Sustentabilidade para quem? A falta de políticas ambientais nos eventos que antecipam a COP 30 em Belém do Pará
Quando se trata de transmitir valores aos participantes, é fundamental manter a coerência entre o que se diz e o que se faz
Por Marília Maresia
Na Amazônia, o interesse pelos recursos naturais e pela biodiversidade, desde os tempos coloniais, foi determinante para a ocupação e desenvolvimento da região. Nesse sentido, enquanto ocorriam diversos eventos na cidade de Belém do Pará, na primeira semana de Agosto de 2023, dentre eles os “Diálogos Amazônicos” e a “Cúpula da Amazônia”, discutiam-se um conjunto de iniciativas cujo objetivo era pautar a formulação de novas estratégias para a ocupação e desenvolvimento da região, com ênfase no debate sobre o equilíbrio ambiental global.
A utilização dos espaços livres de uso público para a promoção de eventos pode ser um caminho estratégico para realizar ações que, de fato, valorizem o ambiente, os elementos socioculturais da cidade e a comunidade, trazendo resultados positivos para o turismo local. Mas, para produzir eventos com responsabilidade socioambiental, os organizadores precisam se preocupar em reduzir os impactos negativos diretos, que envolvem adequação do consumo e descarte do público, contribuindo para deixar um legado positivo e duradouro para a comunidade local e regional.
Responsabilidade ambiental
Durante três dias de eventos, os alimentos foram servidos em embalagens descartáveis, como isopor e polipropileno virgem (PP), ambos são materiais difíceis de serem reciclados, que segundo cooperativas brasileiras, a reciclagem do isopor só não é mais difundida porque esbarra na dificuldade logística devido à leveza e volume do material.
As lixeiras, apesar de estarem sinalizadas com as cores da coleta seletiva, eram insuficientes e os resíduos estavam todos misturados. A entrada no evento era restrita, inviabilizando que trabalhadores informais pegassem o alumínio e pet da fonte de descarte. Dessa forma, a economia circular, pilar de sustentabilidade, não foi pensada na pré-produção e o impacto socioambiental é generalizado.
Nenhuma informação foi compartilhada se os resíduos do evento seriam destinados para cooperativas parceiras. O resíduo gerado não fomentou a economia circular e nem incentivou o consumo de matérias recicláveis, gerando impactos negativos e enfraquecendo a agenda verde e os objetivos de desenvolvimento sustentável na Amazônia.
Valorização da cultura local
A culinária Paraense é um grande potencial da Amazônia, pois é pautada em ingredientes locais, técnicas únicas e conhecimentos ancestrais de povos e tradições originárias. Mesmo assim, a praça de alimentação do “diálogos amazônicos” tinha apenas duas opções, dentre elas a franquia “Bob’s”, que é uma rede brasileira de restaurantes food service.
É importante frisar que a matéria-prima de muitas redes de fast foods vem da criação de gado e de abatedouros, situados no Brasil. Segundo uma reportagem realizada pelo Instituto Humanitas Unisinos e publicada pelo Repórter Brasil em 2021, tais fornecedores foram, repetidas vezes, flagrados mantendo negócios com pecuaristas responsabilizados por crimes na Amazônia e no Pantanal. Isso porque a criação de gado é um dos principais vetores das queimadas e do desmatamento ilegal no Brasil, além de liderar o ranking de trabalhadores submetidos à escravidão. São crimes mais comuns em áreas de fronteira agrícola, onde a floresta dá lugar a novas pastagens. Eles podem, no entanto, contaminar a rede de abastecimento de indústrias localizadas há milhares de quilômetros, próximas aos maiores centros urbanos e onde é fabricado um item de popularidade crescente na dieta dos brasileiros: o hambúrguer.
Para tomar sucos regionais e comer comidas típicas, os participantes precisavam sair do local do evento e a maioria dos empreendedores locais ficaram às margens.
COP-30 e agenda verde da Amazônia
Quando se trata de transmitir valores aos participantes, é fundamental manter a coerência entre o que se diz e o que se faz. A Amazônia urbana é um espaço da sociobiodiversidade, e a produção de eventos nesse território precisa garantir a sensibilização e valorização dessas áreas, especialmente por turistas e produtores, de modo que ela se reconheça nelas, criando relações de vivência e sentimento de pertença, estabelecendo territorialidades, valorizando o ambiente, elementos socioculturais da cidade e readequação de hábitos nocivos para o meio ambiente.
A proposta poderia ser “A proposta do festival é fazer o casamento entre música, economia criativa e comidas saudáveis. É envolver os usuários da praia falando que eles podem fazer uso dela de uma forma responsável e sustentável. Os comerciantes também poderiam se beneficiar do evento de uma forma direta”.
Isso porque os princípios da sustentabilidade não se restringem somente ao fator ambiental, estando associados ao social – no sentido de construir uma sociedade justa e democrática, propondo padrões de igualdade e equidade por meio do acesso de todos aos bens e serviços de qualidade