relevância na sociedade. Mas, não se engane em pensar que existe qualquer sinal de igualdade. Essa falsa dicotomia é para dar a incorreta impressão que existe algum equilibro, que o racismo não existe, e que existe meritocracia. Os números apresentados nesse artigo escancaram que a comunidade preta está muito longe de ser emancipada ou de ter “vencido”. A emancipação será de fato uma realização, quando houver uma paridade de números.
Em última análise refletir sobre a emancipação coletiva é um exercício que pessoas pretas precisam fazer diariamente. Entender porque ainda é o nosso povo que ocupa, majoritariamente, as favelas e presídios e, porque pessoas brancas estão em bairros nobres, é de suma importância. Não dá para dizer que a favela venceu quando um favelado ascende. A vitória de um não pode representar a conquista de todos. É preciso entender o passado, focar no presente para construir um futuro mais próspero para os nossos, sem deixar ninguém no caminho.
*André Menezes é gerente de programas em uma das maiores empresas de serviços financeiros digitais do mundo. Com título de Master of Liberal Arts (ALM) in Extension Studies, field of Management (Mestre em Artes Liberais com foco em Administração) em Harvard uma das Universidades mais prestigiadas do mundo, desde pequeno sabia que seu esforço abriria portas para seu futuro. Criado no bairro dos Pimentas, zona periférica da cidade de Guarulhos, na grande São Paulo, seus passos ajudaram a tornar o profissional de sucesso que é hoje.