“Sinto que ainda temos que fazer a lição de casa”, diz Mestre Ivamar sobre a proteção do território amazônico
Para entender um pouco melhor sobre a importância desses povos para preservação da floresta, o papo de hoje é com Mestre Ivamar, que é ator, pesquisador, griô quilombola e escritor.
Os debates sobre a proteção do território amazônico são amplos. Pesquisadores, cientistas ambientais e sociais formulam teses sobre como frear os impactos nessa região que abriga a maior biodiversidade do planeta. Mas há um ponto de interseção a ser levado em consideração: as populações locais. Povos indígenas, quilombolas, ribeirinhos… são tantas culturas, tradições e diversidade de pessoas.
Para entender um pouco melhor sobre a importância desses povos para preservação da floresta, o papo de hoje é com Mestre Ivamar, que é ator, pesquisador, griô quilombola e escritor. Além disso, é uma das principais referências da cultura quilombola no Brasil e fundou, em 2016, ao lado do seu filho Felipe Melhor e Suane Brazão, o Coletivo Artístico Amazonizando, que fomenta as tradições e narrativas amazônicas, tendo a cultura do Marabaixo como sua maior expressão.
Leiam com muita atenção, Mestre Ivamar tem muito a nos ensinar.
André Menezes – Diante de tanta exploração e invasão do território amazônico, como as populações locais e nativas podem se mobilizar de forma estratégica para proteger a floresta?
Mestre Ivamar – Muito pode ser feito. Em primeiro lugar, educação. O Estado precisa praticar políticas educativas de preservação investindo em tecnologia, lidar melhor com as nossas riquezas, como minério, buscar soluções para questões climáticas e olhar para o nosso potencial como fonte de energia limpa. Além disso, precisamos nos organizar para um olhar futurista, sendo exemplos práticos de proteção, um modelo para o mundo. Sinto que temos que fazer a lição de casa.
Outro ponto que entendo como fundamental é fazer ressoar as tradições culturais, porque reafirmamos o nosso habitat como um lugar de resistência. Como entendo que muito pode ser feito, os caminhos são variáveis, temos que acreditar porque somos um povo historicamente de resistência, de uma tecnologia ancestral que muito contribui e que também precisa ser cuidada para enfrentarmos novos desafios.
André Menezes – Quais políticas públicas o governo precisa implementar para frear o garimpo ilegal e o desmatamento?
Mestre Ivamar – Historicamente, as políticas de formação de garimpo foram e são entendidas de forma marginalizada; eu sou completamente contra o garimpo ilegal e o desmatamento. Sou a favor da valorização humana, acredito nas políticas públicas que valorizam as pessoas com capacitação e tecnologia.
O incentivo aos garimpos partiu sempre de uma oportunidade econômica, movendo uma legião de pessoas. Constatamos hoje um grande problema que é o impacto do resultado da falta de políticas de cuidado da comunidade garimpeira, que foi se estabelecendo de forma desordenada.
Além disso, políticas de desmatamento são um ponto que tem que ser estudado, na busca do melhor aproveitamento do espaço, para garantir o reaproveitamento do solo. Os investimentos em tecnologia agrícola foram um avanço na nossa produção, agora temos que investir no equilíbrio e implementações com este objetivo.
André Menezes – Qual o papel do povo quilombola nesta luta?
Mestre Ivamar – O nosso papel, assim como o do indígena, dos ribeirinhos, das áreas rurais às urbanas, é o estudo, porque a preservação é parte da nossa cultura. Queremos que seja aprimorada, para que nós possamos cuidar e preservar o nosso habitat que dá vida ao mundo. Ficamos na linha de frente, lutando diariamente na busca de políticas de valorização, respeito, oportunidades, direitos e justiça: esta é a nossa bandeira, de forma humana e comunitária, assim como formamos a nossa sociedade amazônica.
André Menezes – Como as novas gerações podem se engajar neste sentido?
Mestre Ivamar – O incentivo às novas gerações se dá quando compreendemos a contemporaneidade de braços dados com a ancestralidade, com novos desafios. Vivemos novos tempos, com uma política econômica de geração de emprego e formação tecnológica, para que os nossos jovens possam acessar novos mercados de forma compartilhada, só isso já dá muito oxigênio para educar esta nova geração.
André Menezes – Como ativista, qual legado você quer deixar?
Mestre Ivamar – Acho que o legado é meu corpo presente. Jogo sementes para os lugares que ando enquanto eu estou vivo, enquanto tenho forças. Caminho, viajo, não deixo de atender nenhuma entrevista, não deixo de ouvir as propostas, não deixo de levar cada um do meu povo para o meu lado. Sempre deixo o exercício do que deu certo com possibilidade de dias melhores. O que deu errado, a gente tira aprendizado.
Acho que o legado é entender que todos nós somos passageiros aqui, mas a gente pode deixar construções simbólicas, significados, sentidos de um dia melhor, de vidas melhores para nossos povos em geral. Acho que é isso que o Mestre tenta trazer do batuque a gengibre batom, que é o ator do batom que as atuações começam da mata sempre à frente dessas coisas. Se um vence, todos nós vencemos e sim um de nós fracassa, todos nós fracassamos.
André Menezes – Para finalizar, qual o papel do Coletivo Amazonizando nessa luta?
Mestre Ivamar – Através do Coletivo Amazonizando temos como missão levar as tradições culturais da região norte para todo Brasil, utilizando a arte como meio de conscientização para a manter a floresta de pé e fortalecendo os quilombos. Há o sentimento de pertencimento para podermos adquirir a participação política, discutindo várias pautas do nosso lugar.
Durante as últimas duas décadas, tenho vivenciado de forma imersiva a vida amapaense, nos fazeres do dia a dia, a relação com a juventude rural e o lidar com a natureza, interagindo nas relações, dando uma nova perspectiva de se entender e viver coletivamente.