Racismo dentro e fora de campo: uma estratégia de repressão aos atletas negros de alto nível
Para além dos torcedores racistas e da falta de posicionamento firme de quem coordena os torneios esportivos de grande escala, algumas perguntas ficam no ar: Vinícius Jr e tantos outros jogadores que sofreram violências, devido à cor de suas peles, vão conseguir superar e seguir suas vidas?
O episódio de racismo sofrido por Vinícius Jr. no último domingo, dia 21 de maio, durante a partida entre Valencia e Real Madrid, não é um caso isolado, nem mesmo para o jogador. Tendo sido vítima de ataques raciais também durante o campeonato de 2022, o nome de Vinícius figura numa extensa lista de atletas que sofrem com o racismo cotidiano do Campeonato Espanhol e de outras competições na Europa. Nela estão nomes famosos como Ronaldo Fenômeno e o camaronês Samuel Eto’o.
Encarar o comportamento racista dos torcedores e dirigentes do torneio como reflexo de uma sociedade desigual e preconceituosa é menosprezar o poder do racismo como arma de subjugação do povo preto. Afinal, sabemos que o racismo é usado como estratégia desde o século XIX. Sob a ideia eurocêntrica de progresso, durante o Imperialismo e a expansão colonial das fronteiras, o discurso pseudocientífico do “darwinismo social” – que afirmava a superioridade “natural” do homem branco –, foi utilizado para legitimar o tráfico humano promovido pelos europeus no continente africano. Com o decorrer dos séculos esse discurso foi desbastado e polido, mas mantém a sua essência, sendo utilizado contra corpos negros, principalmente quando estão em evidência.
No Brasil, não é diferente… De acordo com dados do Observatório da Discriminação Racial do Futebol, houve aumento no número de ocorrências de racismo no ano findado. Para se ter um panorama mais amplo, em 2021 foram registradas 64 situações de racismo no futebol nacional. No ano seguinte, 2022, foram comprovadas 90 situações – um aumento de 40%.
Se não conseguem nos parar nos gramados com disputas justas de posse de bola e talento, o fazem nos humilhando e nos fazendo questionar nossas qualidades e habilidades. Para além dos torcedores racistas e da falta de posicionamento firme de quem coordena os torneios esportivos de grande escala, algumas perguntas ficam no ar: Vinícius Jr e tantos outros jogadores que sofreram violências, devido à cor de suas peles, vão conseguir superar e seguir suas vidas? Como fica a saúde mental de atletas negros de alto nível?
Há um esgotamento claro do povo preto – nossos coletivos estão esgotados. Pessoas negras não precisam provar serem melhores duas ou três vezes mais do que pessoas não negras. Elas precisam ir além: ser 20 ou 30 vezes mais! Porque a herança do racismo impacta, até mesmo, os que conseguiram – depois de muito esforço – “chegar lá”.
Diante desse cenário, é urgente pensar novas estratégias para combater a questão racial, antes mesmo que os atletas cheguem à fase profissional. Crianças e adolescentes que querem ser jogadores de futebol ou seguir outros caminhos dentro do esporte precisam ter seus direitos assegurados, e isso inclui saúde mental. Vale reforçar que o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) assegura, através da Lei Pelé (Lei 9.615/98), que instituições formadoras de atletas devem garantir assistência psicológica aos jovens em formação.
Recuar não é uma opção. O racismo deve ser combatido diariamente. O posicionamento da mídia e do Estado são fundamentais para podermos avançar nessa questão e não precisar mais ver casos absurdos, como o de Vinícius Jr., reverberando nas futuras gerações. “Para que amanhã não seja só um ontem, com um novo nome”, como diria Emicida.