Salvador como casa: Roméo Mivekannin e a força da memória
Exposição “Avesso do Tempo” mistura memória, criação de novas histórias e tradição ancestral.
Estivemos em Salvador, na Bahia, para acompanhar a abertura da Temporada França – Brasil 2025, série de ações de cooperação entre os dois países que se estende até o fim do ano.
No primeiro dia de eventos, em 28 de agosto, aconteceu no Museu de Arte Moderna da Bahia a abertura da exposição “Avesso do Tempo”, de Roméo Mivekannin.
Roméo nasceu na Costa do Marfim, cresceu no Benin e estudou na França. Seu tataravô foi Behanzin, o último rei independente de Daomé.

Na exposição, o artista apresenta obras que conectam história e contemporaneidade sob uma perspectiva decolonial. Ele revisita pinturas icônicas de artistas europeus, como o Retrato de Oopjen Coppit, de Rembrandt, pintando nelas o próprio rosto. Assim, questiona: quem pode estar ali? Quem foi apagado das histórias que ficaram famosas pelo mundo?
Para suas telas, Roméo toma lençóis usados, carregados de memória anterior. Antes de pintar, ele os lava com elixires vodun, pedindo licença às lembranças que já habitam o tecido, para então imprimir novas histórias. Em algumas obras, costura cartas nas quais pede permissão às personagens retratadas ao tomar seu lugar. Sua prática religiosa se torna parte do fazer artístico. O gesto transforma a matéria e a consagra: ao revisitar uma obra existente, Roméo cria outra, completamente nova, com preenchimento, valor e poder próprios.
Seu rosto na tela, com olhos que acompanham o espectador por onde ele anda, reivindica uma presença — sua, de quem veio antes e de quem ainda virá. O negro sai do exótico para ocupar o centro de obras clássicas, como se sempre tivesse estado ali.






Em Salvador, Roméo diz que se sente em casa. Outro artista em exposição na cidade, Emo de Medeiros, afirmou o mesmo: quando está aqui, se sente um brasileiro comum, mas na França não é visto como um francês comum. Há uma proximidade, uma conexão quando se está em um lugar onde as pessoas se parecem com você. Não haveria lugar melhor que Salvador para abrir a Temporada França – Brasil com artistas do Benin. É quase uma volta para casa.
É, de alguma maneira, encontrar um parente. Salvador, a cidade mais negra fora do continente africano, é formada pelos descendentes de quem veio de lá. Olhando a fundo nossas origens, sempre há um parentesco.
As obras de Roméo em “Avesso do Tempo” nos fazem rever o passado à luz do presente, que reconhece o racismo e o colonialismo, e imaginar futuros possíveis, reinventando importâncias, nobrezas e lugares.
A exposição fica em cartaz no Museu de Arte Moderna da Bahia até 16 de novembro.