Demonstração de força para conter protestos e abafar escândalos de corrupção expôs fragilidade do governo

O dia de ontem foi marcado por manifestações políticas em prol do impeachment de Michel Temer e de eleições diretas imediatas para o cargo de presidente.

Para reprimir os protestos contra seu governo, Temer expediu o Decreto de 24 de maio de 2017, autorizando o emprego das Forças Armadas para a Garantia da Lei e da Ordem no Distrito Federal, no período de 24 a 31 de maio de 2017. O ato de Garantia da Lei e da Ordem foi considerado um equivalente ao Atos Institucionais da Ditadura Civil-Militar (1964-1984), mecanismos de legitimação e legalização das ações militares naquele período.

Muitos analistas políticos avaliaram que a ação desesperada do presidente Michel Temer e do Ministro da Defesa Raul Jungmann mostrou não apenas precipitação, mas despreparo para reagir à crise, evidenciando ainda mais a falta de apoio e de capacidade de articulação política do governo que pretendia levar a cabo as reformas à Constituição.

A medida desagradou a gregos e troianos. Do lado da oposição, levou ao acirramento das críticas de ingovernabilidade e de tomada de medidas desesperadas.

Até mesmo a base aliada reprovou o Decreto. Ontem o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, desmentiu a afirmação do Ministro da Defesa Raul Jungmann de que tivesse requerido o uso da Garantia da Lei e da Ordem, instituto de uso excepcional.

Já o líder do Senado, Renan Calheiros, afirmou que as Forças Armadas não tinham condições de sustentar o governo e que a tomada da medida excepcional levava a um agravamento da crise. Calheiros afirmou em discurso no plenário do Senado que a medida “beira a insensatez fazer isso no momento em que o país pega fogo. Beira a irresponsabilidade.”

Decreto de Garantia da Lei e da Ordem era ilegal

O Decreto de Garantia da Lei e da Ordem de 24 de maio de 2017 dispunha tão-somente o seguinte:
Art. 1º Fica autorizado o emprego das Forças Armadas para a Garantia da Lei e da Ordem no Distrito Federal, no período de 24 a 31 de maio de 2017.
Parágrafo único. A área de atuação para o emprego a que se refere o caput será definida pelo Ministério da Defesa.
Art. 2º Este Decreto entra em vigor na data de sua publicação.

O Decreto não cumpria vários requisitos do art. 15 da Lei Complementar n. 97/99 [1].

• Não houve esgotamento dos instrumentos destinados à preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio. Como vimos, o parágrafo 3º do mencionado dispositivo determina que haja reconhecimento formal e expresso de que os instrumentos de manutenção da ordem são indisponíveis, inexistentes ou insuficientes ao desempenho regular de sua missão constitucional. 
Entretanto, não houve tal reconhecimento formal, até porque isso não refletiria a verdade dos fatos, uma vez que as forças policiais não poderiam ser consideradas inexistentes, indisponíveis ou insuficientes.

• Do mesmo modo, apesar do decreto estabelecer atuação por tempo limitado ao período de 24 a 31 de maio, ele se limita a estabelecer que a área de atuação para o emprego será definida pelo Ministério da Defesa, violando a exigência formal de estabelecimento prévio, por meio do próprio decreto, da área em que ocorrerão as operações especiais.

• Tampouco foram definidas pelo decreto as ações de caráter preventivo e repressivo necessárias para assegurar o resultado das operações na garantia da lei e da ordem.

Do mesmo modo, além dos aspectos formais que maculavam de nulidade o decreto de Temer, faltava-lhe também legitimidade política, uma vez que desvirtuava o uso das Forças Armadas para fins de repressão política, a fim de impedir os atos de protesto contra seu governo cambaleante.

Governo recua e revoga Decreto

Menos de 24 horas depois de ter sido assinado, o Decreto de Garantia da Lei e da Ordem foi revogado em reunião de urgência, convocada na manhã de hoje.

O governo Temer, mais uma vez, cometeu um ato de desequilíbrio institucional. No desespero por mostrar-se firme e resistente, expôs como nunca sua fragilidade e fraqueza.


Notas:

[1] Art. 15. O emprego das Forças Armadas na defesa da Pátria e na garantia dos poderes constitucionais, da lei e da ordem, e na participação em operações de paz, é de responsabilidade do Presidente da República, que determinará ao Ministro de Estado da Defesa a ativação de órgãos operacionais, observada a seguinte forma de subordinação:

I – ao Comandante Supremo, por intermédio do Ministro de Estado da Defesa, no caso de Comandos conjuntos, compostos por meios adjudicados pelas Forças Armadas e, quando necessário, por outros órgãos;

II – diretamente ao Ministro de Estado da Defesa, para fim de adestramento, em operações conjuntas, ou por ocasião da participação brasileira em operações de paz;

III – diretamente ao respectivo Comandante da Força, respeitada a direção superior do Ministro de Estado da Defesa, no caso de emprego isolado de meios de uma única Força.

§ 1o Compete ao Presidente da República a decisão do emprego das Forças Armadas, por iniciativa própria ou em atendimento a pedido manifestado por quaisquer dos poderes constitucionais, por intermédio dos Presidentes do Supremo Tribunal Federal, do Senado Federal ou da Câmara dos Deputados.

§ 2o A atuação das Forças Armadas, na garantia da lei e da ordem, por iniciativa de quaisquer dos poderes constitucionais, ocorrerá de acordo com as diretrizes baixadas em ato do Presidente da República, após esgotados os instrumentos destinados à preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, relacionados no art. 144 da Constituição Federal.

§ 3o Consideram-se esgotados os instrumentos relacionados no art. 144 da Constituição Federal quando, em determinado momento, forem eles formalmente reconhecidos pelo respectivo Chefe do Poder Executivo Federal ou Estadual como indisponíveis, inexistentes ou insuficientes ao desempenho regular de sua missão constitucional.

§ 4o Na hipótese de emprego nas condições previstas no § 3o deste artigo, após mensagem do Presidente da República, serão ativados os órgãos operacionais das Forças Armadas, que desenvolverão, de forma episódica, em área previamente estabelecida e por tempo limitado, as ações de caráter preventivo e repressivo necessárias para assegurar o resultado das operações na garantia da lei e da ordem.

§ 5o Determinado o emprego das Forças Armadas na garantia da lei e da ordem, caberá à autoridade competente, mediante ato formal, transferir o controle operacional dos órgãos de segurança pública necessários ao desenvolvimento das ações para a autoridade encarregada das operações, a qual deverá constituir um centro de coordenação de operações, composto por representantes dos órgãos públicos sob seu controle operacional ou com interesses afins.

§ 6o Considera-se controle operacional, para fins de aplicação desta Lei Complementar, o poder conferido à autoridade encarregada das operações, para atribuir e coordenar missões ou tarefas específicas a serem desempenhadas por efetivos dos órgãos de segurança pública, obedecidas as suas competências constitucionais ou legais.

§ 7o A atuação do militar nos casos previstos nos arts. 13, 14, 15, 16-A, nos incisos IV e V do art. 17, no inciso III do art. 17-A, nos incisos VI e VII do art. 18, nas atividades de defesa civil a que se refere o art. 16 desta Lei Complementar e no inciso XIV do art. 23 da Lei no 4.737, de 15 de julho de 1965 (Código Eleitoral), é considerada atividade militar para os fins do art. 124 da Constituição Federal.