Raramente eu concordo com qualquer análise da Veja e da IstoÉ sobre política. Mas desta vez eu preciso concordar: o discurso da capa dessas duas revistas acertou em cheio.

No atual momento, Sergio Moro é O grande antagonista de Lula.

[BARULHO DE DISCO ARRANHADO]

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Peraí. Mas se Sergio Moro é o grande antagonista de Lula, QUEM É O JUIZ?

Circula pelo WhatsApp um vídeo em que Sergio Moro se dirige aos militantes “pró lava jato” agradecendo o seu apoio. Opa. Apoio? A um julgamento?

Algo está muito, mas muito errado.

 Nada contra um juiz ter seu posicionamento político. Juiz não é um ser neutro, distanciado do mundo, mas um sujeito politicamente inserido e condicionado.

É exatamente por isso que se exige como princípio inafastável da atividade judicial a imparcialidade. A imparcialidade não é o um status inerente à profissão de juiz: é um exercício de distanciamento crítico diante do objeto do seu julgamento.

A imparcialidade não é um mero topos retórico, mas efetivamente um pressuposto processual de validade que condiciona a atividade jurisdicional.

Na era do declínio da imparcialidade em nome de um ativismo judicial midiático, não é demais lembrar uma das mais importantes noções de teoria geral do processo: o proprium da jurisdição é a imparcialidade, conforme clássica lição de Chiovenda.

O que justifica o poder do estado de dizer, em última instância e mediante uso da força, como devem as pessoas comportarem-se é o fato de que o estado o faz impondo o direito ao caso concreto de modo isento.

Se ao estado fosse permitido impor comportamento sem observância do devido processo legal e sem garantia de um juiz natural e imparcial, estaríamos diante de um modelo de organização estatal de cunho autoritário, marcado pela resolução de conflitos mediante uso de força bruta.

Assim, não é demais afirmar que a imparcialidade é um divisor de águas entre modelos radicalmente distintos de estado.

Somente quando a imparcialidade é assegurada e efetivamente observada podemos dizer que a jurisdição cumpre seu proprium.

O art. 145 do Novo Código de Processo Civil, que versa sobre a suspeição do juiz e que tratou do tema da imparcialidade de modo mais amplo e mais rígido do que o CPC anterior, trata das hipóteses de suspeição que dizem respeito a situações menos graves de comprometimento da imparcialidade e que, de todo modo, recomendam o afastamento do juiz em virtude de circunstâncias subjetivas que podem colocar em risco a capacidade de julgamento com isenção.

Falemos sinceramente: um juiz que grava um vídeo agradecendo ao apoio dado à operação que ele julga pode ser tudo, menos um juiz.

Se o comportamento do cidadão político Sergio Moro fosse o de um juiz, jamais teria sido retratado pelas maiores revistas do país como um ANTAGONISTA de Lula, a quem deveria, em tese, julgar de forma isenta e imparcial.

Outdoor nas ruas de Curitiba.

Outdoor nas ruas de Curitiba.

A trajetória para que Sergio Moro alçasse a posição de antagonista de Lula é longa.

Lembremos, a título de exemplo, que em 16 de março do ano passado, Sergio Moro, por meio de uma decisão judicial posteriormente julgada ilegal, determinou o levantamento do sigilo de áudios que haviam sido interceptados poucas horas antes da própria decisão.

Na motivação da decisão, afirmou que o levantamento propiciava “não só o exercício da ampla defesa pelos investigados, mas também o saudável escrutínio público sobre a atuação da Administração Pública”.

Os áudios foram disponibilizados para o público e na mesma noite o Jornal Nacional da Rede Globo fez uma leitura dramática das falas envolvidas na gravação, causando enorme comoção social. O episódio é considerado uma das peças chave para criar o ambiente necessário à aprovação do processo de impeachment de Dilma Rousseff dez dias depois, pela Câmara dos Deputados.

O falecido ministro relator do processo da Operação Lava Jato no STF, Teori Zavascki, morto em acidente no início deste ano que levantou várias suspeitas sobre se não teria sido vítima de sabotagem, considerou que “a divulgação pública das conversas interceptadas da forma como ocorreu, imediata, sem levar em consideração que a prova sequer fora apropriada à sua única finalidade constitucional legítima, muito menos submetida a um contraditório mínimo”. Por tais razões, inclusive, anulou parcialmente as interceptações telefônicas.

Ficou evidenciado na decisão do Ministro Teori Zavascki que a prova não teve por objetivo cumprir sua função processual, desviando-se de sua finalidade, qual seja, a de permitir a formação do convencimento do juiz acerca dos fatos do processo.

Na época, Sergio Moro afirmou expressamente que utilizava a prova para “escrutínio público”, ou seja, não para firmar o próprio convencimento de juiz, mas o convencimento da opinião pública.

A opinião pública, de outro lado, teve acesso às provas não na sua inteireza e mediante o contraditório, mas através de uma apresentação parcial e descontextualizada dos fatos, isenta de qualquer imparcialidade.

Esse exemplo demonstra o quanto Sergio Moro distancia-se da figura de um juiz e assume o papel de acusador ou adversário.

Embora os antipatizantes de Lula vibrem com o juiz-inquisidor, a situação é absolutamente inaceitável para qualquer um que, por mais anti-petista que seja, tenha um mínimo de apego à legalidade.

Se Sergio Moro é o adversário de Lula, resta saber quem é o juiz do conflito entre os dois.