Quem cuida das mulheres que cuidam?
É urgente garantir direitos para as mulheres que movem a economia do cuidado no país
Ao longo da história, a gestão do Estado brasileiro sempre foi orientada por construções sociais e valores guiados por uma ideologia que propunha uma nítida divisão entre domínio público e privado, o primeiro destinado aos homens, o segundo, às mulheres. Esse processo dicotômico tinha como objetivo a legitimação de uma divisão sexual do trabalho, atribuindo aos homens o papel de provedores e às mulheres a responsabilidade do cuidado.
Por cuidado, compreende-se o trabalho que envolve as atividades de manutenção da casa, dos filhos e a atenção a pessoas dependentes realizadas na esfera doméstica. Um trabalho, por vezes, invisível, mas essencial para a vida das famílias e das comunidades na sociedade, especialmente quando os serviços públicos, como creches, centros de assistência social e hospitais, não conseguem responder à demanda social.
Ao mesmo tempo em que esse projeto de sociedade limitava a presença das mulheres no espaço privado, buscava naturalizar a presença masculina na arena pública. Aqui é importante destacar que, no Brasil, desde o período colonial, passando pelo Império, período em que vigorou a escravidão, as mulheres negras, em especial as libertas e alforriadas, sempre ocuparam o espaço público, desempenhando um papel de destaque na vida econômica e social das cidades brasileiras, a partir da comercialização varejista (na sua grande maioria) de produtos perecíveis, ofertados em seus tabuleiros.
A recuperação da história de luta das mulheres brasileiras por liberdade, por ampliação dos direitos, por uma cidadania ativa e pela ocupação de postos de direção no Estado, nos mostra que os movimentos de mulheres desempenharam um papel decisivo ao longo da nossa história e são fundamentais para a elaboração e execução de importantes políticas públicas que buscam remodelar o caráter da nossa sociedade. O aporte dado pelas mulheres na busca contínua pelo alargamento democrático, nas conquistas por melhores e maiores direitos, tem sido fundamental para a desconstrução dos padrões tradicionais de relacionamento entre Estado e sociedade.
Entretanto, a crença de que os cuidados com a família são um assunto privado e afeito às mulheres é um desafio ainda a ser vencido e que cotidianamente obstaculiza a ampliação da esfera de atuação de um Estado capaz de incidir na divisão sexual do trabalho e ser eficiente na execução de políticas geradoras de igualdade e promotoras de autonomia econômica e política femininas.
A oportunização da autonomia econômica das mulheres como uma atribuição estatal é uma das principais reivindicações do movimento feminista que, baseado em evidências, revela que as mulheres dedicam quase 22 horas semanais ao trabalho doméstico e de cuidados não remunerado, enquanto os homens dedicam metade desse tempo. Além disso, pesquisadores do FGV Ibre (Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas) apontam que 65% do trabalho do cuidado é feito por mulheres e representa ao menos 8,5% do PIB (Produto Interno Bruto) do país. Não à toa, a taxa de participação das mulheres no mercado de trabalho ainda é largamente inferior à dos homens e as taxas de desemprego referente a elas são superiores. Os rendimentos das mulheres ainda representam apenas uma parcela dos rendimentos recebidos pelos homens, assim como as posições ocupadas por homens e mulheres ainda são muito segmentadas. A síntese de indicadores sociais 2023 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) também mostra que 71% das mulheres estavam fora da força de trabalho, ou seja, estavam desempregadas e não estavam em busca de um novo emprego.
Portanto, é grande a responsabilidade da atuação governamental para garantir políticas públicas responsivas, com recorte de gênero, com o objetivo de promover a igualdade no mundo do trabalho e o acesso das mulheres (com especial atenção para as mulheres racializadas) ao emprego decente (com renda e condições de trabalho digno).
Recentemente, o governo do presidente Lula, por meio do Ministério das Mulheres, deu um passo importante para a valorização da economia do cuidado no Brasil, um conceito inovador que lança luz sobre o trabalho do cuidado não remunerado, caracterizando-o como fundamental para o bem-estar social. O Decreto nº 11.460 institui o Grupo de Trabalho Interministerial que tem a finalidade de elaborar a proposta da Política Nacional de Cuidados e a proposta do Plano Nacional de Cuidados do Brasil.
O déficit de socialização do cuidado entre homens e mulheres se reflete em um desigual uso do tempo dedicado às atividades domésticas, impactando diretamente na baixa inserção das mulheres no mercado de trabalho. Desta forma, a oferta de políticas e equipamentos públicos que possibilitem que as mulheres possam reduzir o tempo dedicado ao trabalho doméstico (não pago) do cuidado, oportunizam a utilização e ampliação do uso do tempo destas mulheres para o trabalho remunerado, promovendo um acesso direto a uma renda própria – um primeiro passo em direção à construção de sua autonomia econômica.
A garantia e a ampliação do investimento público na construção de creches, escolas em tempo integral, lavanderias e tantos outros equipamentos públicos é uma conquista concreta para a igualdade de gênero, para o bem estar das crianças, para a economia e para o desenvolvimento de toda a sociedade. Foi por isso que trabalhamos em conjunto com o governo federal para garantir, através do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC Seleções), mais creches e escolas de tempo integral para diversas cidades de Minas Gerais, especialmente Uberlândia e municípios do Triângulo Mineiro.
Somos intransigentes na defesa de um Estado forte, garantidor do bem estar social, feminista e solidário. Nossa luta é para garantir que nenhuma mulher no Brasil tenha suas capacidades limitadas, sendo alijadas do mercado de trabalho e excluídas do processo produtivo remunerado por não poderem arcar com os custos de uma babá ou de uma escola particular. É dever do Estado garantir políticas públicas que combatam as desigualdades de gênero e assegurem a ampliação contínua dos direitos.