Reforma tributária restringe isenção de PcD’s e Pessoas Autistas

Redação final da PLP 68/2024 segrega e exclui Pessoas com Deficiência e Pessoas Autistas a terem acesso a um direito adquirido

Por Rodrígo Olivêira*

Tramita no Senado Federal o Projeto de Lei Complementar que regulamenta a reforma tributária (PLP) 68/2024. O projeto aplica restrições em relação à compra de veículos com alíquota zero por parte de Pessoas com Deficiência, inclusive Pessoa Autista Nível 1 de Suporte.

Em reportagem do dia 18/12/2024, dia seguinte à aprovação da redação final, o site do Senado publicou matéria sobre o tema e reconheceu que “O Plenário da Câmara seguiu parecer do relator do projeto, deputado Reginaldo Lopes (PT-MG), e manteve esse trecho que o Senado propunha retirar. Assim, uma pessoa que não tenha a perna esquerda, por exemplo não poderá contar com o benefício porque um automóvel com câmbio automático não precisa de adaptações especiais.” Fonte: Agência Senado.

Já sobre as Pessoas Autistas Nível 1 de Suporte, a referida matéria, que classifica este Nível de Suporte como “leve” diz que “Também não terão direito ao benefício pessoas do transtorno do espectro autista (TEA) com prejuízos na comunicação social e com padrões repetitivos de comportamento se forem de nível de suporte 1 (leve), remetendo à legislação o conceito.” Fonte: Agência Senado.

Redação final

Na redação final aprovada pelo Senado, os artigos 144, 145 e 146 são os mais problemáticos tanto para as Pessoas com Deficiência, como para Pessoas Autistas que também são Pessoas com Deficiência, segundo a Lei 12.764/2012 em seu art.1º, parágrafo 2º.

No artigo 144, alínea “c” e parágrafo 1º, o legislador ao abordar sobre o autismo, ele “seleciona” quem serão as Pessoas Autistas que terão o direito ao desconto que são:

c) transtorno do espectro autista, com prejuízos na comunicação social e em padrões restritos ou repetitivos de comportamento de nível moderado ou grave, nos termos da legislação relativa à matéria.

§ 1º Considera-se pessoa com deficiência aquela com impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial que, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas, observados os critérios para reconhecimento da condição de deficiência previstos no art. 145 desta Lei Complementar.

Sobre este artigo, a redação dada pelo legislador exclui, segrega e deslegitima Pessoas Autistas como sendo Pessoas com Deficiência, pois, a Lei 12.764/2012 em momento nenhum faz distinção de quem é “leve”, “moderado” ou “grave”, e muito menos pelo Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-5), documento utilizado pelos profissionais da saúde que lidam com Pessoas Autistas e outros Transtornos.

No artigo 145, o legislador acaba por listar um rol de deficiências físicas as quais estarão permitidos os descontos e isenções, como por exemplo: a) paraplegia; b) paraparesia; c) monoplegia; d) monoparesia; e) tetraplegia; f) tetraparesia; g) triplegia; h) triparesia; i) hemiplegia; j) hemiparesia; k) ostomia; l) amputação ou ausência de membro; m) paralisia cerebral; n) nanismo; ou o) membros com deformidade congênita ou adquirida. Vale salientar que a amputação ou ausência de membro, deverá obrigatoriamente acarretar em adaptação especial.

Já no artigo 146, o legislador coloca várias burocracias para que a Pessoa Autista possa obter o acesso aos descontos e isenções, que é o Anexo da Receita Federal que sequer aceita o CIPTEA (Carteira de Identificação da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista) que é emitido pelos Estados e Municípios, que, consequentemente tem fé pública, uma vez que passa por avaliação dos Estados e Municípios.

