Resistindo aos piores ataques
Neste momento, a Funai e outros órgãos de defesa de direitos e de implementação de políticas específicas para os povos indígenas estão sofrendo intensos ataques, numa velocidade nunca antes vista.
Nossos problemas começaram há 517 anos, num abril de calmaria no Atlântico. Tradicionalmente, dedicamos este mês a dar visibilidade às nossas lutas e resistências cotidianas. Somos mais de 305 povos indígenas em todo o Brasil, e chegamos a este abril em especial enfrentando as piores tormentas. O turbilhão de corrupção que assola o país também está nos tragando: grandes obras movidas a propina devastam nossas terras ancestrais. Estamos sob ataque simultâneo do Executivo, do Legislativo e do Judiciário; nossos direitos estão tão ameaçados quanto nos anos da ditadura.
Neste momento, a Funai e outros órgãos de defesa de direitos e de implementação de políticas específicas para os povos indígenas estão sofrendo intensos ataques, numa velocidade nunca antes vista. Políticas públicas que foram construídas com muito esforço nos últimos 30 anos vêm sendo desmanteladas junto com as instituições: a proteção de povos isolados; os procedimentos para identificação e demarcação de Terras Indígenas (TIs); a assistência diferenciada à saúde indígena; a educação escolar bilíngue e diferenciada; a previdência social, e a fiscalização, gestão e proteção ambiental com respeito à autonomia dos povos indígenas. Também se esfacelam espaços de diálogo e de participação da sociedade civil na definição e controle social de políticas, como o Conselho Nacional de Política Indigenista. Estão indo à pique iniciativas reconhecidas nacional e internacionalmente por caminharem no sentido do respeito às culturas indígenas.
Há exatamente um ano, Victoria Tauli-Corpuz, Relatora Especial da ONU sobre os Direitos dos Povos Indígenas, concluía sua visita ao Brasil. Ela alertou para o fato de a concentração de poder político e econômico seguia nas mãos de um pequeno segmento da sociedade brasileira – o mesmo que historicamente contribuiu para a exploração abusiva das terras e dos recursos dos povos indígenas sem considerar seus direitos nem seu bem-estar. Havia, então, uma preocupação que o cenário de instabilidade política prejudicasse ainda mais os povos indígenas. Dentre as recomendações da relatora para enfrentar este cenário estava o fortalecimento das leis e das instituições como a Funai. Em resposta, o governo afirmou que estava trabalhando neste sentido.
Jogando ao vento suas próprias palavras, somente nas últimas semanas, o governo federal aprovou três medidas que tendem a acabar com a Funai e ameaçam a existência dos povos indígenas: 1) nomeou um deputado ruralista com posições anti-indígenas públicas, Osmar Serraglio, para chefiar o Ministério da Justiça; 2) apoiou a renovação da CPI contra a Funai e o Incra, que busca ilegitimamente intimidar os órgãos e instituições parceiras dos povos indígenas e quilombolas, além de criminalizar lideranças; e 3) concretizou o desmantelamento final da Funai com a sua re(des)estruração.
Dando ao desmonte o nome de reforma ou reestruturação, tentam nos enganar para fragilizar nossa luta e facilitar o acesso aos territórios indígenas – que são cobiçados por políticos, latifundiários e empresários, inclusive, estrangeiros. Assim, em janeiro e fevereiro foram aprovadas, sem qualquer consulta, Portarias nos Ministérios da Saúde e da Justiça para mudar a política de atenção à saúde indígena e o procedimento de demarcação. E, em março, por meio do Decreto Presidencial 9010/2017, foram extintos 347 cargos comissionados e fechadas 51 Coordenações Técnicas Locais em Rondônia, Acre, Amazonas, Pará, Amapá, Roraima, Maranhão, Mato Grosso, Tocantins, Alagoas, Piauí, Rio Grande do Norte, Bahia e Mato Grosso do Sul.
Esses cortes atingem especialmente áreas de maior vulnerabilidade, nas quais as terras e povos indígenas (inclusive isolados e de recente contato) estão mais sujeitos a pressões para a exploração de seus recursos naturais e implantação de obras sem consulta prévia. Além disso, os cortes eliminam da estrutura da Funai principalmente os funcionários indígenas, enfraquecendo, assim, qualquer possibilidade de implementação de gestão participativa e respeitosa com os povos e suas culturas. Para os povos indígenas, a Funai ainda é um órgão necessário, apesar da fragilidade causada pelo sucateamento programado pelos governantes. Os povos indígenas sempre lutaram e vão seguir lutando pelo seu fortalecimento.
A Funai deve existir para balancear minimamente as correlações de forças e interesses, e cumprir com a ordem constitucional de respeito à diversidade. Este (des)governo, porém, aposta na homogeneidade, ao trabalhar pelos interesses de uma única minoria: os ruralistas. O desmonte da Funai e das demais instituições que atendem aos povos indígenas e a outras populações do campo faz parte desse pacote. A questão indígena foi e continua sendo moeda de troca nas negociações entre partidos e indivíduos que querem ou precisam se manter no poder – e que, para isso, passam por cima da ética, das leis e dos direitos humanos. Mas nós lutaremos incessantemente contra essa tentativa de pôr em prática um novo ciclo de extermínio de nossos povos e culturas.
Nesse mês de Abril vamos levantar a guarda, as mobilizações regionais e nacional continua sendo muito importante na defesa de nossos direitos. Seguimos!