Na última sexta-feira, 14/2, o relator especial para liberdade de expressão da Organização dos Estados Americanos (OEA), Pedro Vaca, reuniu-se em São Paulo com representantes de organizações da sociedade civil brasileiras para um debate sobre as violações e ameaças à liberdade de expressão no Brasil. Tive a oportunidade de participar deste encontro na condição de representante do Sleeping Giants Brasil e utilizamos esta oportunidade para levar à OEA uma denúncia sobre violações dessa natureza no país.

Diferentemente do que alguns estão acostumados a pensar, no entanto, entendemos que as ameaças à liberdade de expressão no Brasil não se originaram de atuações do Poder Judiciário, em especial do Supremo Tribunal Federal. Em verdade, o STF tem sido, em si, um tribunal defensivo em relação à livre expressão do pensamento, tendo revertido centenas de decisões nos últimos anos de tribunais regionais e federais que impuseram limitações ao livre pensamento no país.

Nós, do Sleeping Giants Brasil, temos sido vítimas de reiteradas tentativas de censura, intimidação e perseguição por aqueles mesmos que – num movimento hipócrita – colocam-se agora diante da Organização dos Estados Americanos como os defensores da livre expressão do pensamento no Brasil.

Enquanto você lê esta coluna, os Deputados Gustavo Gayer (PL) e Eduardo Bolsonaro (PL), colhem, na Câmara dos Deputados, assinaturas para a instauração de uma Comissão Parlamentar de Inquérito que pretende investigar o Sleeping Giants Brasil ao lado de outras organizações e veículos de notícias como a Agência Lupa e a Alma Preta. Segundo os deputados, o Sleeping Giants teria recebido recursos da USAID para interferir no processo eleitoral de 2022. 

Estes fundamentos são uma farsa. A organização nunca recebeu nenhum recurso da USAID ou de qualquer órgão ligado à administração estadunidense. O engodo que usam como fundamento para o pedido de instauração dessa investigação é um edital do ICFJ (International Center for Journalists) no qual a Alma Preta foi aprovada com o Sleeping Giants como parceiro. Tal projeto foi desenvolvido em julho de 2023 e a investigação proposta tem como fundamento uma suposta interferência no processo eleitoral de 2022, que teve sua conclusão no segundo turno nada menos que 9 meses antes de o projeto se iniciar. Trata-se de um manifesto abuso de autoridade perpetrado por esses parlamentares que utilizam de sua posição e de seu poder no Congresso Nacional para perseguir, intimidar e silenciar aqueles que consideram um obstáculo aos seus objetivos.

E esta não é a única ameaça. Ao longo dos últimos dois anos, este mesmo grupo de parlamentares obteve êxito em instaurar outras duas CPIs contra organizações da sociedade civil. Uma dedicada a investigar ONGs ambientalistas, outra o Movimento dos Trabalhadores Sem Terra. Um terceiro pedido foi iniciado em junho de 2024, com objetivo de silenciar a academia e a pesquisa científica no Brasil. Felizmente, esse caso não foi adiante. 

Mas não é só: ao longo dos 5 anos desde a fundação do Sleeping Giants Brasil, esses mesmos parlamentares abusam sistematicamente de seu poder para nos intimidar, perseguir e ameaçar. Apenas em 2023, fomos objeto de cinco requerimentos na Câmara e no Senado, sendo apresentados como criminosos, elaborados pelos mesmos deputados e senadores que estiveram na terça-feira da última semana levando à OEA suas falaciosas alegações de que seriam vítimas de censura.

Os deputados Gustavo Gayer (PL) e Bia Kicis (PL) apresentaram requerimentos com textos idênticos às comissões de Direitos Digitais e Fiscalização Financeira, respectivamente, afirmando que realizamos “coação”. A deputada Júlia Zanatta (PL) solicitou, por duas vezes, que o corpo técnico da Câmara desenvolva estudos sobre meios para “punir o Sleeping Giants Brasil”. No senado, os Senadores Eduardo Girão (NOVO), Jorge Seif (PL) e Luiz Carlos Heinz (PP) também protocolaram requerimento para que o corpo técnico da casa elabore estudo sobre a suposta “coação” realizada pela organização e sobre as alternativas para a punição de nossas atividades¹.

Já em 2024, o senador Marcos Rogério requereu ao Tribunal de Contas da União uma investigação financeira contra a organização. O documento não apresentou absolutamente nenhum fundamento ou indício a respeito de suposta malversação de recursos. O único fundamento utilizado para requerer que a Corte de Contas brasileira realizasse uma devassa na vida da organização e de seus fundadores é a discordância que o senador possui a respeito das atividades da organização de exposição pública de comportamentos ilícitos e antiéticos de seus aliados. Felizmente, o TCU arquivou a representação.

E assim aconteceram outras sucessivas vezes. Em 2020, um delegado da Polícia Federal que possui relações pessoais com o deputado Eduardo Bolsonaro instaurou uma atividade de inteligência para identificar as pessoas por trás do Sleeping Giants, num período em que utilizávamos a pseudonímia como proteção de nossa própria integridade física, já que éramos vítimas de crimes de ameaça, inclusive de morte. Este delegado, Ricardo Pecoraro, usou seu próprio relatório de inteligência como fundamento para instaurar um inquérito policial em nosso desfavor. Em 2022, em atendimento a um requerimento da Polícia Civil do Amazonas, foi concedido acesso a um apresentador de televisão a todos os nossos dados pessoais, inclusive armazenamento no Google Drive e no iCloud.

Por fim, segundo relatório da Polícia Federal, os fundadores e diretores do Sleeping Giants Brasil foram monitorados ilegalmente, de 2020 a 2021, por um esquema na Agência Brasileira de Inteligência, a Abin, então dirigida pelo hoje deputado Alexandre Ramagem. A “Abin Paralela” foi uma estrutura ilegal instaurada no coração dos serviços de inteligência do país, que operou de dentro do Palácio do Planalto – a sede do poder executivo brasileiro – durante os anos de 2020 e 2021. O esquema utilizou softwares espiões e outras ferramentas e estruturas dos serviços oficiais de inteligência e a Polícia Federal para monitorar opositores políticos do governo Bolsonaro. 

O relatório publicado pelo STF revelou que atuaram dentro desta estrutura militantes bolsonaristas que não possuíam nenhuma ligação formal com o serviço público brasileiro, como Richard Pozzer e Rogério Beraldo, hoje presos. O documento demonstra que Richard Pozzer recebeu de servidores da própria Abin e da Polícia Federal informações privadas e pessoais dos fundadores do Sleeping Giants para que realizasse a exposição dessas informações em suas redes sociais, aumentando a pressão sobre a organização e as ameaças contra seus integrantes.

Por todas essas razões, é fundamental que o RELE da OEA restabeleça em seu relatório final a verdade sobre a Liberdade de Expressão no Brasil: os verdadeiros inimigos da livre expressão do pensamento no país são aqueles que tentam se passar por vítimas da censura.

¹ https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/158928

https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2380696

https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2381053

https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2374644

https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2375538

https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=1924409&filename=RIC%201038/2020