Direito adquirido

A aquisição de veículos com descontos e isenções por parte das Pessoas com Deficiência já é direito desde a Lei 8.989/1995 cuja ementa foi alterada pela Lei 14.287/2021 e acrescentou a alínea IV em seu artigo 1º que diz:

Art. 1º  Ficam isentos do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) os automóveis de passageiros de fabricação nacional, equipados com motor de cilindrada não superior a 2.000 cm³ (dois mil centímetros cúbicos), de, no mínimo, 4 (quatro) portas, inclusive a de acesso ao bagageiro, movidos a combustível de origem renovável, sistema reversível de combustão ou híbrido e elétricos, quando adquiridos por:
(…)

IV – pessoas com deficiência física, visual, auditiva e mental severa ou profunda e pessoas com transtorno do espectro autista, diretamente ou por intermédio de seu representante legal;

Ou seja, desde pelo menos 1995, toda Pessoa com Deficiência (inclusive Pessoas Autistas desde 2012) tem direito a obter descontos e isenções na compra de um carro novo, o que faz com que este direito não possa ser alterado por lei posterior. Estes artigos da redação final dada pelo Senado, entram em colisão com o princípio do Direito Adquirido, que é um princípio jurídico que garante direitos já consolidados no patrimônio de uma pessoa que não podem ser alterados por leis ou medidas posteriores que retroajam para prejudicá-los.

Portanto, uma Pessoa com Deficiência que tem a perna amputada desde 1995 (e Pessoas Autistas desde 2012), não podem ser prejudicadas por esta Lei Complementar, pois estará excluindo e deslegitimando a sua deficiência física, pois a sua deficiência não acarretará em adaptação especial.

Pessoas Autistas

A redação final dada pelo legislador e aprovada pelo Congresso Nacional, simplesmente se torna um desserviço para a população e comunidade de Pessoas Autistas, inclusive as que estão no Nível 1 de Suporte.

As nomenclaturas escritas como “leve”, “moderado” e “severo” não são utilizadas desde pelo menos 2013 com as novas recomendações e classificações do DSM-5. \

A Lei Berenice Piana (Lei 12.764/2012) também sequer utiliza essas nomenclaturas e muito menos diz que, por exemplo, Nível 1 de Suporte é menos Autista que os Níveis 2 e 3, e sequer que o Nível 3 é mais autista que os Níveis 1 e 2.

Por exemplo, Eu, Rodrígo Olivêira, autor desta matéria, sou Pessoa Autista, sou habilitado a dirigir há pelo menos 13 anos, e atualmente não posso exercer esse direito, pois o Anexo da Receita Federal não prevê que o CIPTEA seja utilizado como comprovação (eu tenho dois: do Estado e Município em que resido), já que ambos tem fé pública. E isso me fez fazer duas denúncias no Ministério Público Federal, incluindo o tema desta matéria.

Infelizmente pelo fato de eu ter duas graduações (Jornalismo e Direito) a sociedade não me enxerga como Pessoa com Deficiência. Assim como não enxergam um amigo jornalista que descobri recentemente ser também Nível 1 de Suporte, nem meus entrevistados do meu TCC que fiz no ano passado e muito menos os 1,2% de Autistas do último Censo de 2022.

A sociedade precisa entender que, quem tem o diagnóstico de Autismo, é uma Pessoa que está dentro do Espectro de um Transtorno do Neurodesenvolvimento e que a crescente quantidade de diagnósticos dados por profissionais ou identificados nas avaliações neuropsicológicas, não é modismo. É acesso a qualidade de vida e saúde mental.

A mensagem que fica e passa

Diante do que foi trazido aqui, é importante que a população de Pessoas com Deficiência visíveis e não visíveis, como as Pessoas Autistas, que serão atingidas por esta redação final da reforma tributária, caso algo não mude até lá; tenham em mente que, por um lado, esta escrita é uma movimentação contra os crescentes diagnósticos de TEA no Brasil, consequentemente contra Pessoas Autistas e também para reduzir os direitos de pessoas amputadas que não precisam de adaptações especiais.

No entanto, a mensagem que fica e passa, é a de que o Estado brasileiro não está preparado para atender à demanda de Pessoas Autistas, além de ter representantes do povo brasileiro (Deputados e Senadores) despreparados para lidar com a temática do Autismo. Além de querer reduzir a pó, direitos adquiridos por Pessoas com Deficiência que tem amputado alguma parte do corpo e que não necessita de adaptações especiais.

O Estado brasileiro antes de começar a redigir uma lei, que vai impactar uma população que é uma minoria e que passa por preconceitos, obstáculos e a ineficiência do próprio Estado (Federal, Estadual e Municipal), precisa aprender a ouvir quem mais será impactado neste caso: as Pessoas com Deficiência e as Pessoas Autistas.

*Pessoa Autista Nível 1 de Suporte, PcD, Bel. em Jornalismo e Bel. em Direito.