Rio Grande do Sul é um alerta: privatização da Sabesp coloca em risco o nosso futuro
É hora do povo ser ouvido e do governo federal entrar nessa briga
Somos testemunhas do desastre que ocorre neste momento no Rio Grande do Sul (RS). As intensas chuvas mataram mais de 150 pessoas, deixaram mais de uma centena de desaparecidos e uma onda de devastação varre o estado, com a falta de água potável sendo uma realidade dramática. Mas não é só lá. Pela primeira vez, a partir de pesquisa apresentada pelo Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (CEMADEN) e pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), atesta-se um avançado processo de desertificação no estado da Bahia. No centro-oeste, registram-se temperaturas tão altas e tempo tão seco que ameaçam o caráter geoecológico do Pantanal; e o Sudeste bate também recordes de precipitação e temperaturas, intercalados por extensas estiagens.
Todos esses sintomas de desastres são, na realidade, produto de um sistema econômico que se sustenta na exploração desenfreada da natureza, e prenunciam uma verdadeira catástrofe climática com traços de irreversibilidade. Nesse cenário de caos que nos avizinha, é importante reforçar que sem água não fazemos nada, não há viabilidade para a vida humana.
Mas o que tudo isso tem a ver com a privatização da Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo, a Sabesp? Tudo e um pouco mais. Para começar, é a Sabesp (hoje ainda sob controle majoritário do estado de SP) que está ajudando no abastecimento de água potável no Rio Grande do Sul, não as empresas privadas de saneamento. E justamente nesse contexto está sendo empurrada a privatização da Sabesp. O governo estadual, com o vergonhoso aval da Câmara Municipal de São Paulo, quer vender a maior empresa de saneamento e água do país, indo assim na contramão de países do mundo inteiro que hoje reestatizam suas empresas, compreendendo que, pensando no futuro da humanidade, o acesso e a gestão da água são estratégicos demais para ficar sob gestão privada.
Durante os debates, que foram pra lá de insuficientes para um projeto dessa magnitude, parlamentares defensores da privatização da água disseram que o problema é que a esquerda não gosta de lucro. É importante informar que a Sabesp é uma empresa lucrativa, tem inclusive ações na bolsa (B3) e paga vultosos dividendos ao Estado de São Paulo (seu maior acionista) e aos investidores minoritários.
O absurdo é tanto que o governador, sabendo que a privatização é impopular mesmo para a população que o elegeu, promete usar o dinheiro da venda para subsidiar o valor do aumento inevitável da tarifa cobrada pela Sabesp. Essa promessa, ainda que absurda, demonstra que mesmo o governador reconhece que qualquer empresário não vai querer administrar a Sabesp para oferecer um bom serviço, mas sim para obter um ótimo lucro – a Enel que o diga. A promessa também expressa outra verdade da privatização: o governo deixa claro que quem comprar a Sabesp terá lucro de qualquer maneira, não haverá risco. A privatização proposta por Tarcísio diminui o poder dos municípios nas decisões sobre a gestão de água, para garantir o lucro de quem comprar a Sabesp. No modelo apresentado, a cidade ficará amarrada com a empresa privatizada, em uma dívida enorme por anos até que os munícipes paguem todo o investimento feito pela empresa privada, ainda que o serviço seja de péssima qualidade e o lucro seja a prioridade. Além disso, em caso de “catástrofe climática” como a crise hídrica que já vivenciamos em 2015, é o Estado que arcará com prejuízos e necessidades de investimentos. A empresa não está obrigada a arcar com nenhum prejuízo: isso está previsto no projeto aprovado na Assembleia Legislativa ao final de 2023.
E assim, fica fácil gostar de investir: o estado constrói a empresa, cava a terra, passa tubulação, faz barragem, distribuição, sistemas de controle, vende tudo isso por uma fração do que custou e ainda se responsabiliza por todo e qualquer prejuízo que porventura ocorrer.
Os prefeitos que deram aval para a criminosa privatização da Sabesp poderão ainda incorrer em crime de improbidade, pois estarão abrindo mão de investimentos em saneamento. Em especial nas cidades menores, que possuem baixos orçamentos e ficarão nas mãos dos interesses privados para abastecimento de água e saneamento público. Se fosse só isso, seria o desastre de sempre da fórmula neoliberal: lucros privados para empresários e prejuízos compartilhados com o povo. Mas, nesse caso, a situação é mais grave. Vamos voltar à questão das catástrofes geradas pelas mudanças climáticas.
Além de vital, a água é um bem estratégico para o Brasil
Em 2018, o atual vice-presidente Geraldo Alckmin, à época governador de São Paulo, queria ser o mandatário do país, mas não contava com a longa falta de chuvas e consequente falta de água na torneira da população. O racionamento dinamitou sua pretensão eleitoral e, com Bolsonaro eleito presidente, se resguardou até ser resgatado e revivido por Lula em 2022. Entre 2015 e 2017, tivemos a maior seca do sistema Cantareira da história. Até hoje, o sistema não se recuperou completamente.
Tudo isso é a face cruel que mais de um século de hiper exploração de recursos naturais e lucro desenfreado causaram ao clima. Longas estiagens, mudanças de locais de grandes precipitações, mudanças na temperatura dos biomas. E o encontro direto dessas mudanças com a falta de preparação das políticas públicas e com o desmonte da legislação de defesa ambiental levarão a um verdadeiro caos no sistema de distribuição de recursos hídricos.
Grandes empresas sabem disso, por isso há hoje uma corrida para controlar esses recursos na periferia do sistema. E o Brasil, com suas grandes bacias hidrográficas, é o pote de ouro no final do arco-íris. Enquanto os países ricos estrategicamente protegem seus próprios mananciais, nós estamos entregando os nossos para a especulação do mercado privado.
É hora do povo ser ouvido e do governo federal entrar nessa briga
Como no RS, para combater os efeitos da catástrofe climática, recursos emergenciais são necessários e estão sendo liberados pelo governo federal. Mas planos estratégicos são igualmente importantes. Na questão da água, é necessário o mesmo critério. Com a militância de milhares de pessoas de partidos de esquerda, do campo progressista em geral e de amplos setores da sociedade, Lula foi eleito para imediatamente colocar para fora Bolsonaro, mas também com a esperança de acabar com a onda de destruição e negacionismo que assola nosso país.
Não se opor a entregar bens de valor incomensurável, como os sistemas Guarapiranga e Cantareira, à iniciativa privada é mais uma forma de negacionismo, dessa vez climático. Tarcísio Freitas e Ricardo Nunes (governador e prefeito, respectivamente), filhotes do bolsonarismo, são não apenas negacionistas, mas profundamente imorais. Seus governos estão cientes de que, com a privatização, a água será encarecida, empobrecida em qualidade e que sua conta será paga pelos pobres da cidade e do estado. É fundamental que o governo federal intervenha, dado o nível de risco em termos de soberania nacional que a entrega da maior empresa pública de saneamento do país representa.
É fundamental a realização de plebiscito oficial sobre a privatização da Sabesp. A população precisa ser ouvida antes que qualquer ação envolvendo a nossa água seja tomada pelos governos. Juntamente com essa defesa, tivemos diversas iniciativas jurídicas para barrar a privatização enquanto bancada do PSOL. E ainda mais fundamental que essas ações seria uma campanha pela federalização da Sabesp. Lula pode e deve se posicionar sobre isso, como passo inicial para um amplo debate nacional sobre a necessidade de proteção e, portanto, estatização de todos os recursos hídricos, preparando assim o Brasil para os próximos desafios que o futuro de desastres climáticos inevitavelmente nos reserva.